Eu e o meu marido vivemos um casamento sem intimidade: «Há três anos que não nos tocamos» - V+ TVI1224
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Eu e o meu marido vivemos um casamento sem intimidade: «Há três anos que não nos tocamos»

  • Redação V+ TVI
  • 11 out, 12:40

O tempo passa e por vezes pode ser tarde demais.

Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real  

Depois de uma gravidez difícil e meses de exaustão, a distância instalou-se entre mim e o Edgar. Hoje partilhamos uma vida, um filho e uma casa — mas já não partilhamos o toque.

Quando eu e o Edgar nos conhecemos, parecíamos duas metades que finalmente se encontravam. Éramos jovens, inexperientes e cheios de vontade de partilhar tudo. Falávamos durante horas, ríamos com facilidade, fazíamos planos como se o futuro fosse uma estrada larga e luminosa à nossa frente. Nunca fomos um casal de grandes gestos físicos, mas havia uma ternura natural entre nós — uma leveza no toque, um cuidado constante, uma intimidade que não precisava de ser explicada.

Durante os primeiros anos, tínhamos o nosso equilíbrio. Havia afeto, havia vontade, e mesmo sem grandes arroubos, havia cumplicidade. Fazíamos amor todas as semanas, e isso era suficiente. Era o nosso ritmo, o nosso refúgio.

Em 2021 engravidei do Daniel. Foi uma gravidez difícil, daquelas que nos viram do avesso.
No primeiro trimestre, o meu corpo parecia não me pertencer. Vivia enjoada o dia inteiro, sem vontade de comer, a tentar manter-me de pé entre o trabalho e as idas ao médico. Dormia mal, acordava com azia, e cada pequeno movimento me lembrava que já não era só eu ali dentro. O Edgar tentava ajudar, mas eu estava tão concentrada em simplesmente aguentar que deixei de o ver. Lembro-me de o observar andar pela casa, preocupado, com aquele olhar de quem quer fazer alguma coisa mas não sabe o quê. Eu, por outro lado, só queria chegar ao fim do dia sem chorar.

No segundo trimestre, o corpo acalmou um pouco, e os médicos diziam que estava tudo bem. Por fora, parecia que eu estava a adaptar-me. Mas por dentro, sentia um cansaço que não passava com o sono nem com descanso — era uma exaustão emocional, uma sensação constante de estar aquém de tudo. Tinha medo de não ser boa mãe, de não estar à altura. O Edgar falava do futuro, do quarto do bebé, e eu fingia entusiasmo. Na verdade, só queria recuperar um pedaço de mim, o pedaço que parecia ter desaparecido com o teste positivo.

O terceiro trimestre foi o mais duro. Ganhei muito peso, fiquei inchada, os tornozelos doíam, e o simples ato de calçar sapatos era uma batalha. Passava horas a olhar-me ao espelho, sem reconhecer a mulher refletida. Tinha o rosto arredondado, a pele manchada, e uma sensação de estranheza com o meu próprio corpo. O Edgar afastou-se — talvez por não saber como lidar comigo, talvez por medo de me magoar. Eu também não sabia como lidar comigo mesma.

As nossas conversas tornaram-se práticas: listas de compras, ecografias, o nome do bebé. Raramente nos ríamos. O toque desapareceu aos poucos, substituído por uma distância silenciosa. Eu achava que era temporário, que tudo voltaria ao normal depois do parto. Mas, quando o Daniel nasceu, percebi que o normal tinha ficado lá atrás.

O parto foi uma mistura de medo e urgência, e terminou numa cesariana de emergência. Quando o ouvi chorar pela primeira vez, chorei também — de alívio, de cansaço, talvez de pânico. Voltei para casa com um corpo que já não sentia meu, uma ferida que doía a cada movimento e uma responsabilidade que parecia demasiado grande para mim. O Edgar estava lá, mas eu sentia que vivíamos em mundos diferentes.

As semanas seguintes foram uma neblina. Entre mamadas, choros e noites em claro, deixei de saber o que era dormir, comer com calma, ou simplesmente existir sozinha. Tentava dar o melhor de mim, mas por dentro sentia-me a falhar em tudo. O Edgar fazia o que podia — preparava biberões, trocava fraldas, tentava manter a casa funcional —, mas faltava-nos algo essencial: o olhar um do outro. Estávamos juntos, mas completamente separados.

O tempo passou e, quando o Daniel fez um ano, as coisas começaram finalmente a acalmar. Dormíamos melhor, tínhamos alguma rotina. Mas eu não conseguia recuperar a vontade de estar com o Edgar. As poucas vezes que ele se aproximava, eu afastava-me com desculpas — o cansaço, uma dor de cabeça, o sono. Às vezes fingia que dormia, e ele, magoado ou cansado, deixava-me ficar. Até que deixou de tentar.

