"Lamento que o BE comece a ser um partido igual aos outros, em que já sabemos à partida quem será o sucessor natural" - TVI

"Lamento que o BE comece a ser um partido igual aos outros, em que já sabemos à partida quem será o sucessor natural"

XIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda (António Cotrim/Lusa)

Houve psicanálise política no primeiro dia da XIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda - ainda há sentimentos por resolver com o PS e a geringonça

No dia em que Catarina Martins se despediu da liderança do Bloco de Esquerda (BE), o partido expôs as "feridas" da "derrota eleitoral" das últimas eleições. A coordenadora cessante culpa a "artimanha" de António Costa, que "recusou qualquer acordo à esquerda" em 2019, mas os críticos internos falam num "erro de estratégia" cometido pelo próprio Bloco. Numa coisa estão de acordo: saiu caro.

No arranque da XIII Convenção Nacional do BE, Catarina Martins prometeu falar do futuro mas foram as "feridas" do passado que marcaram a sua última intervenção como coordenadora do Bloco. Em concreto as feridas da geringonça, que a bloquista acusa Costa de abandonar para prosseguir "uma política no avesso da esquerda". Tanto foi assim que "hoje encena confrontos vazios com a direita enquanto lhe copia as políticas", apontou.

Apesar das feridas, a coordenadora cessante garante que não se arrepende da "coerência" que levou o Bloco a chumbar o Orçamento do Estado - que obrigou à convocação eleições legislativas antecipadas. Aliás, o BE "voltaria a fazer o mesmo" se em causa estivessem a "saúde e os direitos laborais".

O discurso de Catarina Martins foi alvo de críticas por parte dos opositores internos, que esperavam uma reflexão dos últimos resultados eleitorais que deixaram um grupo parlamentar bloquista reduzido a cinco deputados. Pedro Soares, antigo deputado do Bloco e porta-voz da moção E, a dos críticos à linha da atual direção, subiu ao púlpito da reunião magna para lamentar o facto de a geringonça continuar "na cabeça de alguns" apesar de já ter acabado.

Pedro Soares lamenta que a geringonça continue "na cabeça de alguns" dirigentes do Bloco de Esquerda

É que, no entender de Pedro Soares e restantes subscritores da moção E, o caminho do Bloco não é o Partido Socialista (PS) mas uma "política de esquerda, polarizadora, com compromissos claros, com linhas vermelhas claras que não deem cobertura a uma espécie de social-democracia fora de tempo".

Catarina Martins recusou-se a fazer um "discurso de despedida", mas os bloquistas já estão prontos a dizer adeus. "Independentemente da moção que vencer, vai ser importante ter uma nova cara nesta altura", admite João Canteiro, de 20 anos, que veio de Évora de propósito acompanhado da namorada, Beatriz, para participar naquela que é a primeira convenção partidária de ambos.

João Canteiro e Beatriz Carriço vieram de propósito de Évora para participar na XIII Convenção Nacional do Bloco de Esquerda

"É importante vir depois dos resultados das últimas eleições. Eu fazia parte da lista do Bloco nas autárquicas em Évora e fiquei um bocadinho desiludido com os resultados", conta João Canteiro. Questionado pela CNN Portugal sobre o porquê dos resultados terem ficado aquém do desejado, aponta que "talvez a aliança com o PS tenha desacreditado o Bloco", tornando-o "um partido mais tradicional, mais formal".

Por isso, defende a orientação proposta pela moção E, assente numa rutura com a linha da atual direção. "Não é que Catarina Martins tenha estado mal, mas convém mudar de rumo. [A geringonça] foi uma tentativa, se não funcionou da melhor forma temos de procurar agora ser uma alternativa de esquerda ao PS."

João Canteiro deixou os estudos de Arqueologia para arranjar um emprego na área da restauração. Vive em Évora na casa da família da namorada, onde paga "uma renda simbólica". A crise na habitação é uma das preocupações deste jovem, que se diz perplexo por ver "quartos a preços exorbitantes" numa cidade universitária. Apesar da desilusão com os resultados eleitorais do Bloco, não tem dúvidas de que o Bloco é o partido que responde melhor a dificuldades como esta do acesso à habitação - por isso, seja qual for a liderança, promete manter a fidelidade ao partido.

Enquanto os militantes bloquistas sobem ao púlpito para mostrar que o Bloco se mantém um partido "plural", António Louro Miguel folheia um jornal. Conta que é militante do BE há 18 anos e integra a lista de delegados da moção encabeçada por Pedro Soares. Este professor universitário, de 53 anos, admite que a escolha de Mariana Mortágua para suceder a Catarina Martins "é uma escolha natural", tanto que já a "vaticinava" há dois anos.

António Louro Miguel lamenta que o Bloco de Esquerda se esteja a tornar "um partido igual aos outros" mas mantém a confiança na direção

"Não estou nada surpreendido, mas lamento que o BE comece a ser um partido igual aos outros, em que já sabemos à partida quem será o sucessor natural. Isso enfraquece o debate", lamenta. Mas diz que reconhece em Mariana Mortágua "excelentes qualidades" e não tem dúvidas de que o partido "está bem entregue". "Tenho esperança que o Bloco aprenda com os erros que cometeu num passado recente."

Na perspetiva deste professor, "várias coisas falharam" nos últimos anos do mandato de Catarina Martins. Mas foi sobretudo "um erro de estratégia política" em 2018, quando a direção bloquista não quis rever o memorando de entendimento com o PS, tal como sugerido por vários opositores internos.

"O Bloco deveria ter-se demarcado mais cedo, mas teve uma atitude de namoro com o PS. O PS não é um partido de esquerda, é um partido de centro-esquerda, alheio aos interesses de grande parte da população e isso foi um erro trágico em termos eleitorais", lamenta. É certo que o Bloco "tentou emendar o erro" mais tarde, ao chumbar o Orçamento do Estado para 2020, mas aí "já foi tarde demais". "Houve algum desnorte nessa estratégia e faltou assertividade."

Ainda assim, António Louro agradece o trabalho da coordenadora cessante e admite que recebeu "com tristeza" a notícia de que iria sair do parlamento já em julho. "É uma péssima notícia. A Catarina Martins, pelo seu capital de experiência, pelas suas qualidades, deveria exercer o mandato até ao fim. Acho que era uma mais-valia para o parlamento. Tenho esperança, contudo, que continue a fazer trabalho político, ela faz parte da lista para a mesa nacional, é uma pessoa importante, com quem simpatizo bastante e faz muita falta na Assembleia da República."

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