O «adeus» a Durão Barroso - TVI

O «adeus» a Durão Barroso

Português termina o segundo mandato à frente da Comissão Europeia. O caminho percorrido nesta década, o passado e o futuro que pode passar por Belém: do jovem maoísta ao primeiro luso no mais alto cargo europeu

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«Auf Wiedersehen, goodbye, au revoir, adeus». Durão Barroso despediu-se desta forma singela e em quatro línguas do seu lugar de presidente da Comissão Europeia, a resumir uma década a lidar com várias línguas, culturas e países.

 

José Manuel Durão Barroso, com 58 anos, deixa a 31 de outubro a presidência da Comissão Europeia, cargo que exerceu ao longo dos últimos dez anos, um recorde de longevidade apenas igualado pelo francês Jacques Delors, entre 1985 e 1995.

 

Durão Barroso cede o lugar ao luxemburguês Jean-Claude Juncker, que assume funções a 1 de novembro, à frente de um colégio que integra o português Carlos Moedas, como comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação.

 

O antigo primeiro-ministro, que deixou a chefia do Governo em 2004 para se tornar o primeiro português a exercer o cargo de presidente do Executivo comunitário, cumpriu dois mandatos em Bruxelas, tendo o primeiro (2004-2009) sido marcado pelo alargamento e crises institucionais e o segundo (2009-2014) pela crise financeira e económica que atingiu a Europa e a zona euro com particular impacto.

 

A língua começou por ser uma dificuldade, para os outros. «Durão» era palavra dura de dizer para os colegas da EU e para os jornalistas e, por isso, caiu o Durão e ficou só José Manuel Barroso. Sempre Durão Barroso para os portugueses e um português que fica para a História indubitavelmente, já que se trata do mais alto cargo internacional alguma vez desempenhado por um político luso, durante um período particularmente conturbado do projeto europeu.

 

«Sei que vou ganhar, só não sei quando»

 

A sua saída de Portugal também acabou por ser conturbada.  A 29 de junho, numa declaração ao país, Durão Barroso anuncia que aceitou convite para o cargo de presidente da Comissão Europeia, após o que segue para Bruxelas, palco de uma cimeira extraordinária onde é indigitado por consenso para o cargo pelos chefes de Estado e de Governo dos (então) 25 Estados-membros da União Europeia e eleito em julho presidente da Comissão pelo Parlamento Europeu com 413 votos a favor, 251 contra e 44 abstenções.

 

Dois anos antes, a 17 de março de 2002, o PSD ganhou as legislativas, tornando-se realidade a frase que um ano antes Durão Barroso proferira numa entrevista: «Sei que vou ganhar, só não sei quando», como recorda a Lusa.

 

 

A vitória do PSD nas legislativas, embora sem maioria absoluta, levou Durão Barroso a negociar uma coligação governamental com o Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP) de Paulo Portas, que permitiu formar o Executivo.

 

Ao sair, em 2004, abre-se uma crise na liderança do PSD e no país, que fica sem chefe de Governo. Há lugar a uma sucessão de episódios da vida política interna. Logo a 30 de junho desse ano, «o Conselho Nacional do PSD deposita em Pedro Santana Lopes a liderança do partido», então presidente da Câmara Municipal de Lisboa e, no início de julho, o PSD delega o Governo em Santana Lopes, ou seja, o Partido Social-Democrata indica Santana Lopes como primeiro-ministro, «que se compromete a seguir o programa do Governo de Durão Barroso», como descreve o PSD na sua história. Em menos de uma semana, o Presidente Jorge Sampaio indigita Pedro Santana Lopes para Primeiro-ministro.

 

O líder do novo Executivo reúne em Belém com o presidente da República. A 17 de julho, toma posse o XVI Governo e mantém-se a coligação entre PSD e CDS, mas este Governo cai poucos meses depois. No final de Novembro, o Presidente exonera Santana Lopes e dá início ao processo de dissolução do Parlamento e à convocação de eleições antecipadas.

