O apoio inflamado de uma executiva chinesa à cultura tóxica no local de trabalho suscitou reações negativas – e custou-lhe o emprego - TVI

O apoio inflamado de uma executiva chinesa à cultura tóxica no local de trabalho suscitou reações negativas – e custou-lhe o emprego

  • CNN
  • Nectar Gan
  • 18 mai, 17:00
Qu Jing ex-vice-presidente e chefe de comunicações da Baidu, China

Uma executiva chinesa do setor da tecnologia gerou indignação na China com a sua defesa inflamada de uma cultura tóxica no local de trabalho, o que acabou por a levar a perder o emprego.

Qu Jing, ex-vice-presidente e chefe de comunicações da Baidu, muitas vezes apelidada de equivalente chinesa da Google, desencadeou uma crise de relações públicas para o motor de pesquisa chinês após os seus comentários controversos terem atingido um ponto sensível entre os jovens trabalhadores, que estão fartos de horários exaustivos e de uma pressão implacável.

Numa série de curtos vídeos publicados na semana passado no Douyin, a versão chinesa do TikTok, Qu falou sobre a sua devoção à carreira, do seu estilo de gestão rigoroso e das exigências constantes que faz aos seus subordinados diretos.

Num dos vídeos, critica uma funcionária que se recusou a fazer uma viagem de negócios de 50 dias durante a pandemia de Covid-19, quando a China impôs restrições de viagem e quarentenas rigorosas.

“Porque é que haveria de ter em consideração a família da minha funcionária? Eu não sou a sogra dela”, diz Qu. “Tenho mais 10 ou 20 anos do que tu. Nunca me senti amargurada nem cansada, apesar de ter dois filhos. Quem és tu para me dizer que o teu marido não aguenta?”

Num outro vídeo, Qu partilhou os sacrifícios pessoais que faz enquanto mãe trabalhadora. Trabalhava tanto que se esqueceu do aniversário do filho mais velho e do ano escolar em que o filho mais novo estava. Diz que não se arrepende, porque “escolheu tornar-se uma mulher de carreira”.

“Se trabalhas em relações públicas, não esperes ter folgas ao fim de semana”, diz num terceiro vídeo. “Mantém o telefone ligado 24 sobre 24 horas, sempre pronto a responder.”

Noutro vídeo, ameaçou ainda retaliar contra funcionários que se queixassem dela, dizendo que não conseguiriam outro emprego na indústria.

A Associação Americana de Psicologia descreve “local de trabalho tóxico” como um ambiente repleto de lutas internas, intimidação e outras afrontas que prejudicam a produtividade.

Na sequência dos protestos públicos, Qu perdeu o seu emprego na Baidu (BIDU), disse sob anonimato à CNN uma pessoa familiarizada com o assunto. A CNN também viu uma captura de ecrã de um sistema interno de pessoal que parece confirmar que ela já não trabalha na empresa.

A Baidu não respondeu ao pedido de comentário. A 9 de maio, Qu já tinha removido da sua conta pessoal no Douyin o título de “vice-presidente da Baidu”.

Nesse dia Qu pediu desculpa e disse que as suas publicações não falavam em nome da Baidu.

A Baidu, com sede em Pequim, é o principal motor de pesquisa da China (Jade Gao/AFP/Getty Images)

‘Falta de empatia’

A controvérsia tornou-se rapidamente um tópico em voga no Douyin e no Weibo, plataforma chinesa ao estilo da X, dominando as discussões online. Os utilizadores criticaram Qu pela sua abordagem agressiva e insensível e acusaram-na, e à Baidu, de promoverem um local de trabalho tóxico.

“Na sua voz e no seu tom, há uma profunda indiferença e falta de empatia pela situação comum dos seus colegas”, diz Ivy Yang, analista de tecnologia da China e fundadora da empresa de consultoria Wavelet Strategy.

“Muito do que ela disse tocou realmente num nervo, porque as pessoas sentem isso nos seus próprios locais de trabalho com muita frequência. O facto de ela o ter dito de uma forma tão direta e na cara foi o que gerou esta tipo de resposta emocional.”

“Isto é o que os patrões pensam e ela simplesmente se limitou a dizê-lo em voz alta”, acrescenta Yang.

