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"Se vierem apresentar as coisas como um facto consumado, começamos mal". Professores sentam-se à mesa com o Governo com (muito mais do que) seis anos, seis meses e 23 dias a separá-los

Quem está nas escolas todos os dias diz que a pacificação do clima que se vive no setor da Educação passa muito pela recuperação do tempo de serviço, mas que há muitos problemas que é preciso resolver e, sobretudo, não trazer "mais gasolina para a fogueira"

O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) começa esta quinta-feira a receber os sindicatos de professores, para negociações que o próprio primeiro-ministro já tinha prometido para breve, aquando da discussão do programa do Governo no Parlamento. O ministro Fernando Alexandre, o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, o secretário de Estado da Administração e Inovação Educativa, Pedro Dantas da Cunha, e a secretária de Estado da Administração Pública, Marisa Garrido, vão receber os sindicatos por ordem alfabética, com intervalos de meia hora. Esta quinta-feira, serão assim recebidos a partir das 10:30 e por esta ordem a ASPL, a FENEI, A FEPECI, a Pró-ORDEM, o SEPLEU, o SIPE, o SIPPEB, o SNPL, o SPLIU e o STOP. Na sexta-feira, a mesma equipa governativa recebe as federações de sindicatos de Educação, a Fenprof e a FNE.

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Uma divisão que o movimento cívico de docentes Missão Escola Pública, que não vai estar nas negociações por não ser um sindicato, teme que faça arrastar as negociações. “Apelamos à união dos sindicatos e consideramos que teríamos negociações mais rápidas, produtivas e transparentes se estas ocorressem em mesa única com todos os sindicatos”, diz à CNN Portugal Cristina Mota, porta-voz do movimento.

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O tema mais mediático que vai estar em cima da mesa é a recuperação do tempo de serviço, os seis anos, seis meses e 23 dias que continuam a dividir sindicatos e Governo. À semelhança da generalidade dos partidos com assento parlamentar, também a Aliança Democrática incluiu a questão do tempo de serviço congelado no programa eleitoral, com a proposta que transpôs para o programa do Governo, de o devolver em cinco anos, à razão de 20% ao ano. Um prazo que os professores consideram demasiado extenso. Dizem que já esperaram demais e temem que o Governo chegue ao fim antes de cumprir o prometido.

“Como o Governo está de certa forma a prazo, falar-se de negociações ao longo da legislatura é muito ambicioso”, considera Paulo Guinote, professor e autor do blogue sobre Educação “O Meu Quintal”.

Os professores querem a questão resolvida em menos tempo. “A recuperação do tempo de serviço tem de ser feita com a maior urgência possível. Dois ou três anos no máximo. Os dois anos seriam o ideal para pacificar as escolas, mas admito que se possa estender até aos três”, diz Ricardo Silva, professor e presidente da Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino (APEDE).

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O Missão Escola Pública até admite a extensão do prazo aos quatro anos, mas com percentagens muito diferentes das que o Governo preconiza no seu programa. “Consideramos que seria justo fazer uma recuperação a 35%, 30%, 20% e 15%, em quatro anos respetivamente. A AD tinha apresentado os 20% ao longo de cinco anos, quando ainda não tínhamos os dados que temos agora. Desde então, o número de professores que se reformaram tornou o custo do processo muito inferior àquele do momento em que Montenegro apresentou a proposta de 20%. E a generalidade dos restantes partidos também apresentaram, nos seus programas eleitorais, propostas a quatro anos”, argumenta Cristina Mota.

"Muito mais do que tempo de serviço congelado"

A recuperação do tempo de serviço será o grande elefante na sala, mas está longe de ser tema único. E, apesar das reuniões curtas previstas para esta quinta e sexta-feira, que “se prevê que sirvam para pouco mais do que apresentação das respetivas equipas”, os sindicatos prometem aproveitar para levar ao ministro outros temas que têm aquecido o clima nas escolas.

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“Estamos a atualizar o documento com as nossas principais reivindicações. A maioria não são novas, mas são 14 ou 15 pontos de problemas a resolver. Na sua maioria vêm todos do passado. Alguns já andamos a apresentar aos anteriores governos, desde 2015. Os problemas não foram resolvidos e, como tal, têm de ser de novo apresentados para negociações”, sublinha Fátima Ferreira, presidente da Associação de Professores Licenciados (ASPL), a primeira estrutura sindical a ser recebido na Infante Santo.

Entre os temas que a ASPL vai levar ao Ministério estão a avaliação e a progressão na carreira e o fim das quotas e das vagas, os horários de trabalho, a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações, a mobilidade por doença e as ajudas de custo para alojamento e deslocação a professores colocados fora da sua área de residência.