 

O mais alto cargo internacional exercido por um português

 

Mas isto é política interna. No palco da política e da diplomacia internacional, Durão Barroso, seguiu o seu caminho.

 

José Manuel Durão Barroso, tornou-se o 11.º presidente da Comissão, o primeiro português a ocupar o cargo, para o qual foi reconduzido em 2009, para um segundo mandato que termina a 31 de outubro próximo.

 

 

Durante os seus mandatos, muito mudou na União Europeia, que passou de 15 Estados-membros (em 2013) a 28 Estados-membros, ganhou uma nova moldura institucional, com a adoção do Tratado de Lisboa, e enfrentou uma crise financeira e económica sem precedentes, que ameaçou não só a integridade da zona euro como o próprio projeto europeu, levando a um reforço das políticas de supervisão económica.

 

Tido como um político acima de tudo pragmático e racional, Durão Barroso passou muito do seu tempo em Bruxelas em busca de consensos, numa Europa alargada onde a unanimidade se tornou cada vez mais difícil.

 

Em diversas ocasiões, e sobre diversas matérias, defendeu que mais valia um acordo aquém das próprias ambições da sua Comissão do que não haver acordo algum, alegando ser necessário ser «realista».

 

Apontado muitas vezes como um «liberal», pela linha política seguida durante os seus mandatos, Durão Barroso sempre rejeitou essa ideia, preferindo autointitular-se como um «reformista do centro» e apologista da solidariedade e coesão.

 

Os desafios de Barroso na União Europeia

 

Dez anos é muito tempo. Durão Barroso diz-se hoje «orgulhoso» do seu trabalho, mas os primeiros tempos da «Comissão Barroso» não foram fáceis. Em maio de 2005, a França rejeita o Tratado Constitucional em referendo, e a de 1 de junho é a vez da Holanda «chumbar» o projeto, mergulhando a União Europeia numa das maiores crises políticas e institucionais desde a sua fundação.

 

Consequentemente, oito dias depois, Durão Barroso enfrenta uma moção de censura apresentada pelo britânico Nigel Farage, principal rosto dos eurocéticos no Parlamento Europeu, mas a mesma é rejeitada no hemiciclo de Estrasburgo por esmagadora maioria, com 589 votos contra, e apenas 35 votos a favor e 35 abstenções.

 

E Barroso respira de alívio por pouco tempo. A 1 de janeiro de 2006, a Rússia corta as exportações de gás para a Ucrânia, afetando vários países europeus, o que levará a União Europeia a começar a traçar estratégias para diversificar as fontes de aprovisionamento energético.

 

Em 2007, a família europeia alarga-se. A Bulgária e a Roménia aderem à UE, que passa a contar com 27 Estados-membros, e Eslovénia adere à zona euro. De fora fica a Turquia, muito por causa do Chipre, que os turcos não reconhecem como República. (Chipre e Malta vêm a aderir à zona euro em 2008).

 

Em julho de 2007 começa a presidência portuguesa e «fala-se português» a vários níveis. A União Europeia e Brasil celebram em Lisboa, no arranque da presidência portuguesa da UE, a sua primeira Cimeira conjunta, rampa de lançamento para a «parceria estratégica» que dará um estatuto privilegiado ao Brasil nas relações com a UE.

 

O ano de 2007 fica também marcado pelo novo Tratado que substituirá a fracassada Constituição Europeia. Imediatamente batizado de Tratado de Lisboa, e selado com um famoso aperto de mão entre Barroso e o então primeiro-ministro José Sócrates acompanhado das palavras deste último: «Porreiro, pá».

 

O ano de 2009 ia a meio quando José Manuel Durão Barroso anuncia que é candidato a um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia. A 19 de junho, os chefes de Estado e de Governo reunidos em Bruxelas, designaram Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia 2009/2014, mas a entrada em funções da «Comissão Barroso II» só terá lugar em fevereiro do ano seguinte, à espera da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

 

O segundo mandato fica marcado pela crise, com alguns países a serem intervencionados, nomeadamente, Portugal.

