Elas falam da maternidade com amor e humor. As 'influencers da maternidade' que usam as redes sociais como terapia - TVI

Elas falam da maternidade com amor e humor. As 'influencers da maternidade' que usam as redes sociais como terapia

Maria Inês Mano e Susana Almeida

Porque ter filhos não é exatamente como nos anúncios das papas infantis, Maria Inês e Susana começaram a usar as redes sociais para falar da “maternidade real” com muito humor à mistura. Contam episódios caricatos do dia a dia, desmistificam tabus e desconstroem ideias feitas. No Dia da Mãe, fomos conhecer estas duas mulheres que têm milhares de seguidores e, com a sua visão menos tradicional do mundo das fraldas e das birras, ajudam e inspiram milhares de mulheres

O argumento do vídeo é simples: uma mulher desesperada a varrer a água da praia, com a legenda “Como é a sensação de manter a casa arrumada, quando tens filhos”. O reel de Maria Inês Mano publicado no Instagram há cerca de um mês teve mais de 22 500 gostos e quase mil comentários. E nem foi dos que obteve mais interações. Seis dias antes, por exemplo, Maria Inês publicou outro: ela entra na sala e na cozinha, com ar deprimido, olha em volta e vê a casa desarrumada, com a legenda “És mãe, decidiste descansar no fim-de-semana e agora é segunda”. Este vídeo teve mais de quatro mil gostos.

São dois exemplos dos conteúdos que Maria Inês Mano publica e que mostram a forma descomplexada e humorada como encara a maternidade e o casamento. Mas também aproveita para falar de coisas sérias, como a importância de falar com as crianças, desde tenra idade, sobre prevenção de abusos sexuais. Chega a ser comovente o vídeo em que aparece no banco do pendura do carro, com o filho no banco de trás, enquanto cantam uma canção sobre limites. “O meu corpo é só meu, ninguém toca se eu não quiser. Eu é que sei do meu corpo, ninguém toca se eu não quiser. Ah ah ah Eh eh eh”, ouve-se mãe e filho a cantar.

Maria Inês Mano não faz das redes sociais vida. Pelo menos ainda… É bancária e tem dois filhos, o Lourenço, de quatro anos, e Carminho, de um. É um esforço grande, admite, conciliar trabalho, filhos e os vídeos e publicações na página. “Mas é fácil de gerir, porque quero muito que isto funcione”, diz.

“Na realidade, tenho dois empregos. Onde é que arranjo tempo? Não sei. Há semanas, em que consigo, ao fim de semana, organizar a minha semana de publicações. Há outras em que não me consigo organizar e gravo uns dias para publicar nos seguintes”, confessa.

Embora a sua vida profissional não passe por aqui, publica regularmente vídeos carregados de humor, ironia e sarcasmo e alguns mais sérios sobre esta árdua tarefa de ser mãe. O objetivo é mostrar que ser mãe “é maravilhoso”, mas não como pintam nos anúncios publicitários. E este novo twist no Instagram de Inês deu-se precisamente com um desabafo.

Lourenço, "a estrela" e um bolicao com sabor a bacalhau… ou o contrário

“O meu Instagram já deu várias voltas. Tenho Instagram há muito tempo. Foi através dele que eu conheci o meu marido e pai dos meus filhos. Em 2015, eu queria ser saudável, publicava no meu Instagram dicas e receitas. Foi acompanhando as fases da minha vida… Sou de perto de Coimbra. Quando vim para Lisboa, acabei por me distanciar de alguma forma da página, até me reencontrar nela depois de ter sido mãe”, começa por contar.

“Quando tive a minha segunda filha no hospital, não conseguia estar feliz porque não tinha o meu filho comigo. Só consegui estar feliz quando estivemos todos juntos outra vez. Quando publiquei isto, recebi uma onda enorme de mensagens, de mulheres a dizer que se identificavam comigo”, recorda.

Não faz disto profissão, mas leva a página muito a sério. Procura publicar conteúdos, “sempre com a parte que me caracteriza, que é o humor”. “Eu própria acabo por me divertir a publicar isso”, confessa.

Maria Inês Mano admite que se diverte muito com as próprias publicações que faz no Instagram. (Instagram Maria Inês Mano)

Recentemente, um vídeo que publicou tornou-se viral. Foi um daqueles vídeos não planeados, sem guião e que mostram apenas uma conversa com o filho Lourenço a contar que foi ao supermercado e comprou “bacalhau”. “Posso comer um bacalhau de chocolate?”, pergunta o pequeno enquanto pega num saco de Bolicao que tinha comprado com o pai.

