Depois do referendo, inconstitucional para Madrid, da repressão, das manifestações a favor e contra, e da proclamação, logo suspensa, da independência, a Catalunha vê-se agora a braços com uma ameaça numérica. Primeiro, o artigo 155.º da Constituição espanhola. E até, no extremo, o 116.º.
Indo por partes, o governo espanhol do conservador Mariano Rajoy perguntou expressamente à Generalitat para que explique se, de facto, declarou a independência da Catalunha. A formalidade é entendida como o primeiro passo para ativar o que prevê o artigo 155.º da Constituição, algo nunca feito nos últimos 40 anos, mesmo quando o nacionalismo basco era uma constante dor de cabeça para Madrid.
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O 155.º passo a passoSe uma Comunidade Autónoma não cumpre as obrigações impostas pela Constituição ou outras Leis, ou age de forma a prejudicar gravemente o interesse geral da Espanha, o governo, mediante pedido ao Presidente da Comunidade Autónoma e, no caso de não ser atendido, com a aprovação de uma maioria absoluta do Senado, pode tomar as medidas necessárias para forçar o último a cumprir essas obrigações ou a proteger o referido interesse geral", refere o primeiro ponto do famigerado artigo, cujo alcance é vasto, mesmo que haja divergências sobre os seus limites.
Dado o caráter geral do articulado da Constituição, há dúvidas até onde pode ir o artigo 155.º, previsto para situações "extremas", no que respeita "às medidas necessárias" para "obrigar" uma comunidade autonómica - a Catalunha, neste caso - ao "cumprimento forçoso" das suas "obrigações" constitucionais.
Aparentemente, a suspensão ou dissolução dos órgãos da comunidade autonómica não são possíveis, segundo a opinião do constitucionalista Mariano Bacigalupo, citado pelo jornal El Mundo, que refere ser essa a diferença face ao artigo 37.º de "coerção federal" da Lei Fundamental alemã, que serviu de inspiração.
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Outras leituras admitem, contudo, que até a suspensão do Parlamento catalão é uma possibilidade, já que caberá ao governo central, como reza o segundo ponto do famigerado artigo, "o Governo pode emitir instruções a todas as autoridades das Comunidades Autónomas".
Só mesmo a autonomia, ao que tudo indica, não poderá ser suprimida ou suspensa. Mas o governo espanhol pode passar a controlar as finanças catalãs, mandar e controlar departamentos, destituir dirigentes da administração autonómica e, como também assinala o jornal La Vanguardia, por tempo praticamente ilimitado, já que a Constituição refere apenas que se deve aplicar até que se reverta a situação de "normalidade constitucional".
Previsto está que o governo central refira em concreto que poderes pretende assumir, ao aplicar o artigo 155.º, num processo com várias etapas. A saber:
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O primeiro passo foi agora dado por Mariano Rajoy, sendo de prever que poderá não ter a resposta esperada pro Madrid, da parte do presidente catalão Carles Puigdemont. Que, no extremo, poderá levantar a suspensão da independência declarada e provocar uma intervenção aidna mais musculada.
A força que está no artigo 116.ºMuitos dos que se têm manifestado, nos últimos dias, nas ruas de Madrid e Barcelona, clamando contra a independência e pela união de Espanha têm defendido a aplicação do artigo 155.º da Constituição. Mas, de forma ainda mais extrema, há quem comece a admitir a utilização também do 116.º.
Neste artigo, preveem-se as medidas para os estados de alarme, de exceção e de sítio, que podem passar pela suspensão temporária de direitos fundamentais e, no extremo, pela intervenção do exército.
Do menos ao mais grave, os três estados devem ser declarados em "circunstâncias excecionais" que tornem impossível "a manutenção da normalidade através dos poderes ordinários". O que poderá suceder, caso a Catalunha rejeite acatar os ditames que venham a ser propostos pelo governo espanhol ao abrigo do artigo 155.º da Constituição.
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