 

O novelo da crise económica começa a desenrolar-se em Atenas, logo em 2009. Na Grécia, o PASOK vence as eleições, e o primeiro-ministro George Papandreou acusa governo anterior de ter manipulado números do défice, tendo dias depois o novo ministro das finanças grego confirmado que o défice real do ano em curso é de 12,5%, mais do dobro do que o inicialmente indicado. A «batota» nas contas da Grécia, ao ser desvendada, irá desencadear o contágio à zona euro da crise financeira iniciada nos Estados Unidos e dar origem à chamada crise da dívida soberana, ou simplesmente crise do euro.

 

 

Barroso teria ainda outro desafio a enfrentar neste segundo mandato. A entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que cria, entre outras, a figura de presidente do Conselho Europeu. O escolhido, o belga Herman Van Rompuy, inicia funções no mesmo dia, passando a «rivalizar» com Durão Barroso no protagonismo ao nível institucional da UE.

 

O ano seguinte fica marcado pelas crises. Em fevereiro, celebra-se a primeira de muitas cimeiras extraordinárias para analisar o «caso grego». A 23 de abril, a Grécia pede assistência financeira aos seus parceiros, que será aprovada dias depois, a 2 de maio. Trata-se de um pacote de ajuda de 110 mil milhões de euros.

 

Menos de uma semana depois, nova cimeira de emergência, na qual é decidida a criação de um fundo de resgate do euro, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), com 440 mil milhões de euros, que intervém em articulação com o FMI. E quase no final do ano, o Governo irlandês anuncia que vai solicitar também um resgate financeiro, aprovado uma semana depois, no montante de 85 mil milhões de euros.

 

Portugal é o país que se segue nos pedidos de ajuda financeira. A 8 de abril, Portugal formaliza junto do Eurogrupo pedido de resgate financeiro. O pacote de ajuda, de 78 mil milhões de euros, é aprovado imediatamente pelos parceiros da zona euro, que reclamam em troca um programa de ajustamento económico a ser cumprido ao longo de três anos.

 

Poucos dias antes, o Eurogrupo acordara a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o novo fundo de resgate permanente da zona euro, que ficaria operacional em 2012, com um «poder de fogo» de 500 mil milhões de euros.

 

Com a chegada de 2012, chega também a assinatura do novo Tratado Orçamental por todos os Estados-membros, com exceção do Reino Unido e é aprovado o segundo resgate grego.

 

Mas 2012 acaba por ser um ano em alta para a União Europeia, com Durão Barroso e os presidentes do Conselho, Herman Van Rompuy, e do Parlamento Europeu, Martin Schulz, a receberem em Oslo o Prémio Nobel da Paz, atribuído à União Europeia.

 

A fechar as contas do ano, os ministros das Finanças da UE aprovam criação do mecanismo de supervisão bancária.

 

E a família europeia volta a crescer em 2013, acolhendo a Croácia, que se torna o 28º Estado-membro.

 

Em 2013, é a vez de a Espanha solicitar um programa de ajuda específico para o setor bancário, vindo a utilizar 40 mil milhões de euros de uma assistência à qual sempre se recusou chamar de «resgate» e, no mesmo mês de junho, o Chipre torna-se o quinto país a pedir ajuda financeira.

 

Mas, 2013 também foi o ano em que a Irlanda, o primeiro país a concluir o respetivo programa de assistência financeira no quadro da crise da dívida soberana, anuncia que o vai terminar mesmo em dezembro, como previsto, e regressará aos mercados sem qualquer pedido de «programa cautelar».

 

Na reta final de 2013 e até ao presente, há uma série de acontecimentos que obrigam a União Europeia a agir e a intervir, como o naufrágio de 300 imigrantes em Lampedusa, Itália. Durão Barroso afirmou que jamais esqueceria a imagem de centenas de caixões, apelando à solidariedade entre os Estados-membros.

 

Em novembro de 2013, na Ucrânia, começam as grandes manifestações contra a decisão do governo de não assinar um acordo com a União Europeia e reforçar as relações com a Rússia. É o início de um longo conflito, que se tornará também militar.

