Marcelo preparado para vetar lei de arrendamento coercivo - TVI

Marcelo preparado para vetar lei de arrendamento coercivo

Presidente da República está preparado para vetar o arrendamento coercivo se o Governo mantiver a proposta para a habitação como está. Chumbo direto, sem envio para o Tribunal Constitucional. Tudo depende do conteúdo e até da forma legal, mas fontes de Belém avançam que Marcelo Rebelo de Sousa já admite o veto político.

Ao contrário do que sugeriu António Costa esta semana no Parlamento, o poder de Marcelo Rebelo de Sousa não se limita ao “fala-se, fala-se, fala-se”. O Presidente da República também faz. E desfaz.

O Presidente da República está preparado para vetar politicamente o arrendamento coercivo, caso o governo não o repense no âmbito do pacote de propostas para a Habitação, que Marcelo começou por chamar de “melão” e esta semana disse ser “inoperacional”.

Marcelo Rebelo já havia levantado a hipótese de requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de algumas das medidas de resposta à crise habitacional mas, segundo fontes próximas de Belém, o arrendamento coercivo merecerá veto político do Presidente, que nesse caso o devolverá à Assembleia da República, à semelhança do que já antes fez com a lei da eutanásia (em 2021) e com a lei do sigilo bancário (em 2016, no seu primeiro ano de mandato).

Marcelo já apontou várias vezes à “inoperacionalidade” e à “falta de eficácia” da medida, cujo período de consulta pública termina esta sexta-feira, em especial devido à falta de adesão de autarquias como Lisboa e Porto, mas colocou sempre a sua avaliação no plano político e não legal.

Um travão direto à lei do arrendamento coercivo seria a forma mais abrupta que Marcelo tem ao seu dispor: o veto, enviando a lei não para o Constitucional mas de volta ao Parlamento. No fundo, chumbando-a politicamente.

Tudo depende do conteúdo que o governo fizer prevalecer, mas também da forma que a Assembleia da República adaptar: a reforma da habitação poderá ser constituída por um conjunto de leis isoladas (que podem ser separadamente vetadas) ou haver uma autorização legislativa em pacote com várias matérias (o que condicionaria a ação do Presidente, mas não do Tribunal Constitucional).

Armas legais para ataques políticos

Esta quarta-feira, António Costa invocou uma lei de 2014 – assinada por Passos Coelho e promulgada por Cavaco Silva – para responder a críticas políticas mas também para pontuar na controvérsia legal.

“Há muitos anos que o regime geral de urbanização e edificação prevê a posse administrativa para efeitos de reabilitação e até o arrendamento forçado”, começou por dizer o primeiro-ministro. E depois citou a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e Urbanismo, de 2014 - “que eu saiba, nunca ninguém suscitou a fiscalização da sua constitucionalidade” – que prevê o arrendamento forçado para edifícios e frações autónomas alvo de reabilitação.

“Ou seja, a previsão de haver arrendamentos forçados não é, propriamente, uma novidade; é algo que já existe”, afirmou Costa.

O argumento de que nada é novo, e que antes ninguém pôs em causa a constitucionalidade, parece um ataque preventivo a dúvidas constitucionais de Belém. Mas, sendo sonante, pode ser um tiro de pólvora seca.

O advogado Rogério Alves explicou-o esta quarta-feira na CNN: as leis citadas por Costa dedicam-se a exceções ao direito de propriedade, enquanto a atual proposta para a habitação pretende aplicar uma regra.

“Ter uma casa devoluta não é um crime”, afirmou Rogério Alves. “O abuso do direito de propriedade é [que é] sempre mau” e “em situação de abuso de direito de propriedade o Estado deve intervir”. Ora, a proposta atual do governo para o arrendamento coercivo de imóveis devolutos passa por “fingir que a solução dos problemas da habitação está numa imposição coerciva, como se estivéssemos a governar permanentemente em estado de emergência, [o que] é uma coisa anacrónica, absurda e, do meu ponto de vista, inconstitucional”.

Relações (mais) tensas

Em caso de veto, e se o governo e a sua maioria no Parlamento insistirem na proposta sem alterar o conteúdo, Marcelo ficaria forçado a promulgá-la contra a sua vontade ‒ a chamada “confirmação” ‒, algo que nunca aconteceu nos seus mandatos como Presidente da República. A esperança de Belém é que não seja necessário chegar a esse ponto.

A possibilidade de veto político ao arrendamento coercivo é de qualquer forma já mais um choque entre a Presidência da República e o governo de António Costa, desde a entrevista em que Marcelo classificou a maioria absoluta do PS como “requentada” e “cansada”, e das declarações em que demoliu o pacote do governo para a área da Habitação.

Esta semana, no debate de política geral no Parlamento, o primeiro-ministro visou indiretamente o Presidente, falando de “contributos muito positivos [e de outros] muito destrutivos” sobre a proposra. Mas também desconsiderando funções não-executivas como a Presidência em que, a seu ver, “fala-se, fala-se, fala-se” mas depois é o governo quem tem de fazer.

Segundo fontes do círculo político mais próximo do Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu os tiros do governo na sua direção, interpretando-os como “um sinal de fraqueza” que visa desviar as atenções das dificuldades do próprio governo, em particular na resposta à crise habitacional.

“Uma coisa muito importante na política e nos órgãos de soberania é que cada um deve atuar no momento próprio”, atirou António Costa esta quarta-feira. Mas Marcelo parece não estar disponível para que seja o primeiro-ministro a escolher “o momento próprio” por ele.

 

 

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