Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos - TVI

Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos

Queima das Fitas no Porto

Estudantes queixam-se de discriminação. Até há residências universidades só para brasileiros e outras só para africanos

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Anúncio após anúncio, a jovem brasileira ouve sempre a mesma resposta: «O quarto já está arrendado». Há até quem lhe exija um comprovativo da universidade em como é estudante. Mas a Lusa descobriu que quando o sotaque é português aqueles quartos estão livres.

São cerca de três mil os brasileiros a estudar no ensino superior em Portugal. Os que não têm familiares ou amigos a viver no país atravessam sérias dificuldades para conseguir arrendar um quarto ou uma casa. As raparigas são associadas à prostituição e os rapazes à criminalidade. Há quem acuse os portugueses de «um racismo camuflado».

Maria (nome fictício) sabe, por experiência própria, que as brasileiras têm grande dificuldade em arrendar quartos, mas nada disso a faz desistir de procurar casa em Lisboa ou abdicar do sonho de viver em Portugal.

«Sim, ainda está livre, mas vai ficar no fim da lista e aviso-lhe já que será muito difícil ficar com ele. Há muita gente para ver o quarto e vão ficar à sua frente», é a resposta que ouve do outro lado do telefone.

Passados alguns minutos, a Lusa liga para o mesmo número e o discurso mudou: «Tenho um quarto muito bom que pode ficar em 250 ou em 300 euros, caso opte por ter tratamento de roupa».

Associadas à prostituição

Depois de cinco telefonemas, em que o sotaque brasileiro impediu a estudante de conseguir um quarto, surge finalmente alguém disposto a recebê-la. Mas com uma condição: «Tem de trazer um comprovativo da faculdade em como está a estudar».

«Temos vários relatos de pessoas a quem pediram documentos a mais. E sobre as brasileiras existe um grande preconceito de que possam ser prostitutas e não estudantes», criticou Luís Ricardo Ferreira, presidente da Associação Académica de Aveiro.

Heliana Bibas, da Casa Brasil, reconhece que já foram «mais bem recebidos» e que «em alguns casos a situação tem vindo a piorar», tudo porque «existe um estereótipo do papel do emigrante e uma associação da brasileira à prostituição».

Normalmente, acabam por conseguir casa através da rede de amigos ou familiares já instalados em Portugal, «não recorrendo tanto ao arrendamento clássico», explicou o presidente da Associação de Estudantes da Universidade de Lisboa, Paulo Pinheiro.

Racismo camuflado

Nas cidades universitárias, como Évora, existem residências só para brasileiros e outras só para africanos, outra das comunidades vítimas de discriminação praticada por senhorios.

«Esta situação é antiga e a recusa é permanente. Já houve várias queixas mas não se consegue fazer nada. Trata-se de casos aberrantes da prática de racismo neste país. Em Portugal existe um racismo camuflado», acusou Fernando Cá, presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social.

«Há um anúncio de um quarto e quando ligam para lá dizem que está livre, mas quando lá aparecem os senhorios dizem que já está ocupado. Mas se ligarmos passada meia hora está livre. Tudo devido à cor da pele», alertou.

Segundo Luís Ricardo Ferreira, presidente da Associação Académica de Aveiro, a justificação dada pelos senhorios passa pelo barulho que a comunidade africana faz, apesar de «os portugueses fazerem exactamente o mesmo».

Já o presidente da Federação Académica do Porto, Ivo Santos garante que no Porto não existem preconceitos raciais e recorda que vários africanos já aderiram ao Programa Aconchego, em que um idoso acolhe gratuitamente em sua casa um universitário.

A Lusa ligou para sete anúncios de quartos no Porto e a situação não foi tão gritante como em Lisboa, já que apenas dois mudaram a história consoante o sotaque do «estudante»: num dos casos a inquilina disse que ligava mais tarde, o que nunca aconteceu, e no outro disse que não tinha quartos, mas para a Lusa já tinha «um quarto bom e grande com casa-de-banho privativa».
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