O que é que aconteceu nos gasodutos Nord Stream? Qual o impacto ambiental das fugas? O que se sabe até agora sobre o incidente que pode agravar a crise energética na Europa - TVI

O que é que aconteceu nos gasodutos Nord Stream? Qual o impacto ambiental das fugas? O que se sabe até agora sobre o incidente que pode agravar a crise energética na Europa

Ato de sabotagem ou acidente, as fugas de gás vêm agudizar o panorama energético da Europa

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Desde segunda-feira que a Europa está de olhos postos no Mar Báltico, resultado das fugas de gás verificadas nos gasodutos Nord Stream 1 e 2. A CNN Portugal fez um guia com o que se sabe até agora sobre o incidente.

O que aconteceu?

Na madrugada de segunda-feira, foi reportada uma redução drástica da pressão no Nord Stream 2, de 105 para 7 bar, um indicador de que haveria uma fuga no gasoduto.

Nesse mesmo dia, a Dinamarca enviou caças para o local do incidente, a 23 quilómetros da ilha do Bornholm, que confirmaram visualmente, através do borbulhar da água, a existência de uma fuga de gás. A hora exata da fuga, 02:03 da manhã, foi determinada por sismólogos nos países vizinhos, que reportaram a ocorrência de um sismo de 1.8 na escala de Richter precisamente na zona da fuga.

No dia seguinte, a Autoridade Marítima da Suécia emitiu um alerta para a existência de duas fugas de gás no Nord Stream 1, uma na zona económica exclusiva do país e outra na dinamarquesa. Também na terça-feira, a empresa que gere o gasoduto, a Nord Stream AG, comunicou que três condutas junto à costa do Mar Báltico tinham sofrido “danos sem precedentes”, e que seria impossível prever quando o abastecimento a 100% poderia ser retomado.

Já esta quinta-feira, a Guarda Costeira da Suécia anunciou a deteção de uma quarta fuga de gás no Nord Stream 1, a segunda na zona económica exclusiva do país nórdico. “Trata-se de um grande derrame de cerca de 900 metros de diâmetro e outro mais pequeno de cerca de 200 metros”, disse Jenny Larsson, porta-voz da Guarda Costeira, ao jornal Svenska Dagbladet.

Qual foi a reação dos principais 'atores'?

Na terça-feira, um porta-voz da Comissão Europeia garantiu que a instituição estava a “monitorizar a situação”, sem adiantar mais pormenores. Mais tarde, nesse mesmo dia, a presidente Ursula von der Leyen avançou que a fuga de gás registada nos gasodutos Nord Stream ocorreu devido a "sabotagem", e prometeu que Bruxelas daria “a resposta mais forte possível” a qualquer disrupção deliberada do fornecimento de energia ao bloco europeu.

Também o secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg reagiu na mesma linha, garantindo que “qualquer ataque deliberado contra infraestruturas críticas será alvo de uma resposta unida e determinada”.

A tese de sabotagem foi corroborada pelo Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Josep Borrell, que afirmou que os danos nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 "não são coincidência", dizendo mesmo que "toda a informação disponível indica que as fugas de gás são resultado de um ato deliberado".

"Vamos apoiar qualquer investigação dirigida a obter total clareza sobre o que aconteceu e porquê, e vamos dar mais passos para aumentar a nossa resiliência na segurança energética", disse Borrell. 

O Ministério Público da Suécia, por seu turno, já abriu uma investigação formal ao caso, com a polícia sueca a confirmar que as autoridades irão averiguar se houve ou não sabotagem. Também a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen afirmou que este cenário “não poderia ser descartado”, e considerou “improvável” que as fugas sejam uma “coincidência”.

O chefe do governo polaco Mateuz Morawiecki foi o primeiro responsável governamental a ligar o sucedido no Mar Báltico com o atual conflito na Ucrânia.

"Hoje enfrentámos um ato de sabotagem, não conhecemos todos os detalhes do que aconteceu, mas vemos claramente que é um ato de sabotagem, relacionado com o próximo passo da escalada da situação na Ucrânia”, disse Morawiecki, citado pela Al Jazeera.

Quem é o responsável?

Até agora ainda não se sabe quem foi o responsável pela alegada sabotagem, mas alguns Estados, como a Polónia e a Ucrânia, apontaram a Rússia como o principal culpado.

No Twitter, o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak afirmou que as explosões nos gasodutos eram um “ataque terrorista russo”.

“A ‘fuga de gás’ do Nord Stream 1 nada mais é do que um ataque terrorista planeado pela Rússia e um ato de agressão contra a União Europeia. A Rússia quer desestabilizar a situação económica na Europa e causar pânico antes do inverno”, escreveu.

O ministro dos Negócios Estrangeiros polaco Zbigniew Rau também inferiu que estas fugas podem ser resultado da campanha de Moscovo contra o Ocidente. "As explosões tiveram lugar muito perto das águas territoriais dinamarquesas, mas não dentro delas, porque isso teria significado o território da NATO. Isto pode significar que alguém está a tentar intimidar os países do Mar Báltico", disse, citado pela CBC.

