Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real
Chamo-me Paula, tenho 64 anos, e demorei quase uma vida inteira a descobrir quem sou. Fui casada durante 23 anos com um homem horrível — não há outra palavra para descrevê-lo. Eu fazia tudo em casa. Cada manhã começava antes do sol nascer, a cozinha cheia de panelas e cheiros que me lembravam que a vida continuava, mesmo quando eu me sentia exausta. Era eu que cozinhava, que lavava, que passava, que dobrava roupas que pareciam multiplicar-se sozinhas. Eu educava a nossa filha, respondia às suas perguntas ingénuas, corrigia-lhe os deveres, enxugava as lágrimas quando caía ou quando alguém lhe magoava o coração na escola.
Era eu que resolvia as contas, equilibrava os extratos bancários com dedos trêmulos, calculava cada centavo com precisão, sabendo que uma falha poderia significar noites em claro e fome à porta. Eu segurava os cacos de uma vida que se desmoronava à minha volta. Tentava juntar as peças com paciência e dignidade, mas sentia-me esmagada pelo peso de uma rotina que nunca tinha pedido.
Ele era um mau pai, ausente, com o vício do jogo que consumia tudo à sua volta. Perdeu dinheiro que eu sabia que jamais voltaríamos a recuperar, noites de trabalho que nunca trouxe para casa, promessas quebradas como vidro a estilhaçar-se. Ficámos duas vezes sem teto, com malas improvisadas e olhares desconsolados da nossa filha, perguntando quando iríamos voltar a ter uma casa para chamar de nossa.
Enquanto eu tentava manter a família de pé, ele vivia num mundo paralelo. Saía com “amigos”, desaparecia em horários inexplicáveis, e eu acabava por descobrir pequenas pistas de que havia outras mulheres. Foram várias. Um número que não reconhecia no telemóvel, um perfume estranho no casaco dele, sorrisos e confidências que nunca me pertenciam. Cada descoberta corroía-me por dentro, mas eu continuava. Porque a minha filha precisava de uma mãe, e eu precisava de acreditar que, de algum modo, estávamos todos a sobreviver.
Os anos passaram nesse equilíbrio instável, entre sustento e ruína, entre esperança e desilusão. A casa era minha prisão e ao mesmo tempo o único lugar onde podia exercer algum controlo. O cansaço físico transformou-se em dor emocional; a rotina numa espécie de amputação do espírito. Aprendi a sorrir enquanto morria por dentro, a fingir que tudo estava bem quando tudo estava, de facto, em pedaços.
E então, aconteceu. Ele morreu. Quando ele morreu, senti-me feliz. Aliviada. Não houve culpa nesse alívio; foi como se um peso invisível tivesse sido retirado dos meus ombros. Pus as contas em ordem, respirei fundo, e pela primeira vez em décadas senti que voltava a viver.
Eu tinha 56 anos. A minha filha já estava criada, vivia em Bruxelas, com a sua própria vida. Eu não queria nada com homens. Queria ser livre. Queria andar de cabeça erguida pelas ruas, entrar no cinema sozinha, ir ao teatro, sentar-me num café a ler um livro sem pressa. E fiz isso. Fui reconstruindo-me, peça a peça, no silêncio dos meus dias.
Mas a vida tem dessas voltas. A minha amiga Ester adoeceu, e eu estive próxima dela durante os últimos anos. Acompanhei-a nas consultas, nas esperas em corredores de hospital, nos desabafos de madrugada. Depois da sua morte, fiquei próxima do marido dela, o Alexandre. Começámos a sair juntos. Sem planos, sem promessas. Um jantar, um concerto, uma viagem curta. E, de repente, envolvemo-nos.
Foi um despertar para mim. Descobri o amor carnal, o toque, a vontade. Depois de anos a ver o corpo apenas como ferramenta, redescobri-o como espaço de prazer, de encontro, de liberdade. E aquilo acendeu algo em mim. O Alexandre e eu terminámos amigavelmente ao fim de um ano, sem mágoas. Fiquei-lhe grata: ele mostrou-me uma Paula que eu pensava já não existir.
Depois entrou na minha vida o Paulo, que conheci na universidade sénior. Era um homem maduro, com rugas suaves no rosto que denunciavam experiências vividas, mas, curiosamente, pouco experiente no que dizia respeito ao amor verdadeiro — à entrega, ao toque, à intimidade que não é só carnal, mas também emocional. Quando o olhei, senti uma mistura de ternura e desafio: ali estava alguém que podia ser moldado pela paciência, pela atenção e, sobretudo, pelo respeito.
Ensiná-lo não foi apenas ensinar-lhe o corpo, embora essa descoberta tenha sido intensa, lenta e fascinante. Mostrei-lhe como ouvir o outro, como perceber sinais que nem sempre se verbalizam, como apreciar a simplicidade de um toque, um olhar, um suspiro. Descobri nele o prazer de ensinar e, ao mesmo tempo, de redescobrir-me. Cada gesto, cada aproximação, era um diálogo silencioso entre dois adultos que, pela primeira vez, podiam se permitir sentir sem medo, sem pressa, sem obrigação.
Enquanto nos explorávamos, percebi algo mais profundo: eu não precisava de me prender. Não precisava de prometer fidelidade, nem de encaixar a minha liberdade na rotina de outro ser. A presença do Paulo abriu-me horizontes. Comecei a conhecer outros homens, com quem partilhava momentos, conversas, toques, risos. Alguns eram breves, outros prolongados; uns mais intensos, outros delicados. Cada relação tinha uma verdade própria, um pacto de liberdade mútua que me fez sentir viva.
Fui percebendo que não queria ser de ninguém. Que não precisava de um “meu” ou de um “nosso” para sentir amor ou prazer. Hoje, tenho vários namorados ao mesmo tempo. Saio com eles, divido risos e carícias, aventuras e encontros inesperados, e não há culpa, nem vergonha. Cada relação é livre, consensual e feliz, e todos compreendem que eu pertenço apenas a mim mesma. Aprendi que o amor e o desejo não precisam de correntes; podem coexistir com autonomia, alegria e respeito.
Essa liberdade redefiniu-me. Antes, eu tinha vivido anos a ser aprisionada por um casamento que consumia a minha alma. Agora, cada relação é uma celebração de quem eu sou: uma mulher que vive intensamente, que ri, que toca, que ama, que se permite. Com o Paulo, com os outros, com a minha própria presença, descobri que a felicidade não é um caminho único. É feita de encontros, de risos, de descobertas e da coragem de permanecer fiel a si mesma.
E eu, aos 64 anos, finalmente, sou inteiramente minha.
Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.
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