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Final da UEFA: dois escoceses, zero bilhetes, uma mesa e muitas cervejas

Já se bebe em Sevilha... Reportagem de Nuno Madureira, enviado-especial em Sevilha.

Michael tem 45 anos, é de Glasgow, e tem ocupação incerta. Viajou para Málaga na terça-feira, mas demorou três dias a chegar a Sevilha, porque foi parando pelo caminho. O seu grande objectivo é apenas um. Ou melhor, são dois, mas o de esvaziar pints de cerveja em ritmo alucinante não conta, porque é crónico. O outro, o que nos leva a esta história, é bem mais complicado: arranjar um bilhete para a final.

Adepto do Celtic, como o mais distraído poderia perceber pelo equipamento, pela tatuagem ou, quanto mais não fosse, pelas pinturas faciais verdes e brancas que exibe, Michael decidiu vir cedo, para ter tempo de negociar o bilhete com alguma alma caridosa ou, mais provavelmente, com um revendedor oportunista e especulador. Ainda não perdeu a esperança, mas os últimos dias foram desencorajadores. Os poucos que aparecem no mercado negro estão, nesta altura, avaliados em cerca de mil euros. «Tinha prometido a mim mesmo não gastar mais de 500», lamenta, em pleno dilema moral.

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A seu lado, James Tolmie, também 45 anos, concorda e liberta um pouco da agressividade: «A culpa é dos gajos do Liverpool. Compararam os bilhetes todos na Internet quando ainda estavam nos quartos-de-final, e agora querem vingar-se da eliminação. Mas gostava de encontrar um a propor-me mil euros pelo bilhete. Dizia que sim, partia-lhe o pescoço, ficava com o bilhete e via o jogo de borla. Não gosto de ingleses», acentua, mais por efeito de estilo do que por necessidade.

Do Brunei para Sevilha

No O¿Neills, um dos seis ou sete pubs irlandeses/escoceses de Sevilha, é um fim de tarde como outro qualquer, nesta semana louca de final da UEFA. Michael e James montaram aí o quartel-general, e embora apenas ontem se tenham conhecido parecem irmãos de sangue. Exibem, orgulhosos, a fotografia de um jornal local que os mostra em pleno trabalho (isto é, bebendo uma pint) com máscaras de borracha do Bucha e Estica. Talvez a fama possa ajudá-los a arranjar bilhetes, dizem, enquanto vão desfiando o entardecer de sábado com conversa para jornalista ouvir.

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James é um viajante profissional. Trabalha em campos de petróleo off-shore há já 27 anos, com passagens pela Austrália e Malásia por entre ocasionais regressos a casa. A final apanhou-o a trabalhar no Brunei, mas conseguiu organizar-se e acabar o destacamento a tempo de seguir para Sevilha. «O mais difícil foi convencer a minha mulher», conta. «Mas uma noite escrevi-lhe uma carta a explicar o quão importante isto era para mim, que estava há 33 anos à espera de ver o Celtic numa final europeia. Prometi que havia de compensá-la de alguma maneira. Ao fim de alguns dias de discussão acordou-me às quatro da manhã a dizer que eu podia ir. Chorei como uma criança. É a melhor esposa do Mundo! E agora vai sozinha de férias para a Índia, e eu vou ficar uns tempos com as crianças, claro». E mostra a carta que escreveu à mulher para firmar a exactidão da história.

Michael e James não são ricos, longe disso, mas também não se preocupam com luxos como alojamento e comida. Vão dormindo onde calha, nos parques de Sevilha nas casinhotas das obras, onde na última manhã foram surpreendidos por um mestre-de-obras atónito. «Ficou a olhar para nós e a coçar a cabeça», lembra Michael, que chegou ao O¿Neills ao meio-dia e não pensa sair antes das quatro da manhã, até porque a facilidade com que ele e James contam histórias permite que apareça sempre gente a oferecer-lhes rodadas.

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«E que tal duas pás?»

«Ao todo estou a pensar gastar aí umas mil libras esta semana», admite James, que não precisa de muito para se sentir feliz. «Só de um bilhete», lembra, antes de propor uma insólita parceria comercial ao Maisfutebol: «Lembras-te daquele tipo que entrou na final da Liga dos Campeões para posar com a equipa do Manchester? Podias dizer aos teus patrões que se nos arranjassem dois bilhetes nós fazíamos o mesmo, e vocês tinham a história em exclusivo. O Michael até é parecido com o Neil Lennon. E corre mais do que ele», reforça, cada vez mais entusiasmado com o seu plano mirabolante.

Embora a ideia seja atraente não é fácil como ajudá-los. James não desarma co as explicações e exibe os seus recursos criativos: «Também podias negociar com os teus patrões duas pás. Era bonito nós cavarmos um túnel e aparecermos no meio do relvado na altura do pontapé de saída, não era? Era uma boa história para vocês¿».

O número de pints acumuladas na mesa faz prever que venham novas ideias a todo o instante. A pergunta torna-se inevitável: o que é que acontece se chegarem a quarta-feira e perceberem que não vão mesmo ter bilhete, como milhares de outros adeptos? James e Michael trocam um olhar e respondem, em cânone: «Nada de mais¿» «¿eu enforco-me primeiro e ele depois». Mas retomam o fio à meada, e James conclui: «Se o jogo fosse no estádio do Sevilha, tinha um plano perfeito. Arranjava bilhetes para o jogo de campeonato deste domingo, escondia-me no final, e ficava lá a dormir até quarta-feira. Se viesse alguém entretanto, escondia-me na cobertura, a fazer de pássaro. Eu imito muito bem os pombos, sabes?». Entram em cena mais duas pints, sai de cena o jornalista.

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