 

Já este ano, em março, num referendo considerado ilegal pela comunidade internacional, a Crimeia decide tornar-se independente da Ucrânia e anexar-se à Rússia, levando a UE a aplicar, no dia seguinte, a primeira de uma série de sanções a Moscovo.

 

Num encontro com jornalistas, Durão Barosso confessou que o seu mandato termina com «uma das mais graves crises» a nível de política externa e segurança desde a «Guerra Fria», provocada pelas posições da Rússia no conflito com a Ucrânia.

 

É nesse mês que Durão Barroso confirma em Dublin, numa cimeira do Partido Popular Europeu, que não é candidato a um terceiro mandato à frente da Comissão Europeia, e da reunião sai eleito como candidato a candidato o luxemburguês Jean-Claude Juncker, que virá a ser designado pelo Conselho na sequência do triunfo do PPE nas eleições europeias de maio.

Mas pertence ainda ao «reinado» de Barroso a assinatura do acordo interinstitucional sobre o mecanismo de resolução de bancos, o segundo pilar da união bancária e Durão Barroso sai com a alegria de ver o Governo português anunciar que, tal como a Irlanda, também Portugal terminará o respetivo programa de assistência na data prevista, 17 de maio, e sem recurso a qualquer programa cautelar.

 

«A função mais difícil de desempenhar em todo o mundo ocidental»

 

É deste caminho trilhado que José Manuel Durão Barroso se afirma «orgulhoso» pelo trabalho feito nos últimos dez anos à frente da Comissão Europeia, sublinhando que exerceu o cargo nos «tempos mais difíceis da história» da União Europeia, com várias crises de diferente natureza.

 

«O anterior comissário responsável pelas Relações Externas, Chris Patten, descreveu a missão do presidente da Comissão Europeia como ‘a função mais difícil de desempenhar em todo o mundo ocidental’. Após 10 anos no posto, acho que posso concordar com esta afirmação», declarou Durão Barroso, num testemunho escrito divulgado por ocasião da sua despedida perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

 

«Auf Wiedersehen, goodbye, au revoir, adeus»

 

David Cameron, chefe do Governo britânico, também diz «goodbye» a Durão Barroso, envoltos numa polémica. Barroso criticou a proposta de alteração da lei da imigração no Reino Unido e as suas palavras caíram mal em terras de sua majestade, que pondera um referendo para analisar as suas relações com os outros países da família europeia.

 

Nem sempre a União foi exemplo de união entre os ideais dos seus membros, mas, no seu discurso de despedida, o português destacou que a a União Europeia tinha 15 Estados-membros e que hoje são 28, o que considerou que mostra a «resiliência e força» do projeto europeu.

 

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, instado pela Lusa a fazer um balanço dos 10 anos de mandatos de José Manuel Durão Barroso à frente do executivo comunitário, considerou que «há que distinguir duas coisas», a forma como o antigo primeiro-ministro saiu de Lisboa rumo a Bruxelas, no verão de 2004, e o trabalho feito ao longo dos últimos 10 anos na Comissão Europeia.

 

Quanto ao papel de Durão Barroso enquanto presidente da Comissão, considera que, embora o tenha desempenhado «com a imparcialidade que o cargo impunha», Portugal «não deixou de beneficiar», pela atenção dada; já quanto à forma como saiu de Lisboa para rumar a Bruxelas, admite que a «rutura, tal como foi feita», teve consequências para o país, provocando um período «complicado».

 

Dos tempos estudantis, quando fazia parte do Movimento Revolucionário do Proletariado Português (MRPP), e o «adeus» ao Berlaymont, o quartel-general da Comissão, que liderou ao longo dos últimos dez anos, houve um longo percurso na sua carreira política, que irá interromper, pelo menos para já.

 

Durão Barroso ainda não abriu o jogo quanto ao seu futuro, embora seja falado e comentado como um dos nomes que a Direita pode lançar para a corrida a Belém, num hipotético regresso à política doméstica. 

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