Já fez LIKE no TVI Notícias?

Greve geral ou o dia em que Lisboa parecia «uma sexta-feira de Obama e tolerância de ponto»

Relacionados

Reportagem na Baixa da capital resume algumas impressões das pessoas que por lá passaram neste dia de greve geral

«O nosso futuro não tem futuro». A frase resume o desânimo de um rapaz de 26 anos, Bruno Silva, que às 10 da manhã enche copos de ginginha na centenária adega, esquina com o Rossio, em Lisboa. É dia de greve geral, mas isso não é para ele. «Não vale a pena, não é isso que vai resolver a situação do país», garante, dono de uma convicção inabalável. «Hoje em dia, há dinheiro para comer ou para pagar contas. É difícil esticar para as duas coisas». Ao balcão, dois reformados acenam com a cabeça, concordando com a descrição.

Na rua, a esta hora da manhã, não se sente o pulso à greve - especialmente, junto de quem veio trabalhar. O comércio está praticamente todo aberto na Baixa lisboeta, mas há pouca gente na rua. Ecoam os tambores de uma dezena de jovens do Bloco de Esquerda, que fazem esvoaçar os pombos. Pouco mais.

PUB

Na praça, há trabalhadores em manobras de agilidade para montar luzes de Natal; há uma carrinha da CGTP a debitar palavras de ordem e músicas de intervenção pelos altifalantes sem ninguém para fazer coro; por aqui e por ali aparecem alguns estrangeiros e também gente à procura do dinheiro fácil. Em meia hora, uma mão esticada à nossa frente ofereceu-nos uma dose de haxixe e, mais à frente, um fio de ouro cintilante abriu-se noutra mão e logo se fechou com a rapidez de uma proposta indecente mal recebida.

Do outro lado da praça, os engraxadores alinham-se sem escova nas mãos. Se não fosse dia de greve, o senhor José talvez não estivesse tão chateado. Há 32 anos («Mais coisa, menos coisa») que engraxa sapatos no Rossio e hoje - ou seja, em pouco mais de duas horas - ainda só lhe calhou um cliente. «Greve? Eu tenho de comer todos os dias e se fizesse greve, não comia».

Esta paralisação que encerrou o metro de Lisboa e reduziu em muito os autocarros na cidade, fazendo com que para muitos a chegada ao emprego fosse mais dura do que habitual, fez da Baixa «uma sexta-feira de Obama e tolerância de ponto em Lisboa», conforme nos resume um taxista à procura de um dia para comparar a este.

PUB

Depois de uma passagem pela concentração de cerca de meia centena de professores precários junto ao Ministério da Educação, regressamos ao Rossio a meio da tarde. Ao longe, já se avistam bandeiras. Encontramos agora algumas centenas de manifestantes. São jovens solidários e desempregados, artistas em precariedade e professores contratados que se manifestam em marcha pelo meio da rua, impedindo que o trânsito passe normalmente. Tocam bombos e nos cartazes há frases de apelo à greve e ao anti-capitalismo. Visto de fora, as manifestações não deixam também de ter um certo ar de parada alegórica.

Rogério Maia e Manuel Tavares estão mais à margem da multidão e têm credenciais suficientes para estar de altifalante na mão. O primeiro é professor de Geografia contratado há dois anos e precário há dez; o segundo é um economista desempregado que não encontra perspectivas de futuro, apesar de as procurar.

«Há aqui pessoas que nada têm a ver com partidos e sindicatos. Acho que cada vez mais conseguimos ver a sociedade civil unida sem sindicatos ou partidos. Estou aqui porque sou contratado, precário... e fiz greve», sublinha o professor. Mas como se resolve a situação? O jovem economista a seu lado tem a fórmula mágica estudada: «A situação financeira mudava se Portugal saísse do euro. É isso que se aprende na universidade», diz, sublinhando ainda: «O que falta neste país é capital crítico!».

Neste dia de greve geral, se houve muitos que se deslocaram ao Rossio para mostrar esse espírito crítico, outros foram também pela música, pois o dia acabou com um concerto que juntou em palco artistas como Jorge Palma, Camané, Peste & Sida, Janita Salomé e José Mário Branco. Foi o «Espectáculo da Greve» - o nome do concerto.

Ao longo do dia, a jornalista foi relatando no Twitter a greve geral na Baixa de Lisboa.

PUB

Relacionados

Últimas