A China está a apagar todas as referências ao seu antigo ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas ainda não disse porquê - TVI

A China está a apagar todas as referências ao seu antigo ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas ainda não disse porquê

  • CNN
  • Análise de Simone McCarthy
  • 26 jul 2023, 11:00
Qin Gang (créditos: Getty)

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O Mundo assistiu há cinco semanas ao encontro do ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, com o secretário de Estado dos Estados Unidos da América (EUA), Antony Blinken, em Pequim, para conversações de alto nível entre as duas potências.

Mas quem procurar referências a esse acontecimento no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China ficará desiludido, uma vez que essa reunião - e todas as atividades de Qin como Ministro dos Negócios Estrangeiros - foi apagada dos registos, na sequência de uma reviravolta, esta terça-feira, que levou Qin ser abruptamente substituído pelo seu antecessor Wang Yi.

A surpreendente destituição, aprovada por um órgão de topo da administração chinesa, seguiu-se a semanas de perguntas e especulações sobre o destino de Qin, depois de este ter desaparecido dos olhares públicos no final de junho, sem uma explicação clara.

A última reviravolta na saga – fazer desaparecer por completo o rápido mandato de seis meses de Qin como Ministro dos Negócios Estrangeiros e a sua substituição por Wang, que ocupou esse cargo durante cerca de uma década antes de ser promovido no final do ano passado - só serve para aprofundar o mistério.

O paradeiro de Qin, a razão do seu afastamento e o seu destino como membro do Partido Comunista Chinês permanecem desconhecidos.

Na China, as perguntas sem resposta sobre a tomada de decisões oficiais são comuns, onde o sistema político é notoriamente opaco e se tornou ainda mais opaco sob o comando do atual líder, Xi Jinping.

No passado, altos funcionários chineses deixaram de ser vistos publicamente para meses para depois surgirem informações de que estavam a ser alvo de uma investigação disciplinar secreta.

Mas as circunstâncias que se desenrolaram nas últimas semanas em torno de Qin – antigo embaixador nos EUA, amplamente considerado como sendo da confiança de Xi e um dos funcionários mais reconhecidos da China como o rosto da sua política externa - trouxeram essas características do sistema político para a ribalta mundial.

"A falta de transparência já é um problema bem conhecido da administração chinesa. E as decisões são boas até não o serem. E quando não são, normalmente criam problemas muito maiores para o sistema", explica Yun Sun, diretor do Programa para a China do Stimson Center, um grupo de reflexão com sede em Washington.

"A substituição rápida não reflete nada de positivo em Xi, com certeza. No mínimo, as pessoas vão questionar o que correu mal e tornou a substituição necessária. Mas também sugere que a causa deve ser grave para que (Qin) tenha sido afastado", acrescenta.

Entretanto, o timing deste episódio, quando a China tem estado em campanha para se apresentar como uma alternativa de liderança apelativa à do Ocidente, só aumenta a ótica potencialmente prejudicial.

"A destituição de Qin reforçará a perceção no estrangeiro de que o Partido Comunista é um parceiro diplomático opaco e pouco fiável (...) (e) não favorece os esforços internacionais de Pequim para apresentar o seu sistema de governação como digno de louvor e emulação", afirma Neil Thomas, membro do Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute.

O que significa para a China e para Xi

A nomeação de Qin para o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, no ano passado, em detrimento de candidatos mais experientes, foi vista como um sinal da profunda confiança que lhe foi depositada por Xi, que, ao consolidar o poder, colocou na liderança da China os seus aliados mais próximos.

"Acredita-se que Xi só consulta um círculo de pessoas próximas muito pequeno e, além disso, é excessivamente confiante e toma decisões com base nos seus instintos", diz Bonnie Glaser, diretora-geral do programa Indo-Pacífico do Fundo Marshall Alemão.

"Qin é seu protegido e, por isso, isto reflete-se necessariamente de forma negativa em Xi. Mas isso não significa que este episódio represente um desafio ao seu poder", afirma.

Quando as notícias das mudanças de liderança foram divulgadas pelos meios de comunicação social estatais chineses, na terça-feira à noite, o vasto aparelho chinês de controlo da informação em torno de acontecimentos políticos e sociais entrou em ação.

As hashtags das redes sociais relacionadas com a destituição de Qin foram censuradas na aplicação chinesa Weibo, incluindo pelo menos uma que pretendia iludir os censores, discutindo a decisão através de uma hashtag sobre um programa de televisão passado na época da antiga dinastia Qin.