“O vídeo do Bolicao, que foi incrível, são daquelas coisas não planeadas. Mas o meu filho Lourenço é uma estrela. Foi um vídeo muito viral que chegou a muita gente. Tive marcas de bacalhau a quererem enviar-me bacalhau cá para casa, para o Lourenço comer bacalhau em vez de Bolicao. Assim como a Bolicao me quis enviar”, conta, divertida.

O apoio do marido "especial"

O vídeo teve mais de 130 mil likes e quase 1.700 comentários. Maria Inês tem perto de 70 mil seguidores, o que já torna o projeto atrativo para muitas marcas. Amaciadores de roupa, repelentes de mosquitos, lojas de artigos desportivos ou mesmo marcas de fraldas são exemplos de produtos que já apostaram na página de Maria Inês e sobre os quais ela publicou conteúdos. Sempre vídeos criados por ela.

“Publico vídeos inspirados em influencers estrangeiras, sempre com referência à inspiração. Mas tenho vídeos 100% originais, com as minhas ideias. Invisto muito nas publicidades, porque sinto que as publicidades têm de estar de acordo com os meus princípios e com os das marcas. Quando tenho as melhores ideias é quando estou a adormecer a minha filha”, revela.

O marido, Luís Filipe Vieira, é protagonista assíduo dos vídeos de Maria Inês. Embarca nas suas “loucuras” sem pestanejar. “O meu marido é especial. Ele quer que eu seja feliz e sabe que eu estou no caminho para isso. E como quer que eu seja feliz, vem sem questionar”, elogia.

Também bancário, Luís Filipe Vieira até já tentou uma incursão no mundo da influência digital, com a parentalidade em pano de fundo. Mas é muito menos assíduo do que Maria Inês e a página não é atualizada desde meados de fevereiro.

Uma "terapia"

Susana Almeida é o nome por trás da página Ser Super Mãe é Uma Treta. Tal como Maria Inês Mano, também teve na sua génese a desconstrução do mito romântico da maternidade. “Já vai fazer sete ou oito anos que eu comecei a escrever. A minha filha tem 11 e o meu filho vai fazer nove anos. Nunca tive visões muito utópicas sobre a maternidade. Mas quando ela nasceu e me confrontei logo com a amamentação, as noites mal dormidas… percebi que era muito difícil e muito pouco romântico”, recorda.

Susana Almeida começou por escrever pequenos desabafos que mostrava aos amigos. (Facebook Ser Super Mãe é uma Treta)

Na altura em que criou o blogue e a página no Facebook, havia poucas mães com “coragem” para falar do lado menos bonito de ser mãe. “E quando apareceu era muito à base da publicidade”, lembra Susana.

Por isso, sentia-se sozinha nos sentimentos que a assolavam. E começou a escrever, em primeiro lugar, para si. “Quando o Tiago nasceu vivi quase cinco anos de privação de sono. Escrevia uns desabafos que partilhava com os meus amigos. Era uma terapia para mim, para não me meter no álcool e nos comprimidos”, brinca.

Incentivada pelo círculo restrito que a lia, Susana começou a partilhar com o mundo os tais “desabafos”: “Como eu escrevia como se fosse para mim, comecei a receber muitas mensagens de outras mães que se identificavam”. E, no início, reconhece, sofreu com as críticas. Lembra que “havia muitos comentários de ‘uma mãe não pensa assim’, ou ‘tu não gostas dos teus filhos’". São comentários que ainda lê nas suas redes sociais, mas que se tornaram mais raros. Susana lembra que no início sofria com esses comentários, porque lhes dava “mais valor do que o que eles tinham” e sublinha: “Ao dizer que está cansada, por exemplo, não implica todo o lado positivo da maternidade”.

Um blogue que deu em livro

Susana tem quase 25.500 seguidores no Instagram. No Facebook, são mais de 135 mil. O blogue, entretanto, resultou num livro, que Susana recorda com carinho. “Sempre gostei muito de escrever. A editora contactou-me para saber se queria escrever um livro. Fiquei um pouco assustada. Combinei com eles que tinha de ser no meu registo. Gostei muito. É uma espécie de carta de amor aos meus filhos. Espero que eles um dia compreendam que esta ideia de ‘super-mãe’, de ‘super-mulher’ não existe”, diz.

Nunca “quis nada” com marcas e com publicidade: “Sempre recusei, porque eu acho que nos condiciona. Acho que é preciso ter um certo perfil para isso. E eu não tenho. Não condeno quem o faz, atenção! Mas eu é que não tenho esse espírito, nem nunca tive. Receber coisas em casa e depois fazer publicidade… Entretanto, rejeitei tanta coisa de agências e de marcas, que, hoje em dia, são eles que já não me mandam. Se me aparecer uma coisa por mês é muito”.

