Jogo #1, o cobarde. Dois homens conduzem dois automóveis a alta velocidade, um contra o outro, numa rota de colisão: se nenhum se desviar, morrerão; se um deles se desviar, sobreviverão, mas do que se desviar dirão que desistiu. Este é o “jogo do cobarde” (“chicken game”), usado na Teoria dos Jogos, em política ou economia. O que faz nenhum dos dois querer desviar-se? O orgulho. Nenhum quer ficar como perdedor. Como cobarde.
É este o jogo que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa estão agora a jogar. Depois de semanas de avisos, de sinais de fumo e de recados pelos jornais, os dois enfrentaram-se a pretexto de João Galamba. O PR queria-o defenestrado. O PM manteve-o. E, ao mantê-lo, Costa acelerou a fundo no seu automóvel e manteve-se na estrada contra Marcelo. E agora, Marcelo mantém-se na estrada e dissolve o Parlamento, como sucessivamente ameaçou fazer? Ou desvia-se e fica como o “cobarde”, que ameaça mas desiste?
Jogo #2, polícias e ladrões. Um ministro, um ex-assessor, uma chefe de gabinete, uma adjunta e um segurança fecharam-se num Ministério e envolveram-se em agressões, furtos, forças de segurança e serviços secretos. Ninguém resolveu ainda o mistério, mas o jogo perdeu interesse depois de Costa ter escalado para o confronto entre os palácios de São Bento e de Belém. .
Jogo #3, verdade ou consequência. Um grupo grande de deputados cria uma comissão parlamentar de inquérito para apurar verdades e responsabilidades num despedimento de uma administradora da TAP que acabou por ser declarado nulo. Pouco tempo depois, não há verdades nem consequências: há mentiras e inimputabilidades. Reuniões secretas, prémios secretos, contratos secretos e até privatizações e nacionalizações secretas, é nisto que por enquanto vamos. Como não há crimes sem criminosos, não há mentiras sem mentirosos. Mas como também há crimes demostrados sem criminosos provados, também há mentiras demonstradas sem mentirosos provados. O jogo prossegue - e há espadas no ar.
Jogo #4, o enforcado. Pedro Nuno Santos perdeu o jogo mas está à espera para jogar outra vez - e ganhar. Fernando Medina dá corda aos sapatos para fugir de quem lhe quer por corda ao pescoço. Christine Ourmières-Widener perdeu o jogo mas quer receber tudo até ao último tostão. Alexandra Reis perdeu o jogo e quer devolver tudo até ao último tostão. Manuel Beja perdeu o jogo sem sequer ter sido visto como jogador. Hugo Mendes perdeu o jogo por ter querido ser demasiado jogador. João Galamba simulou que perdeu o jogo mas imolou-se sem fósforo na mão nem gasolina no corpo, atirando-se com uma pedra atada aos pés para dentro de uma piscina rasa. No jogo entre Costa e Marcelo, não é uma vítima colateral, é um favorecido colateral. Neste jogo, nada é definitivo, todos têm tantas vidas quantas as narrativas. É o jogo dos instantes e dos circunstantes, não dos decisores.
Jogo #5, dança das cadeiras. É o jogo que Costa tem de jogar para começar de vez a governar com foco e sem desatino: fazer uma remodelação a sério, tão funda que parecerá um novo governo, depois do descalabro do último ano. Mas ele só jogará como e quando quiser, não como nem quando for pressionado a querer. Mas jogá-lo-á: com ou sem eleições.
Jogo #6, o solitário. É agora o lugar de Marcelo. Se engolir este elefante, ficará como aquele que ladra mas não morde, um galaró transformado em mosca, nanico politico pelo menos até descortinar saída. Se precipitar eleições, enfrentará a crítica de ter derrubado uma maioria absoluta e criar ele a instabilidade, numa altura de inflação, guerra e PRR, contra os bons resultados económicos do país e fomentando os partidos extremos. Marcelo, é preciso lembrar, está a escrever os seus últimos capítulos políticos: que epílogo quer? O solitário, recorde-se, é um jogo de paciência.
Jogo #7, a cabra-cega. É o jogo em que colocaram os eleitores, incrédulos com tudo o que está a acontecer. Não deram a maioria absoluta a Costa e a Marcelo para isto. E, provavelmente, estão fartos destes jogos todos. Não querem eleições, querem governação. Sem jogos de escondidas, sem dissimulações de quem promete salvação, sem que orgulhos privados decidam destinos públicos. Nos seus mandatos atuais, Costa e Marcelo mostraram mais fome de poder do que sede de fazer. Por cálculo e orgulho, ameaçam cumprir-se um contra o outro: se não se desviarem da rota colisão, um vencerá, o outro perderá.
No fundo, sempre o soubemos: como o título do filme, Costa e Marcelo amar-se-iam até se matarem.