"A nossa artilharia está a morrer à fome." Ucrânia tenta aguentar com tudo enquanto não chega a ajuda americana - TVI

"A nossa artilharia está a morrer à fome." Ucrânia tenta aguentar com tudo enquanto não chega a ajuda americana

  • CNN
  • Andy Carey e Tim Lister
  • 23 abr, 16:20
Artilheiros da 43ª Brigada Mecanizada Separada das Forças Armadas da Ucrânia disparam contra uma posição russa com um obus autopropulsado de 155 mm na região de Kharkiv, em 21 de abril (Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images via CNN Newsource)

Os soldados na linha da frente na Ucrânia dizem que a perspetiva de aprovação final no Congresso dos Estados Unidos (EUA) de um pacote de ajuda militar de 60 mil milhões de dólares (cerca de 56 mil milhões de euros) a Kiev servirá como um enorme impulso moral, numa altura em que a Rússia procura intensificar o seu avanço.

O projeto de lei de ajuda à Ucrânia, aprovado na Câmara dos Representantes no sábado, deverá agora ser apresentado ao Senado na terça-feira. Se for aprovado na câmara alta do Congresso, o presidente Joe Biden deverá assiná-lo imediatamente, para que “possamos enviar rapidamente armas e equipamento para a Ucrânia para satisfazer as suas necessidades urgentes no campo de batalha”.

A lista de desejos da Ucrânia não é segredo. No topo: projéteis de artilharia e sistemas de defesa antiaérea.

Há meses que os soldados ucranianos na linha da frente se dizem em muito menor número que os russos. O presidente Volodymyr Zelensky confirmou recentemente que o rácio era de 10 para 1 a favor da Rússia.

“Para vencer, precisamos de munições... a nossa artilharia está a morrer à fome”, revelou à CNN um comandante de reconhecimento de artilharia da 110ª brigada mecanizada, de indicativo “Teren”, após a votação de sábado.

Teren sabe do que fala, tendo passado dois anos a defender a cidade industrial de Avdiivka antes de esta cair nas mãos da Rússia, em fevereiro. Desde então, as forças de Moscovo têm tido um sucesso considerável ao avançar para oeste.

Para destacar apenas um dos vários locais na região de Donetsk: o grupo de monitorização ucraniano DeepState seguiu uma série de avanços russos na última semana ao longo de uma linha férrea até ao centro de uma grande aldeia chamada Ocheretyne.

Embora Ocheretyne em si não tenha valor estratégico, situa-se num cume, o que a torna um alvo militar desejável. Um oficial do Comando Oriental da Ucrânia - que pediu para não ser identificado por não estar autorizado a falar oficialmente - disse à CNN que, se as forças russas conseguissem conquistar e manter a aldeia, isso poderia colocar rotas logísticas ucranianas vitais, ligando três centros militares importantes - Kostiantynivka, Pokrovsk e Velyka Novosilka - sob o controlo do fogo russo.

Agora, com a nova ajuda militar dos EUA aparentemente a poucos dias de receber luz verde, a questão é saber com que rapidez munições vitais, como os obuses Howitzer de 155 mm, podem chegar à linha da frente para travar o avanço da Rússia.

O porta-voz do Pentágono, Patrick Ryder, disse, antes da votação na Câmara dos Representantes, que o Departamento de Defesa dos EUA estava “preparado para responder rapidamente”, assim que fosse dada qualquer ordem.

“Como sabem, dispomos de uma rede logística muito robusta que nos permite transportar material muito rapidamente. Como já fizemos no passado, podemos deslocar o material em poucos dias", afirmou.

Esta mensagem foi repetida por Mark Warner, presidente da Comissão de Serviços de Informação do Senado, que disse à CBS News no domingo que esperava que o material estivesse “em trânsito até ao final da semana”.

Embora as autoridades americanas não o digam abertamente, uma fonte dos EUA familiarizada com o fornecimento de ajuda militar à Ucrânia disse que grande parte dessa ajuda já está pré-posicionada em instalações de armazenamento na Alemanha e na Polónia, o que obviamente reduziria o tempo necessário para a fazer chegar à Ucrânia. A fonte também disse que os projéteis de artilharia estariam entre os primeiros materiais a ser enviados.

