Do glamour à decadência: as termas radioativas que continuam a intrigar Portugal - V+ TVI1224
Foto: Redação V+

Do glamour à decadência: as termas radioativas que continuam a intrigar Portugal

  • Carina Oliveira
  • 8 out, 15:09

O Hotel da Serra da Pena, que chegou a ter capacidade para 150 hóspedes, incluía banhos termais, aplicações de lamas, lavagens do cólon e até tratamentos com compressas elétricas. Os clientes eram ainda aconselhados a beber um litro por dia de água radioativa

Na estrada que liga o Terreiro das Bruxas a Caria, perto de Casteleiro, em direção a Sortelha, ergue-se entre os rochedos graníticos da Serra da Pena uma estrutura monumental que, à distância, se confunde facilmente com um castelo. Trata-se, na verdade, das Termas Rádium, também conhecidas como Hotel da Serra da Pena, um dos lugares abandonados mais fascinantes e misteriosos de Portugal.

O complexo, construído em granito, com janelas de arco e colunas ornamentadas, continua a impressionar quem o visita. À beira da estrada, um penedo com uma seta indica o caminho que conduz às ruínas, parcialmente escondidas entre a vegetação. “Algumas pessoas passam na estrada, veem o edifício e vão logo visitá-lo. Outras visitam Sortelha e depois vão lá abaixo”, contou Sandra Candeias Paulo, proprietária de um café nas redondezas, em declarações à imprensa. A comerciante lembra que “ainda há algum idoso que se recorda daquilo, mas as pessoas já não falam muito”, explicando que o local “chegou a funcionar, depois fecharam porque disseram que fazia mal à saúde. Agora já disseram que não e por isso tentaram reabrir”.

Hoje, o espaço é procurado tanto por locais como por curiosos e fotógrafos, fascinados pela imponência das ruínas e pelo seu cenário quase cinematográfico — um cenário que até já serviu de pano de fundo para fotografias de casamento.

Da cura milagrosa ao abandono

A história das Termas Rádium é um retrato do progresso científico e das suas contradições. Quando Marie e Pierre Curie descobriram o rádio, em 1898, este elemento químico rapidamente se tornou uma sensação no campo da medicina. Acreditava-se que o seu uso tinha propriedades terapêuticas e que as águas com rádio podiam curar doenças de pele, problemas ósseos, circulatórios e renais.

Na região da Serra da Pena, as análises às nascentes revelaram a presença de urânio dissolvido — águas consideradas entre as mais radioativas do mundo. O facto foi até apresentado num congresso internacional em Lyon, em 1927.

A origem das termas deve-se, segundo a lenda, a um conde espanhol, conhecido como conde Rodrigo, que caçou na zona entre 1910 e 1920. Diz-se que levou algumas garrafas de água da serra para tratar uma doença de pele da filha, com resultados milagrosos. Convencido do poder curativo daquelas águas, mandou construir um hotel termal de luxo.

O Hotel da Serra da Pena, hoje em ruínas, chegou a ter 90 quartos e capacidade para 150 hóspedes. As instalações incluíam banhos termais, aplicações de lamas, lavagens do cólon e até tratamentos com compressas elétricas — práticas comuns na época. Os clientes eram ainda aconselhados a beber um litro por dia de água radioativa.

A fama das “Águas Rádium – dá saúde, vigor e força” rapidamente se espalhou. A empresa inglesa que explorava o local exportava garrafas para o estrangeiro, nomeadamente para Londres. Mas o sucesso foi de curta duração. Com o avanço da ciência e a descoberta dos perigos da radioatividade, as termas entraram em declínio. O complexo foi encerrado em 1945, e o hotel passou por mãos espanholas, inglesas e francesas antes de ser definitivamente abandonado.

Um castelo em ruínas, mas não esquecido

Os planos de reabilitação nunca chegaram a concretizar-se. “Nunca chegou a abrir. Quiseram restaurar para abrir um hotel. Entretanto chegaram a fechar o acesso, era interdito. Agora pode-se ir lá”, recorda Sandra Candeias Paulo. O edifício foi leiloado, e o atual proprietário, português, chegou a demonstrar intenção de o recuperar — mas a dimensão do projeto mantém-no parado.

Apesar de 70 anos de abandono, as Termas Rádium conservam uma imponência notável. As paredes de grandes blocos de granito continuam de pé, e as colunas com pináculos e frisos evocam ameias medievais. Em algumas torres subsistem janelas duplas com arcos de volta inteira, noutros pontos ogivais, e ainda há vidros remanescentes nalgumas estruturas. Entre as ruínas, é possível ver fragmentos de mosaicos geométricos no chão e restos de portas e caixilhos de madeira corroídos pelo tempo.

O local, rodeado por penedos e pinheiros, transmite uma paz silenciosa, embora haja quem sinta um certo peso histórico — como se a beleza do lugar carregasse a memória de uma promessa falhada. Com os incêndios do último verão, toda a vegetação em redor foi consumida pelo fogo, mas as paredes graníticas resistiram, firmes como testemunhas de um passado glorioso e controverso.

Hoje, o complexo das Termas Rádium permanece como símbolo da efemeridade da ciência, da ambição humana e da passagem inexorável do tempo. O que um dia foi visto como fonte de vida e cura tornou-se ruína e advertência. Resta a esperança de que, um dia, o Hotel da Serra da Pena volte a ganhar vida — e que a história das termas não seja esquecida.

Veja fotos recentes desta construção que continua a intrigar todos aqueles que por lá passam, na galeria em cima.

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