Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real
Chamo-me Carolina. Tenho 35 anos e cresci em Lisboa, num mundo seguro, previsível, quase desenhado a régua e esquadro. Os meus pais sempre me ensinaram a importância de estudar, de trabalhar, de ser independente. Desde pequena dizia que queria ser professora: sonhava com uma sala de aula, livros abertos, a sensação de ensinar e aprender todos os dias. “Sempre soube que queria ensinar e aprender ao mesmo tempo”, penso às vezes. A minha vida parecia seguir esse guião tranquilo.
Mas então conheci o homem que se tornaria meu marido. É mais velho do que eu, muito bem-sucedido.
A família dele começou com um hotel que o avô abriu em Lisboa nos anos 50. Era um negócio familiar modesto, mas com visão e ambição. Com o tempo, expandiram o negócio, construíram novos hotéis e, aos poucos, transformaram-se num pequeno império hoteleiro. Anos mais tarde, venderam grande parte desse legado para investir em aplicações financeiras, mantendo o estilo de vida que o sucesso lhes permitia. Quando ele fala dessa história, vejo-lhe o orgulho, mas também uma leveza rara em quem já não precisa de provar nada a ninguém.
Conheci-o e nem sei bem porque se encantou por mim. Diz que sou bonita, que tenho um ar doce, que aprecia o meu sentido prático. Encantou-se, e isso ainda hoje me surpreende. “Ele encantou-se por mim, não pelo meu dinheiro”, penso sempre que me lembro desses primeiros encontros. Eu demorei a deslumbrar-me. Ele, cauteloso, evitou oferecer-me luxo e excessos logo de início, como se pressentisse que a minha natureza prudente poderia afastar-se de ostentações. Fui-me aproximando devagar, confiando passo a passo. Soube conquistar-me com mimos que eu nem sabia que existiam: pequenas surpresas que iluminavam o dia, jantares íntimos em cantos tranquilos da cidade, bilhetes inesperados para espetáculos, gestos simples mas profundamente atentos. “Cada detalhe mostrava-me que me via e me conhecia”, penso.
Aquilo que mais me fascinou nele não foi o dinheiro — foi o espírito de aventura. Traz no olhar a leveza de quem já desafiou a vida em múltiplas frentes. É otimista, quase imprudente, mas com a serenidade de quem sobreviveu a riscos que poucos ousariam correr. Fez vela em mares revoltos, jogou golfe como quem treina a paciência, escalou montanhas onde o ar rareava, atravessou oceanos em barcos frágeis diante da imensidão. Viveu expedições arriscadas, safaris em que o perigo parecia espreitar a cada esquina, sempre com aquele sorriso despreocupado que transforma medo em experiência. Está sempre elegante, bronzeado, com a postura de quem parece ter conquistado o mundo — e eu penso comigo mesma: “Ao lado dele, Lisboa pareceu-me pequena”.
Eu, que vinha de um mundo controlado e previsível, senti nele uma explosão de possibilidades. Admirava-o pela coragem, pela forma de viver como se cada dia fosse único, pelo riso fácil diante do imprevisto. Ao lado dele, Lisboa parecia pequena.
E casei.
Hoje tenho tudo o que posso desejar: casas, viagens, conforto absoluto. Não preciso de trabalhar, não olho para preços, não planeio orçamentos. Vivo cercada de luxo e de uma vida que desliza como se fosse um presente eterno.
O meu mundo agora é feito de conversas onde quase sempre se fala de bens materiais. As pessoas à nossa volta comparam estilos de vida como quem troca cromos raros. Fala-se de férias nas Maldivas ou no Atacama, dos colégios internacionais onde os filhos aprendem chinês antes do inglês, dos automóveis elétricos de última geração e dos carros clássicos mantidos apenas para passeios de domingo. Comentam-se casas de férias em Comporta, em Tróia, em Ibiza, em Saint-Tropez.
Discutem-se experiências extravagantes: um jantar no deserto com estrelas Michelin, uma aurora boreal vista de um iglu de vidro, um concerto privado de um artista famoso contratado só para um grupo restrito de amigos.
Eu participo nessas conversas, sorrio, rio, agradeço os convites. A minha vida tornou-se parte desse circuito de abundância, onde nada falta e tudo se renova com mais brilho do que o anterior. Às vezes ocupo-me com projetos em que ajudo outras pessoas, como iniciativas de caridade ou pequenas mentorias — e isso dá-me uma sensação de propósito e de contacto com algo real.
Mas logo sou arrastada de volta para a rotina das aparências: o cabeleireiro impecável, os sapatos sempre limpos e alinhados, o frigorífico que parece mais um expositor de loja do que um eletrodoméstico doméstico, a casa arrumada até ao último detalhe. Sinto que tudo tem de ser perfeito — as fotos para as redes, os jantares com convidados, os pequenos eventos sociais — e, no meio deste luxo, é fácil perder de vista quem sou, para me tornar apenas uma versão polida do que os outros esperam. “Às vezes sou apenas eu”, penso, quando me sento no sofá no fim do dia.
E, no silêncio da noite, quando volto a ser apenas Carolina, lembro-me da adolescente que sonhava em dar aulas, de giz na mão e olhos curiosos à frente. Nesse contraste entre o mundo que tenho e o mundo que desejei, mora a minha inquietação.
É este o meu paradoxo: amo a vida que construí com ele, admiro-o profundamente, mas não deixo de sentir que ainda me falta conquistar a minha própria independência, não no sentido financeiro — mas no sentido íntimo, de ser autora do meu caminho.
Sou feliz, mas às vezes pergunto-me: “Terei coragem de, no meio deste luxo todo, arriscar seguir o meu sonho mais simples?”
Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.
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