O meu marido não faz nada em casa e só penso ser solteira: «Sinto-me mãe dele» - V+ TVI1224

O meu marido não faz nada em casa e só penso ser solteira: «Sinto-me mãe dele»

  • Redação V+ TVI
  • 30 set, 09:29

O ciclo silencioso de cansaço e solidão

Todas as semanas, publicamos um conto ficcional sobre o amor, a partir de um caso real  

O meu nome é Marta, tenho 36 anos e vivo no Porto. Esta é a minha história, que é também a história de tantas mulheres.

Estou cansada. Cansada de um cansaço que não é apenas físico, mas emocional, profundo, silencioso. Saturada da vida que tenho. E, às vezes, quando fecho os olhos à noite, pergunto-me: como cheguei aqui? Como me vi nesta situação que eu tanto prometi a mim mesma que evitaria?

Cresci a ver a minha mãe ser uma supermulher. Trabalhava fora de casa, cuidava de mim e do meu irmão, organizava tudo como quem regia uma sinfonia afinadíssima: refeições, roupa, consultas, férias. Cada detalhe da nossa vida passava pelas mãos dela, e eu admirava aquela força silenciosa, quase heroica. 

Mas, com o tempo, percebi o preço que ela pagava. O corpo cansado cedo demais, a pele marcada pelo cansaço, os olhos fundos de quem carrega mais do que deveria. Nunca havia espaço para ela. Nunca havia tempo para ela. E, enquanto crescia, percebi outra coisa: o meu pai olhava muito para outras mulheres. Houve problemas de infidelidade. Ficaram juntos, mas eu vi as mágoas silenciosas, as noites mal dormidas, as lágrimas escondidas. A minha mãe era — é — incrível. O meu pai nem tanto.

Jurei a mim mesma que não queria repetir aquele padrão. Queria um companheiro que me olhasse, que partilhasse, que não fugisse. Queria alguém que estivesse ao meu lado, que fizesse comigo o caminho, que fosse um verdadeiro parceiro. Estudei, lutei, fiz Erasmus em Copenhaga e conheci o Jens.

Ele era a luz que eu procurava: inteligente, apaixonado, parceiro de vida. Partilhávamos tudo: a casa, as contas, as decisões, as tarefas. Tudo era a dois. Foi com ele que aprendi o que era sentir-me inteira. Com Jens, tudo tinha um ritmo próprio, equilibrado. Cozinhar, limpar, planear viagens ou simplesmente escolher o que íamos jantar: era sempre uma escolha partilhada, uma dança a dois em que cada passo importava. Sentia-me valorizada, ouvida, e percebi o que significava estar inteira num relacionamento: não precisava de justificar cada gesto, nem esconder desejos, nem acumular tarefas sozinha. Ele estava ali, presente, ativo, disponível, e essa presença fazia-me respirar com leveza.

Era com ele que eu podia rir sem medo, chorar sem vergonha, partilhar ideias sem pensar duas vezes. Sentia-me viva, completa, capaz de me perder nele sem perder a mim mesma. Cada gesto dele, desde a maneira como mexia na cozinha até ao modo como ouvia os meus desabafos, ensinava-me a confiar e a sentir que o amor podia ser equilibrado, que um relacionamento podia ser verdadeiramente a dois.

Mas a vida não segue sempre o que desejamos. Jens foi levado pelo trabalho para os Estados Unidos. E eu fiquei em Copenhaga. O amor acabou, mas não sem tristeza, nem sem saudade. Separámo-nos com pena, mas com respeito. Voltei para Portugal, levando comigo as memórias de um amor que me mostrou o que significa estar inteira.

Aos 30 anos conheci Santiago. À primeira vista, parecia o que procurava: embora calado e discreto, parecia-me determinado e ambicioso. Mudámos para uma casa confortável e eu respirei, acreditando que a estabilidade seria suficiente. Mas rapidamente percebi que estava enganada. Caímos sempre nos mesmos padrões familiares? Aos poucos percebi que, de certa forma, tinha casado com o meu pai. Porque Santiago estava sempre cansado, ausente, distante, sempre com aquele ar confortável, tranquilo, como se o mundo não pudesse perturbá-lo, e a barriga que crescia lenta e silenciosamente parecia marcar o ritmo da sua própria preguiça.

