A Comunidade Israelita de Lisboa manifestou esta segunda-feira o seu “profundo desagrado” com a passagem do músico Roger Waters por Portugal este mês, para dois concertos em Lisboa, motivado pelo “discurso público antissemita” do fundador dos Pink Floyd.
Num comunicado divulgado esta segunda-feira, a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) “torna público o seu profundo desagrado com a vinda do músico a Portugal, um país que tem sabido evitar dar palco ao extremismo e ao discurso de ódio”.
Roger Waters, um dos fundadores dos Pink Floyd, abrirá em Lisboa a etapa europeia da digressão mundial “This Is Not A Drill”, apresentada como “a primeira digressão de despedida” do músico de 79 anos. O concerto marcado para o dia 17 de março, na Altice Arena, esgotou, tendo sido marcado um segundo concerto, no dia seguinte, no mesmo local.
O presidente da CIL, David Botelho, citado no comunicado hoje divulgado, admite que, “porventura, muitas pessoas que irão à Altice Arena, nos próximos dias 17 e 18 de março, não conhecem, ou não têm consciência e compreensão sobre o pensamento do músico Roger Waters, vão apenas a um concerto, ouvir música e divertir-se, desconhecendo e relativizando – uns e outros – o que pensa e diz Roger Waters sobre o povo judeu e Israel”.
“A empresa produtora do evento que convidou Rogers Waters, com elevada probabilidade, também não considerou a dimensão antissemítica do artista – apenas a de negócio – quando efetuou o convite para que atuasse dois dias consecutivos em Lisboa. Sem prejuízo da liberdade artística, de criação, de pensamento e de discurso, teria sido importante que a empresa que o convidou tivesse feito essa avaliação prévia. Assim, ficará a dúvida se são coniventes com o pensamento do músico em relação ao povo judeu e a Israel”, lê-se no comunicado.
A CIL salienta que não condena “quem age por desconhecimento ou ignorância” e não julga “sem conhecer motivações”, recordando que “a cidade alemã de Frankfurt cancelou muito recentemente um concerto do músico […] agendado para o próximo dia 28 de maio na Festhalle – um espaço que foi palco de enormes atrocidades antissemitas em 1938 e no qual foram detidos mais de três mil judeus”.
“Atendendo às conhecidas atitudes de apoio a movimentos extremistas anti-Israel e anti-judaicos e ao discurso público antissemita de Roger Waters, seria ainda mais inconcebível e incompreensível que, naquele local em particular, que é propriedade pública (do município e do Estado de Hasse) pudesse haver outro desfecho que não este. A Comunidade Israelita de Lisboa, evidentemente, felicita as entidades públicas alemãs pela decisão que tomaram”, lê-se no comunicado.
Frankfurt rejeitou em particular "as teorias antissemitas de conspiração" difundidas por Waters nas redes sociais.
A CIL lembra também que, “antes de Frankfurt, já a Polónia havia promovido ativamente o cancelamento de um concerto de Roger Waters”.
Os dois concertos em Cracóvia, na Polónia, foram cancelados devido ao posicionamento de Roger Waters em relação à guerra na Ucrânia. O músico atribui a responsabilidade pelo início do conflito aos “nacionalistas extremistas” ucranianos e critica a NATO e o Ocidente por fornecerem armas ao exército ucraniano.
Em setembro do ano passado, incitado pelos fãs, Roger Waters escreveu uma carta aberta ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, dizendo que não quer que o mundo acabe numa guerra nuclear, porque tem filhos e netos, tal como a maioria “dos seus irmãos e irmãs um pouco por todo o mundo”.
“A sua invasão da Ucrânia apanhou-me completamente de surpresa; foi um ato bélico hediondo de agressão, tenha ou não sido provocado”, disse na altura.
A CIL sublinha que repudia “veementemente uma visão do mundo assente na intolerância, no discurso de ódio e na xenofobia”.
“Estes são comportamentos perigosos, que devem ser combatidos com elevação, serenidade e dignidade, mas também com empenho, sobretudo se forem praticados por figuras públicas com capacidade de fazerem chegar as suas ideias a milhões de pessoas”, defende.
Caso os concertos de Roger Waters em Lisboa se realizem, como está previsto, a CIL defende que esta ocasião “deve constituir-se como uma oportunidade para se refletir sobre a importância de a tolerância triunfar sobre o ódio, a moderação sobre o extremismo, a verdade sobre a mentira”.
“E, por conseguinte, sobre as instituições e organizações, todas sem exceção, ponderarem bem os convites que fazem a quem professa ideologias xenófobas e antissemitas, porque a elas ficarão indelevelmente ligadas”, conclui.
A digressão “This Is Not A Drill” de Roger Waters deveria ter acontecido em 2020, mas foi adiada por causa da pandemia da covid-19. O músico só arrancou com o novo espetáculo em julho do ano passado, com uma extensa viagem pela América do Norte, que terminará em outubro no México.
Em nota de imprensa, o músico explica que esta digressão é “uma inovadora e cinematográfica extravagância de rock and roll”, com “dezenas de grande canções da era dourada dos Pink Floyd e também algumas novas canções”.