Mas há outra razão para não aderir à publicidade nas páginas da Ser Super Mãe é Uma Treta e prende-se com o rumo que o blogue e as páginas entretanto seguiram. Susana já não fala tanto dos próprios filhos, mas antes da maternidade em geral e, sobretudo, da sua experiência enquanto estudante universitária, um sonho que resolveu cumprir quando ficou desempregada. “Agora até escrevo mais sobre a faculdade e sobre o crescimento deles, de não serem nossos … esta coisa das redes sociais pode ser muito cruel e há adultos que lidam com eles e que me leem, como os professores ou as auxiliares das escolas. Prefiro não os expor”, explica.

“Agora que a minha filha já tem 11 anos, procuro ter mais cuidado, não é só a proteção da imagem, mas também a personalidade”, acrescenta.

Aliás, mesmo quando falava especificamente dos filhos e das situações que vivia com eles diretamente, procurava não os expor. “Tentei sempre nunca mostrar a imagem deles. Nunca mostrar fotografias à porta da escola, onde vivemos… E a publicidade implicaria também expor-lhes a imagem. Não condeno quem o faça, porque cada um sabe de si, mas nem todo o dinheiro que uma marca nos pague vale essa exposição dos nossos filhos, na minha opinião. Aliás, há aqui um grau de exposição que não é regulamentado sequer”, sublinha.

Aliás, Susana faz questão de fazer, nas suas redes sociais, pedagogia sobre as implicações da exposição das imagens das crianças nas redes sociais e sobre outros assuntos.

Mais do que um babyblog, "uma comunidade"

Susana Almeida diz-se pouco disciplinada no que diz respeito às publicações, mas sempre procurou um nível de interação com as seguidoras que transformaram a página numa espécie de grupo de entreajuda. “Sempre vi a página como uma comunidade. Mesmo que eu não conseguisse responder, havia sempre muita interação entre mães nas caixas de comentários”, orgulha-se.

Quando olha para trás e para o percurso feito, agora que o Ser Super Mãe é Uma Treta está a traçar outros caminhos, Susana faz uma espécie de balanço: “Se calhar poderia ter ganho dinheiro com isto, mas não sentiria esta realização”.

Susana foi uma das pioneiras da maternidade real nas redes sociais. Mas não foi a primeira a falar disto de ser mãe sem o romantismo a que estamos habituados. Antes dela, já um trilho havia sido traçado por Sónia Morais Santos, do blogue Cocó na Fralda. Sónia tem 110 mil seguidores no Facebook e quase outros tantos no Instagram. O blogue já completou 16 anos e é uma referência para muitas mulheres que não se reveem na maternidade romantizada e procuram indícios de que não estão sozinhas nesta visão.

Sónia descreve o seu trabalho como “peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão)”. As histórias dos quatro filhos inspiraram mais do que uma geração de mães e deram origem a livros como “Cocó na Fralda – os desabafos de uma mulher sobre os imprevistos da vida em família” (2012), ou “A culpa não é sempre da mãe” (2014) e também aos livros infantis “Histórias Viradas do Avesso” (2019 e 2020). Agora, o trabalho de Sónia virou ele próprio uma marca, é mais abrangente e aborda outras questões que não só a maternidade.

À semelhança de Sónia, Susana ou Maria Inês, também Carmen Garcia, A Mãe Imperfeita, se tornou uma referência para muitas mães. Principalmente porque as divertia com o humor acutilante com que escrevia os posts e com as rubricas como as respostas às questões mais escabrosas colocadas nos grupos de mães no Facebook. Atualmente, Carmen tem o blogue em standby, mas alimenta regularmente a página do Facebook (quase 200 mil seguidores) e do Instagram (111 mil seguidores), com posts que podem ir das peripécias dos filhos Pedro e João a assuntos mais sérios da sociedade.

Tudo começou sob o lema “Porque a maternidade é difícil. E as mães precisam de rir”, mas hoje, Carmen Garcia, enfermeira de profissão, publica regularmente as suas crónicas no jornal Público e tem nove livros publicados, cujas temáticas vão da maternidade à terceira idade, uma área a que se tem dedicado profissionalmente nos últimos anos, passando pelo romance e pelas histórias infantis. Mas os posts divertidos sobre os filhos Pedro e João que faz no Facebook e no Instagram continuam a fazer as delícias das seguidoras.

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