Entretanto, as hashtags sobre a nomeação de Wang continuaram a ser publicadas na plataforma na manhã de hoje, mas apenas mostravam mensagens de contas verificadas, em grande parte de meios de comunicação social estatais ou de agências governamentais, sem quaisquer comentários gerados pelos utilizadores.

"É provável que os meios de comunicação social oficiais propaguem a ideia de que os dirigentes de topo são sensatos ao destituir um alto funcionário em quem se confiava e que, a partir de agora, foi apanhado a cometer erros", diz Li Mingjiang, professor associado de relações internacionais na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.

Dependendo das informações adicionais sobre a situação de Qin, os meios de comunicação social chineses "podem sempre dizer que se trata de um exemplo da determinação do Partido em tomar medidas disciplinares rigorosas sempre que um alto funcionário é acusado de cometer erros", acrescenta.

Ainda não é claro quando, ou se, serão divulgadas mais informações sobre as razões do afastamento de Qin, e esse vazio de informação tem sido preenchido com rumores e especulações desenfreadas.

No início deste mês, quando questionado sobre a razão pela qual Qin não compareceu a uma reunião diplomática, um porta-voz do ministério apontou "razões de saúde".

Por enquanto, Qin parece ter mantido o seu posto administrativo de alto nível, voltado para o mercado interno, como Conselheiro de Estado.

Mas os observadores da política chinesa dizem que o silêncio em torno da razão da sua substituição e a sua eliminação do site do Ministério apontam para razões políticas, que poderão tornar-se claras nos próximos meses se for anunciada oficialmente uma investigação contra Qin.

"Não creio que um anúncio sobre o que aconteceu venha a acontecer tão cedo. Pequim vai esperar que as pessoas quase se esqueçam do assunto para evitar mais atenção", diz Sun em Washington.

"Mãos seguras"

A mudança no Ministério dos Negócios Estrangeiros ocorre numa altura particularmente sensível das relações internacionais da China. Pequim está a tentar estabilizar as relações frágeis com os Estados Unidos e a tentar atrair uma Europa que tem vindo a desconfiar cada vez mais dos estreitos laços da China com a Rússia, que trava uma guerra contra a Ucrânia.

O desaparecimento misterioso de Qin e a sua destituição são um fator de estranheza a nível internacional, mas também colocam a política externa da China nas mãos de um veterano que ocupou o cargo entre 2013 e 2022.

Quando foi questionado sobre Qin e Wang numa conferência de imprensa na terça-feira, o diplomata americano Blinken disse que os EUA conversariam com "quem quer que sejam os homólogos chineses relevantes" a fim de gerir as relações EUA-China.

"Também conheço Wang Yi há mais de uma década. Reuni-me com ele várias vezes na minha atual qualidade de Secretário de Estado, incluindo recentemente em Jacarta, e espero poder trabalhar bem com ele, tal como fizemos no passado", disse Blinken, referindo que "desejava felicidades a (Qin)".

Nos últimos anos, Wang tem sido conhecido pela sua postura combativa, mas também tem sido visto como um bom negociador, regularmente enviado para tratar das questões diplomáticas mais espinhosas e para se reunir com aliados próximos, incluindo uma viagem a Moscovo em fevereiro para se encontrar com o Presidente russo Vladimir Putin.

Mantido por Xi apesar de ter atingido a idade de reforma durante uma remodelação quinquenal da liderança em outubro passado, foi promovido no final do ano ao cargo de diplomata principal da China, supervisionando o braço dos negócios estrangeiros do Partido Comunista (um órgão separado e distinto do Ministério dos Negócios Estrangeiros do governo).

Ao que parece, Wang vai agora ocupar esse lugar e o seu antigo - uma decisão que Thomas, da Asia Society, sugere que poderá ser temporária, permitindo a Wang percorrer um período que poderá levar Xi a visitar os EUA em novembro para uma cimeira económica.

No entanto, segundo Victor Shih, diretor do 21st Century China Center da Universidade da Califórnia em San Diego, “a nomeação de Wang não tem em conta um vasto leque de potenciais candidatos, o que "sugere que a liderança não tem a certeza sobre um bom substituto para Qin e optou por uma opção segura e por um par de mãos firmes".

"Este desejo pode dar-nos uma pista sobre o que aconteceu exatamente a Qin Gang", disse.

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