O Kremlin, que garantiu estar “bastante preocupado” com as fugas de gás e afirmou que a possibilidade de um ataque “não deveria ser excluída”, refutou as acusações. O porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, classificou as alegações como “estúpidas, absurdas e previsíveis”.

Peskov apelou "a todos" para refletirem antes de falarem e pediu para se aguardar pelos resultados das inspeções que vão determinar se as fugas foram provocadas por "uma explosão ou não”. “Esta situação exige diálogo e uma interação rápida entre todas as partes para se descobrir o que aconteceu. Até este momento, constatamos a ausência total de diálogo", afirmou.

Esta sexta-feira, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, devolveu as acusações, afirmando que as fugas ocorreram em território controlado pelos serviços de informação dos Estados Unidos e da NATO.

“Aconteceu nas zonas comerciais e económicas da Dinamarca e da Suécia. São países NATO-cêntricos. São países que são completamente controlados pelos serviços de informações dos EUA”, sublinhou Zakharova.

À CNN Portugal, o especialista em assuntos internacionais Tiago André Lopes afirmou que a tese de que a Rússia terá atacado os gasodutos era “exagerada”. “Parece que é um pouco exagerada a tese de que a Rússia se iria automagoar, porque isto seria basicamente infligir um dano a si própria. O Nord Stream continua a ser uma das maiores fontes de receita da Rússia. Apesar de haver um redireccionamento da energia para Oriente, a energia vendida à Europa continua a ser, em volume e relevância, continua a arrecadar uma parte significativa da receita que Moscovo terá este ano”, refere.

Tiago André Lopes diz que, desse ponto de vista, a contestação russa tem “alguma lógica”. “Há aqui um excesso de apontar à Rússia e ao Kremlin qualquer coisa que corra mal. Há outros atores envolvidos”.

Quais as consequências políticas e económicas?

Tiago André Lopes apontou como consequências principais a diminuição dos stocks de gás na Europa e consequente aumento dos preços.

“Estas fugas vão levar a uma redução do fluxo de gás para a Europa, o que leva a um inevitável aumento dos preços. Vão colocar maior pressão sobre os stocks que os Estados tentaram armazenar entre maio e setembro, e que agora, obviamente, serão aos poucos delapidados, e vão colocar a Europa numa posição de maior dependência, o que reduzirá a sua independência para tomar decisões políticas”, vaticinou o professor universitário.

Na terça-feira, os preços do gás na Europa registaram subidas acentuadas. De acordo com dados recolhidos pela Bloomberg, o preço do gás nos Países Baixos subiu 7% para 186 euros por MWh (megawatt-hora) no dia 27 de setembro. No Reino Unido, o aumento foi de 6,2%.

O gás natural está neste momento três vezes mais caro do que antes da invasão da Ucrânia, e as fugas nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 vieram agudizar ainda mais o panorama energético europeu.

Como se não bastasse, na quarta-feira, surgiu no Velho Continente a preocupação de que a Rússia poderia interromper o fornecimento de gás através da Ucrânia, reduzindo ainda mais drasticamente o fluxo recebido pela Europa. De acordo com o índice neerlandês, que serve de referência para o continente, o preço das entregas de gás para outubro subiu 16,10 euros para os 200,10 euros por MWh.

Qual o impacto ambiental das fugas?

Nenhum governo europeu sabe ao certo a quantidade de gás que foi e está a ser libertada em consequência das fugas. Peritos citados pelo Politico afirmam que a quantidade total de gás nos gasodutos situa-se entre 150 e 500 milhões de metros cúbicos.

De acordo com estes dados, Paul Balcombe, professor de engenharia química no Imperial College London, afirma que a fuga pode ter libertado 200 mil toneladas de metano. Para termo de comparação, a maior fuga de gás registada ocorreu em 2015 no depósito de armazenamento de Aliso Canyon, na área metropolitana de Los Angeles. Ao longo de meses, foram libertadas cerca de 90 mil toneladas de metano, menos de metade da estimativa avançada por Balcombe.

As emissões de CO2 previstas também são preocupantes. A Agência Dinamarquesa da Energia estima que as fugas de gás possam corresponder à libertação de 14 milhões de toneladas de CO2, o que corresponde a 32% das emissões anuais do país. Por outro lado, a sua congénere alemã afirma que as emissões resultantes irão equivaler à libertação de 7,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono, cerca de 1% do total anual emitido pela Aleamanha.

Ao Politico, o cientista David McCabe, da Clean Air Task Force, afirma que este desastre pode “não ter precedentes”, enquanto Jeffrey Kargel, do Planetary Research Institute, diz que as fugas podem ser consideradas “crimes ambientais” caso tenham sido causadas deliberadamente.

No entanto, o próprio Kergel desdramatiza o evento. "A quantidade de gás perdida no gasoduto é obviamente grande, mas não é o desastre climático que se poderia pensar", garante, frisando que as emissões resultantes desta fuga são apenas uma pequena fração do total anual.

"Isto é uma pequena bolha no oceano em comparação com as enormes quantidades do chamado ‘metano fugitivo’ que são emitidas todos os dias em todo o mundo devido a coisas como o fracking e a extração de petróleo e carvão”, corrobora Dave Reay, diretor-executivo do Edinburgh Climate Change Institute.

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