Algumas das reivindicações são comuns ao SIPE (Sindicato Independente dos Professores e Educadores), que também promete levar ao Governo um caderno reivindicativo com medidas que “já não são novas”. “Vamos apresentar um documento baseado no lema ‘Escola Pública de Qualidade e Qualidade na Escola Pública'. São 20 reivindicações que gostávamos de ver debatidas em sede de negociação. Mas esperamos, acima de tudo, que o processo de negociação seja célere, até porque temos noção da instabilidade do Governo. Estamos disponíveis para as reuniões que forem necessárias”, indica Júlia Azevedo, dirigente do SIPE, em declarações à CNN Portugal.

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“Continua tudo em campanha. Nós é que não nos apercebemos, mas os partidos continuam em campanha, o que mostra a instabilidade deste Governo”, teme a dirigente sindical.

Sem grande esperança em avanços

A federações sindicais, Fenprof e FNE, que vão ser recebidas só na sexta-feira à tarde, também prometem levar outros temas para a ordem de trabalhos, embora não tenham grande esperança na progressão das negociações nesta primeira fase.

“Atendendo à forma como recebemos a convocatória, não espero grande coisa da reunião de sexta-feira. Uma hora de intervalo entre cada estrutura sindical, com entradas e saídas, não me parece que dê tempo para qualquer avanço na negociação”, considera Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE.

“Vamos apresentar um roteiro para a legislatura, com os aspetos de maior urgência na negociação. Os 6 anos, 6 meses e 23 dias é o tema mais mediático, mas não nos podemos cingir a ele como sendo o único problema. Infelizmente há mais”, sublinha o dirigente sindical, que elege a indisciplina e a violência nas escolas, a avaliação de desempenho docente e a formação de pessoal não docente como exemplos de problemas “que é urgente resolver”.

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Também Mário Nogueira, da Fenprof, não espera ir “muito além das apresentações” nesta primeira ronda negocial. Ainda assim, o histórico dirigente considera que “há muitos aspetos técnicos” na questão dos 6/6/23 que podem trazer alguma complexidade ao processo negocial. Acima de tudo, Mário Nogueira espera encontrar abertura por parte da nova equipa ministerial. “Se vierem apresentar as coisas como um facto consumado e insistirem na reposição do tempo de serviço num prazo que vai para além da legislatura, começamos mal”, garante Mário Nogueira.

A Fenprof entregou, esta terça-feira, no Parlamento quatro petições sobre quatro temas que consideram de resolução urgente - carreira, condições de trabalho, combate à precariedade e aposentação -, com assinaturas recolhidas durante o período de pré-campanha e campanha eleitoral.

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"Sabemos muito bem o que não queremos"

Ricardo Silva prevê que as reuniões sejam de “desanuviamento”, com um ministro a querer romper com o clima que existia entre Governo e sindicatos. “Aposto que o ministro vai ter uma onda dialogante e cordial. Será uma reunião de desanuviamento. Por si só, não é má ideia, mas se vier vazia de propostas, já não será bom”, considera, acrescentando que isso pode até adensar o “clima de insatisfação que irá explodir nas ruas já no dia 25 de Abril”.

“Nas escolas sabemos muito bem o que queremos, mas sabemos sobretudo o que não queremos. E não queremos o reforço do poder dos diretores na contratação de professores, como parece estar previsto no programa do Governo. Já sabemos como funcionou no ano passado com a bolsa de contratação de escola e não foi bom. Será uma declaração de guerra se isso for colocado em cima da mesa. Também não queremos a gestão dos professores pelos municípios ou que se volte a dividir a carreira docente, com os diretores a terem uma carreira própria, com escalões remuneratórios e progressão na carreira próprios”, aponta Ricardo Silva.

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Cristina Mota afina pelo mesmo diapasão e sublinha que o movimento teme que a criação de uma carreira para diretores e a devolução de poderes às autarquias se concretizem. A porta-voz do Missão Escola Pública acrescenta à lista de “problemas que temos de resolver já”, o anunciado plano de emergência para a falta de professores, “para garantir que o próximo ano letivo não começa como começou este com 120 mil alunos sem professores”. Espera que o ministro anuncie “rapidamente” medidas “que cativem os 28 mil que deixaram a profissão” e cativem os que estão prontos para entrar e não o fazem.

Negociações "céleres"

Cristina Mota espera, acima de tudo, que as negociações sejam “céleres”, com reuniões “que não tenham lugar só de 15 em 15 dias, como acontecia com o anterior Governo”.

Uma opinião secundada por Paulo Guinote, que acrescenta sobre a recuperação de tempo de serviço: “Presume-se que, ao fim deste tempo todo, os sindicatos saibam do que vão falar. É uma questão muito debatida e a única questão que estava em aberto é o valor, que ninguém avança de forma muito clara. Basicamente é distribuir o tempo que falta pelo número de anos. Diria que até final de maio, este assunto deveria estar resolvido.” O contexto político europeu pode ser benéfico para os professores, considera, justificando que “o Governo deverá querer apresentar serviço até às eleições europeias”.

“Neste momento estamos cansados. Queremos é ver o problema resolvido e não sei se, nas escolas,  encararemos muito bem que as negociações se prolonguem no tempo”, remata Paulo Guinote.

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