Os jovens trabalhadores da China têm vindo a manifestar-se cada vez mais contra a cultura de excesso de trabalho e de competitividade extrema que tem vindo a dominar muitas indústrias, especialmente o setor tecnológico.

Em 2019, o cofundador do Alibaba, Jack Ma, foi alvo de intensas críticas após ter apoiado a tendência ‘996’, ou seja, trabalhar das 9h da manhã às 9h da noite seis dias por semana, e de lhe ter chamado uma “enorme bênção”.

Yang diz que a reação contra Ma foi um “momento decisivo” que levou as pessoas a repensarem a sua relação com o local de trabalho – uma tendência que só se intensificou face ao abrandamento da economia chinesa.

A economia da China cresceu mais do que o esperado no início deste ano, mas os problemas – como uma crise imobiliária, o declínio do investimento estrangeiro e o consumo morno – estão a amontoar-se.

“Quando as empresas exigem total lealdade, tempo e energia aos seus empregados, estes sentem que não há reciprocidade ou recompensa pelo seu sacrifício ou contributo, especialmente quando as coisas estão a abrandar. Isso torna-se o conflito central e esse conflito está também no centro da saga da Baidu”, adianta Yang.

Com a ira do público a aumentar, os vídeos publicados na conta pessoal de Qu no Douyin foram retirados.

‘Pontos inadequados’

Após dias de silêncio, Qu pediu desculpa a 9 de maio por “causar tamanha tempestade” numa publicação na sua conta pessoal no WeChat, a mais popular rede social da China.

“Li cuidadosamente todas as opiniões e comentários de várias plataformas, e muitas das críticas eram muito pertinentes. Refleti profundamente e aceitei-as com humildade”, escreveu Qu.

Também tentou estabelecer uma distância entre as suas declarações e a Baidu, dizendo que não pediu autorização prévia e que as mesmas não representavam a posição da empresa.

“Os vídeos apresentavam muitos pontos inadequados e inapropriados, o que levou a mal-entendidos sobre os valores e a cultura da empresa, causando sérios danos”, escreveu Qu.

Uma pessoa familiarizada com o assunto disse que os vídeos de Qu faziam parte do seu esforço para ampliar a voz da Baidu em plataformas de vídeos curtos, que se tornaram um canal cada vez mais importante para a divulgação de informações na China.

Qu tinha pedido a todos os elementos da equipa de relações públicas que criassem as suas próprias contas pessoais, de acordo com a mesma pessoa, que pediu anonimato.

“O principal objetivo era melhorar a capacidade de todos para fazerem vídeos curtos. Toda a gente pode ter opiniões diferentes quanto ao conteúdo, e a Cristina optou por falar sobre a sua experiência pessoal”, disse a pessoa, referindo-se ao nome inglês de Qu.

Qu trabalhou como repórter para a agência noticiosa chinesa Xinhua antes de se mudar para a indústria de Relações Públicas. Começou a trabalhar na Baidu em 2021 vinda da Huawei, gigante tecnológica chinesa conhecida pela sua muito exigente “cultura de lobo”, onde se espera que os funcionários imitem a natureza sanguinária, o destemor e a resiliência dos lobos.

Ren Zhengfei, o fundador da Huawei, disse anteriormente em entrevistas que a sua cultura corporativa foi mal interpretada. “A cultura de lobos”, disse, significa “sensibilidade, espírito de equipa e resiliência” e a empresa não tem uma “cultura 996”.

Um ex-funcionário da Baidu diz que Qu trouxe a cultura corporativa “agressiva” da Huawei com ela para a Baidu.

“[Ela desencadeou] um choque cultural bastante grande. Cerca de 60% da equipa despediu-se nos meses a seguir à chegada dela”, disse o ex-funcionário à CNN sob condição de anonimato.

É esperado da equipa de relações públicas que esteja sempre disponível, com os telemóveis ligados, que responda às mensagens imediatamente e que participe em reuniões à meia-noite e aos fins de semana com pouca antecedência, diz o ex-funcionário.

Qu também adotou a linguagem de estilo militar usada na gestão corporativa da Huawei, exigindo à equipa que fosse “disciplinada” e “capaz de vencer batalhas”, adiantou o ex-funcionário.

A CNN contactou a Huawei para obter comentários.

Este artigo foi atualizado com informações adicionais.

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