Insubordinação "dificilmente será aplicada à PSP" e baixas fraudulentas são difíceis de provar. O que podem esperar disciplinarmente as forças de segurança após as ameaças do ministro - TVI

Insubordinação "dificilmente será aplicada à PSP" e baixas fraudulentas são difíceis de provar. O que podem esperar disciplinarmente as forças de segurança após as ameaças do ministro

Manifestação de polícias (Estela Silva/Lusa)

Especialistas ouvidos pela CNN Portugal alertam que eventuais processos disciplinares têm de ser sempre individuais e podem ser demorados. A veracidade da alegada doença que motivou o atestado médico pode ser difícil de provar

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Os polícias que alegaram baixa médica para não comparecer ao jogo entre o Famalicão e o Sporting da última jornada podem, em última instância, ser suspensos se se vier a provar que o atestado por doença era fraudulento. Contudo, três especialistas ouvidos pela CNN Portugal concordam que será difícil provar que estes agentes não estavam efetivamente doentes.

“Não sabemos até que ponto é que estes agentes não se sentem bem psicologicamente para exercerem as suas funções. E se forem ao médico e lhe pedirem uma baixa por esse motivo, na primeira vez que é confrontado com este argumento, o médico acaba por ceder, porque não tem como aferir a validade deste argumento”, considera Patrícia Baltazar Resende, advogada especialista em direito laboral.

Maurício Neves, advogado especialista em Função Pública, lembra ainda que “se tem falado muito de problemas de burnout nas forças de segurança e estes polícias podem preencher os requisitos para lhes ser passado um atestado por doença”. “Não é uma prova muito fácil de fazer, porque implica uma série de provas e algumas de cariz muito subjetivo”, corrobora.

Os especialistas lembram que há vários fatores a ter em conta, numa eventual investigação aos agentes que alegaram doença para não comparecerem no jogo entre o Famalicão e o Sporting do último sábado. O Ministério da Administração Interna (MAI) já abriu um inquérito ao caso e a Ordem dos Médicos também já pediu esclarecimentos.

“Há vários pormenores a ter em conta. Desde logo se foi um único médico a passar todas as baixas, se foram médicos diferentes. Se foram declarações do hospital ou do centro de saúde. Ou se foram autodeclarações de doença. Nesse caso, diria que foi o próprio Estado que se colocou numa situação delicada. Porque aí é mais difícil de provar que se trata de uma fraude. E, além disso, há sempre a presunção de inocência, que é aplicada num processo disciplinar como é aplicada num processo-crime”, explica o advogado Maurício Neves.

Processo demorado

O resultado do inquérito aberto pelo MAI pode demorar a ser conhecido, já que se trata de um processo longo e com vários passos e prazos a cumprir. Haverá, numa primeira fase, um processo de averiguações, que irá determinar se há lugar a processo disciplinar e se este será aplicado a todos os agentes envolvidos. Após um eventual processo disciplinar, haverá uma acusação, seguida da aplicação de eventuais sanções disciplinares.

“Se for verdade e se se vier a confirmar que se tratava de baixas fraudulentas, há aqui lugar a infrações disciplinares como desobediência a ordens, incumprimento do dever de lealdade ou de respeito pelos estatutos. Pode constituir uma infração disciplinar grave e levar à aplicação da sanção de multa ou suspensão dos autores, ou muito grave e, no limite, levar á inviabilização da relação funcional”, aponta Maurício Neves.
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“Diria que até por uma questão política poder haver aqui alguma urgência. Diria que poderá haver aqui alguma diligência. Mas há prazos a cumprir e testemunhas a ouvir. Pode ser um processo demorado. É uma questão que não poderá ser dirimida em questões de semanas. Diria que, meses a correr muito bem, menos de três meses não seria um prazo plausível”, considera o advogado.

O constitucionalista Jorge Pereira da Silva lembra, contudo, que pode nem sequer haver lugar a processo disciplinar individual. “Pode não passar do processo de averiguações, que não tem de ser individual. Nesse processo de averiguações pode apurar-se a quem de facto se deve aplicar um processo disciplinar. Se ficar provado, logo no processo de averiguações, que os polícias estavam efetivamente doentes, já não há lugar a processo disciplinar”, explica.

"Insubordinação"?

O ministro da Administração Interna falou de uma eventual “insubordinação” dos agentes em causa, mas os especialistas ouvidos pela CNN Portugal consideram que o termo foi mal aplicado. “O Estatuto da PSP classifica como muito grave os comportamentos de agentes que se traduzam em atos de desobediência, insubordinação ou insubordinação coletiva, contudo, parece-me que não é linear que os referidos comportamentos integrem os referidos conceitos. O termo insubordinação dificilmente será aplicado à PSP”, argumenta Maurício Neves.

“As forças de segurança e forças policias têm um regime disciplinar próprio”, lembra Jorge Pereira da Silva.

O regime disciplinar da PSP está firmado na legislação pela Lei n.º 37 de 10 de maio de 2019, que veio aprovar o novo Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública e revogar a Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro.

As eleições em perigo

Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional dos Polícias, admitiu que as eleições de 10 de março podem estar em risco, em entrevista à CNN Portugal, no sábado. Segundo o dirigente sindical, "poderá haver falta de polícias", recordando que "os boletins de voto são transportados pelas forças de segurança e as urnas de voto também".

O alerta pode vir a trazer implicações para o próprio sindicato, se se concretizar e as eleições tiverem de ser adiadas. “Se se efetivar, pode dar origem a estarmos num Governo de gestão mais uns meses. O Estado pode alegar prejuízo sério pela não realização de eleições que estavam previstas. Para não haver responsabilização do sindicato, é garantir os serviços mínimos e as eleições realizarem-se”, defende Patrícia Baltazar Resende.

A advogada lembra que o regime especial para agentes de segurança e da polícia existe, porque estes “têm de ser o garante de segurança da sociedade”. Daí não lhes ser permitido, por exemplo, fazerem greve.

O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, já veio garantir que as eleições de 10 de março se irão realizar com "total tranquilidade": "Todos os deveres serão garantidos ao abrigo da cooperação entre forças e serviços policiais, e até na cooperação que se estabelece em sede de administração interna, todos os meios serão acionados em caso de necessidade", disse o MAI em entrevista à CNN Portugal.

NOTA DA REDAÇÃO: O texto sofreu pequenas alterações a pedido de uma das fontes contactadas.

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