Já lá vão três anos sem um toque, sem um beijo, sem um gesto de verdadeira intimidade.
Vivemos juntos, cuidamos do nosso filho, partilhamos as mesmas conversas práticas do dia a dia — contas, horários, compromissos — mas há um muro invisível entre nós.

Não é uma distância feita de gritos ou discussões. É um silêncio calmo, quase educado, que se foi instalando aos poucos. Fazemos o que é preciso, tratamos do Daniel, combinamos quem o vai buscar, o que falta comprar. Cumprimos o papel de uma família funcional. À primeira vista, ninguém diria que há algo de errado. Mas dentro de casa, há um vazio que ecoa em cada gesto.

De manhã, cruzamo-nos na cozinha. Ele faz o café, eu preparo o pequeno-almoço do Daniel. Trocamos poucas palavras. Às vezes, um “bom dia” dito por hábito. À noite, jantamos frente à televisão, o Daniel entre nós, e falamos sobre o trabalho, o tempo, as contas. Depois, ele adormece o menino e eu arrumo a cozinha. E quando finalmente ficamos sozinhos, o silêncio pesa. Não é desconfortável — é apenas... constante.

O que mais me assusta é que já não dói como doía. Durante muito tempo, senti raiva. Raiva por ele não tentar, por não perceber o que me faltava, por não me desejar. Depois veio a culpa — a culpa de não conseguir corresponder, de não ter vontade, de ter deixado que o cansaço me engolisse. Agora, o que resta é uma aceitação triste, quase resignada. É como se tivéssemos feito as pazes com a ausência.

Às vezes pergunto-me se é assim que o amor morre: não com um rompimento dramático, mas com uma sucessão de dias iguais, com beijos que deixamos de dar e conversas que deixamos de ter.
Sinto que vivemos em paralelo — duas linhas próximas, que nunca se tocam, mas continuam lado a lado porque há um filho no meio, uma casa, uma história partilhada.

Há momentos em que quase quebramos o silêncio. Quando o Daniel adoece e ficamos juntos a vigiar-lhe a febre; quando rimos de uma coisa qualquer que ele diz; quando, por um instante, somos apenas nós três e tudo parece simples. Nesses momentos, olho para o Edgar e vejo o homem de quem gostei, o rapaz de antes. Mas logo o momento passa — e com ele, a sensação de proximidade.

Às vezes penso em tocar-lhe — pousar a mão no ombro, encostar-me a ele no sofá. Mas algo me trava. É como se o gesto se tivesse tornado estranho, fora de lugar. Não sei se ele esperaria esse toque, ou se o evitaria também. É um medo subtil, mas constante: o medo de tentar e ser recusada, ou de perceber que já não há ali espaço para nós.

Há noites em que acordo e o oiço respirar ao meu lado. Penso em como é possível estar tão perto fisicamente e, ao mesmo tempo, sentir-me tão distante.

Lembro-me de quando bastava um toque para nos entendermos, quando o simples facto de estarmos juntos parecia suficiente. Agora, é como se partilhássemos o mesmo teto mas não a mesma vida.

Não sei quando deixámos de ser um casal. Não houve um dia específico, nem uma discussão que marcasse o fim. Foi uma soma de pequenos momentos: uma conversa adiada, uma carícia evitada, uma noite em que nos virámos para lados opostos e nunca mais voltámos ao centro.

E, no entanto, continuo aqui. Não por hábito, mas por amor — ainda que um amor diferente, gasto, transformado. Um amor que se manifesta em cuidar, em permanecer, em querer que o Daniel cresça num lar seguro. Mas às vezes pergunto-me: e eu? Onde fico eu nesta equação?

Sinto falta de ser olhada com desejo, de me sentir viva, de rir até chorar. Sinto falta de sentir. E, mesmo sem saber como, continuo a acreditar que talvez ainda haja um caminho de volta — se tivermos coragem para nos olharmos de novo, sem medo do que ficou pelo caminho.

Às vezes olho para o Edgar e vejo o pai do meu filho, o companheiro de uma vida que, de alguma forma, parou no tempo. E pergunto-me: ainda somos um casal, ou apenas dois pais que aprenderam a coexistir?

Tenho saudades de nós — não apenas do que fazíamos, mas de quem éramos. Sinto falta de rir com ele, de sentir leveza, de ter vontade de o procurar. Sinto falta de mim, também — da mulher que sabia o que queria, que se sentia desejada, viva.

Não sei como se recomeça depois de tanto tempo. Talvez o primeiro passo seja falar. Ou talvez seja reaprender a tocar — não com o corpo, mas com o olhar, com a presença, com as pequenas coisas que um dia nos uniram.

Ainda há dias em que penso que o amor ficou apenas adormecido, escondido debaixo do cansaço, à espera que alguém o acorde. E, no fundo, espero que um dia consigamos encontrá-lo outra vez.

Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.

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