No início, ainda cozinhava; depois, aos poucos, deixou de o fazer. As tarefas domésticas, o cuidado com o nosso filho, tudo recaía sobre mim. Era como se ele permanecesse um adolescente sem responsabilidades, enquanto eu me tornava a adulta, a provedora de tudo, a organizadora de cada detalhe da vida familiar. Senti-me mãe dele, mais do que parceira.

Cada dia trazia a mesma frustração silenciosa. Eu acordava cedo, preparava o pequeno-almoço, tratava das roupas, planeava as refeições, verificava as listas escolares, agendava consultas, organizava a casa. Enquanto isso, ele permanecia no sofá, cansado demais, alheio ao turbilhão que girava à sua volta. Até respirar se tornava uma tarefa minha, porque a presença dele era ausência. Sentia-me carregando sozinha o peso de uma vida inteira, e ele parecia flutuar fora do tempo, protegido de qualquer responsabilidade. Sentia, por vezes, como se estivesse a cuidar de um adolescente que nunca cresceu.

Cada vez que eu implorava, mesmo que só por dentro, por algum gesto de partilha, ele escondia-se atrás do trabalho. Eu gritava silenciosamente: “Eu também trabalho. Eu também trago dinheiro para casa. Sem o meu contributo não conseguiríamos pagar as contas!” Mas essas palavras ecoavam apenas dentro de mim, sem alcançar a compreensão dele.

Não era apenas cansaço; era desinteresse, uma distância que corroía silenciosamente a intimidade, a cumplicidade que eu julgava existir quando me casei. Cada gesto meu, cada cuidado que oferecia, parecia esperar um eco que nunca chegava. E quando pedia ajuda, a resposta era um gesto cansado, um “depois” vazio, uma desculpa qualquer que nunca preenchia o espaço que eu precisava. Eu tinha um filho, uma casa, um trabalho, uma vida inteira nas mãos, e ele não participava. Não dividia, não tomava iniciativa, não se entregava.

Cada noite, quando a casa se aquietava e o nosso filho dormia, sentia o peso de cada dia acumulado. Olhava para ele, para Santiago, e via a distância, o afastamento, a falta de presença. E naquele momento, entendia que não era apenas cansaço físico; era uma ausência emocional que me corroía por dentro. Era um silêncio que gritava mais alto que qualquer palavra, uma falta que me deixava esgotada, invisível, sozinha.

Santiago falava às vezes em ter mais filhos, e eu só conseguia pensar: nem pensar. Já me sentia sobrecarregada com tudo o que já carregava, com a responsabilidade de criar o nosso filho sozinha no dia a dia, de manter a casa, de gerir cada detalhe da vida familiar. A ideia de aumentar o peso, de duplicar o esforço, parecia-me insuportável. Cada vez mais, a vontade de ser só, de respirar e existir por mim própria, tornava-se urgente, quase desesperada.

Hoje, olho para a minha vida e vejo a ironia: jurei que não repetiria o padrão da minha mãe, mas repeti. Trabalho fora, crio o meu filho, organizo a casa. O meu marido não faz nada em casa. Não quero esta vida.

Sonho ser solteira. Sonho ser livre. Sonho poder existir sem carregar o mundo inteiro às minhas costas, sem sentir que o amor é um peso, sem sentir que estou sozinha dentro de um relacionamento.

E, no fundo, tenho ainda uma saudade escondida, que nunca disse a ninguém: a saudade do Jens. Do riso fácil, do companheirismo, da partilha. Da sensação de que alguém caminhava comigo, de que eu não estava sozinha. Ele foi a prova de que o amor podia ser leve, verdadeiro, inteiro. E é talvez essa memória, essa comparação silenciosa, que mais me dói. Porque sei que já vivi o que procuro, e que o que tenho agora não chega.

Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.

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