Uma vez atravessada a fronteira, os funcionários de Kiev procurarão colocá-los onde são necessários o mais rapidamente possível - mas isso continuará a representar um desafio logístico considerável, dada a enorme quantidade de material envolvido.

Por outras palavras, a citada vantagem de 10 para 1 de que a Rússia goza atualmente não será eliminada de imediato.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) adverte que a Ucrânia vai “provavelmente continuar a enfrentar a escassez de munições de artilharia e de intercetores de defesa aérea nas próximas semanas e os correspondentes constrangimentos que esta escassez está a colocar à capacidade da Ucrânia para conduzir operações defensivas eficazes”.

O ISW especula que a Rússia poderá tentar atacar redes de transporte como os caminhos-de-ferro para complicar a distribuição - algo que visou na sexta-feira na região ucraniana de Dnipropetrovsk - e procurar aumentar o ritmo ao longo das linhas da frente na janela limitada antes da chegada da ajuda dos EUA.

Um local que poderia ser o foco de qualquer ofensiva russa intensificada e de curto prazo poderia ser a cidade de Chasiv Yar, uma importante localização militar avançada para a Ucrânia desde a captura russa de Bakhmut - cerca de 10 quilómetros a leste - há quase um ano.

Vários relatos de soldados ucranianos descrevem combates intensos numa série de aldeias entre Chasiv Yar e Bakhmut, enquanto as forças russas tentam avançar. O chefe do exército ucraniano disse acreditar que o Kremlin ordenou a tomada da cidade até 9 de maio, dia em que a Rússia celebra a sua vitória sobre a Alemanha Nazi em 1945.

Chasiv Yar também está a ser bombardeada do ar por enormes bombas “guiadas” lançadas por aviões de guerra russos. Nos últimos dias, o analista Rob Lee publicou na sua conta da rede social X uma série de vídeos que mostram aviões russos Su-25 a voar sem obstáculos nos céus da cidade, o que o especialista considera “um sinal claro da falta de munições da defesa antiaérea ucraniana”.

Fumo surge após um bombardeamento perto da cidade de Chasiv Yar, na região de Donetsk, na Ucrânia, a 11 de abril (Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images via CNN Newsource)

A Ucrânia espera que os EUA forneçam uma gama de sistemas de mísseis terra-ar para combater essa ameaça, para além de mais intercetores para o sistema de defesa antiaérea Patriot, o principal meio de derrotar ataques de mísseis contra cidades e infraestruturas essenciais, como centrais elétricas.

“Precisamos de defesa antiaérea de primeira linha tanto quanto precisamos de proteção para as nossas cidades e aldeias”, disse Zelensky.

Por último, para além das suas necessidades imediatas de armamento, a Ucrânia também parece poder vir a receber sistemas de mísseis táticos do exército (ATACMS) de longo alcance na primeira tranche de fornecimento de armas, depois de Warner, presidente da Comissão de Serviços de Informação do Senado, ter indicado que acreditava que fariam parte de uma primeira remessa.

Os EUA já forneceram à Ucrânia versões de menor alcance do ATACMS, mas as autoridades ucranianas não esconderam o seu desejo de deitar as mãos à versão mais recente. Com um alcance de cerca de 300 quilómetros, os mísseis dariam a Kiev a capacidade de aumentar os ataques a aeródromos russos, depósitos de combustível e locais de armazenamento de armas, tendo um impacto a mais longo prazo no esforço de guerra da Rússia.

E se os aliados europeus da Ucrânia acreditam que podem agora ter um pouco de espaço para respirar antes de serem novamente pressionados a prestar mais assistência, o ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, deixou claro que considera que a ação dos EUA dá um impulso a toda a linha.

“Podemos evitar os piores cenários se agirmos em conjunto e sem medo”, disse Kuleba numa reunião online dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da União Europeia, na segunda-feira, apelando aos países que possuem o Patriot e os sistemas de defesa aérea SAMP/T de fabrico europeu para que os doem à Ucrânia, juntamente com artilharia e munições.

“Agora que estão todos aqui à mesa, é altura de agir, não de debater”, disse Kuleba.

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