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«Lincoln»: o que Obama ainda não conseguiu ser (opinião)

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O extraordinário filme de Spielberg explica-nos que só um Presidente capaz de entrar no lado mais lunar do sistema consegue mudá-lo

«Barack Obama é o produto mais feliz do legado deixado por Martin Luther King na sua luta pela igualdade. Mas Obama é também fruto de uma emancipação racial que Lincoln não teve tempo de ver aplicada, embora tenha lutado por ela. Até Obama chegar, nunca houve, na presidência, um líder que fosse uma espécie de sucessor ideológico de Lincoln no seu olhar para os negros. Imagino como esta nação teria sido diferente, talvez melhor, se ele tivesse vivido 20 anos mais.», Steven Spielberg, realizador de «Lincoln», entrevista à «Globo»

«Fui entender o que Daniel Day-Lewis descobriu de Abraham Lincoln estudando cartas dele e artigos de académicos. É um filme cuja força vem da palavra e de interpretações como as de Daniel.», Steven Spielberg sobre Daniel Day-Lewis

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«Acho que há lições a tirar. Parte do que «Lincoln» nos ensina é que perseguir os mais altos ideais e uma profunda causa moral implica um envolvimento pessoal e obriga-nos a sujar as mãos. E há negociações, trocas, compromissos. E o que fez dele uma figura tão notável, bem como um notável presidente, foi a sua capacidade de equilibrar a ideia de que há algumas verdades eternas com a realidade do «aqui e agora», sendo que o «aqui e agora» é sempre confuso e difícil. E qualquer coisa que façamos será, de algum modo, imperfeito. E então, o que tentamos fazer é apenas apontar a direção correta»., Barack Obama sobre o filme

Um dos primeiros cartões de vista de Barack Obama, quando se lançou na alta política americana, foi apontar Abraham Lincoln como a sua principal referência na história dos EUA. Quem acompanhar minimamente o percurso do 44.º Presidente dos Estados Unidos e vir o filme «Lincoln», rapidamente percebe porquê.

Se há antecessor que possa ter inspirado a forma como Barack Obama tem interpretado a função na Casa Branca, esse antecessor é «honest Abe», o 16.º Presidente da história americana.

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Os contextos históricos, convenhamos, são muito distintos. Mas será que Obama está a conseguir chegar perto da capacidade que Lincoln demonstrou de desafiar o destino e levar à letra a noção de que na América, verdadeiramente, tudo pode ser possível?

Em recente entrevista concedida ao tvi24.pt, Bill Schneider, profundo conhecedor da história política americana, deu a sua visão e abriu-me o apetite para o visionamento da obra de Spielberg: «O maior problema de Obama será a sua componente legislativa. Ele não é um «wheeler-dealer». Vejam o filme Lincoln e percebem o que quero dizer».

Na melhor tradição da linguagem «terra-a-terra» da política americana, um «wheeler-dealer» é o que se costuma dizer na gíria, em português, um «chico-esperto».

O que é que Schneider quereria dizer com isto?

No extraordinário filme de Steven Spielberg, o ainda mais extraordinário Daniel Day-Lewis corporiza um Lincoln determinado, idealista e focado em dois objetivos gigantescos: terminar a guerra civil e fazer aprovar no Congresso a 13.ª emenda da Constituição, de modo a abolir a escravatura.

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Tudo isso entra na narrativa dominante daquele período histórico.

Mas o que este filme mostra, com mestria, é que para que esse incrível avanço civilizacional tenha sido possível em ambiente político tão adverso, Lincoln, para lá do idealismo e da visão, teve que ser, ao seu modo, um «chico-esperto».

Teve que usar das mais hábeis artimanhas negociais. Teve que aceitar, com resignação e até boa disposição, que o equilíbrio de poderes na América está cirurgicamente desenhado para que nenhum dos pilares (Presidente, Congresso, Supremo Tribunal) tenha supremacia sobre qualquer outro.

Sabemos que esse tem sido, em grande parte, o constante desafio de Barack Obama? O que este filme nos mostra é que o agora reeleito Presidente dos EUA tem ainda muito a aprender com a sua principal referência.

*Jornalista e autor do blogue Casa Branca. Em 2010 publicou o livro «Histórias da Casa Branca», título que dá nome à rubrica que assina no tvi24.pt

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