«Vê-se logo que são emigrantes» - TVI

«Vê-se logo que são emigrantes»

Emigrantes...

Misturam francês com português, conduzem mal e constroem vivendas feias. Meros clichés? PDiário confronta um emigrante «moderno» com estes preconceitos. Quem trabalha lá fora consumia mais em Portugal «quando havia o escudo»

Ouvem-se frases que misturam português e francês e carros de matrícula estrangeira, onde cabe a família inteira. São o bode expiatório quando se fala em vivendas «invulgares» e até pirosas e ainda os acusam de ter uma condução perigosa. Será verdade?

«São muitos os clichés à volta dos emigrantes», afirma José Costa, a antítese de quase todos os preconceitos: é professor universitário, mora e trabalha na Bretanha e foi para França porque se apaixonou por uma francesa. Quanto à língua, frisa que muitos aspectos da «salgalhada linguística» são fáceis de explicar. «Muitos emigrantes, nos finais dos anos 60, início dos anos 70, vindos do interior do país, chegaram a França e depararam-se com uma nova realidade: a poubelle, o caixote do lixo. Estavam habituados a deitar lixo para os animais ou para o chão. O caixote do lixo não fazia parte da cultura portuguesa», explica, justificando, pelo menos, este estrangeirismo.



Já em relação aos filhos dos emigrantes, os que nasceram em França, o professor universitário realça a «falta de acesso» que a segunda geração tem à língua portuguesa. «Nas escolas, a aprendizagem é feita em francês», afirma, acrescentando que estas crianças, «muito por culpa do Governo português, têm um défice de informação sobre o nosso país». Recorrendo à lingua de Victor Hugo, José Costa comenta que estes jovens têm «le cul entre deux chaises» [o traseiro entre duas cadeiras].

Mas não são só expressões como «Michael, viens ici por favor!!» que põem a população urbana em Portugal a rir dos seus emigrantes. Outro preconceito sobre os que moram lá fora é que não dominam o volante. «Outro cliché», frisa José Costa. E contra-ataca: «os portugueses é que conduzem mal».

Os preconceitos em relação aos emigrantes são semelhantes aos que existem entre pessoas de regiões diferentes do país, argumenta o académico de 48 anos. «Os lisboetas também se metem com as pessoas de Viseu por falaram axim», afirma o viseense.

José Costa não se sente emigrante e justifica: «não tenho problemas de identidade. Sinto-me completamente português». Apesar de não assumir a etiqueta, não esconde o sentimento mais associado à emigração: a saudade. «Morre-se em qualquer lado, mas claro que gostaria de voltar a viver em Portugal», admite o professor. E o que mais gosta da terra? «Daquelas coisas típicas, como as tascas, porque o resto, as Zaras e o Corte Inglês, são iguais em todo o lado».

Continuam a existir razões para emigrar? «Mais do que nunca, tendo em conta os «salários baixos em Portugal», remata.

O emigrante dos nossos dias mudou?

«Quando havia o escudo compravam mais», afirma Mariema Gonçalves, directora do centro comercial Fórum Theatrum em Bragança, ao PortugalDiário. «Não digo que o poder de compra tenha diminuído, mas deixaram de comprar tanto em Portugal», acrescenta a empresária. Durante o mês de Verão são os emigrantes que mais visitam o estabelecimento.

Em relação aos outros clichés, a empresária natural de Bragança afirma que nunca ouvir falar da «má condução dos emigrantes», apesar de admitir que «é difícil circular em Bragança porque a população triplica nesta altura do ano».

«Nota-se à distância que são emigrantes»

E como é que se notam que são emigrantes? «É fácil de ver. Nota-se à distância. Falam francês e andam com a família toda atrás», descreve Mariema Gonçalves.

E os emigrantes são bem tratados em Bragança? Mariema Gonçalves tem contribuído para o bem-estar destes portugueses, aliando a solidariedade ao seu negócio. Desde o ano passado, que a empresária recebe os emigrantes «à porta». Em conjunto com a Cruz Vermelha Portuguesa, o Fórum Theatrum, deslocou-se até à fronteira de Quintanilha para oferecer massagens, água, um mapa da cidade de Bragança e outras lembranças aos viajantes. Clichés e preconceitos à parte, cerca de mil emigrantes foram recebidos de braços abertos entre os dias 29 de Julho e 2 de Agosto.
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