«Queria tanto ver os meus netos que reuni forças» - TVI

«Queria tanto ver os meus netos que reuni forças»

Cancro da mama

Manuela Heitor perdeu medos, ganhou esperança e hoje trata o cancro por «tu». Apesar de ainda ser muito difícil vive um dia de cada vez

Hoje em dia acordo e penso como vai ser o meu dia. Quando muito, como será amanhã. Os meus projectos acabam aqui. Vivo o dia». Manuela Heitor tem 63 anos e há quatro anos tirou o peito direito e gânglios do braço direito. No início, escondeu-se atrás da doença, proibiu a família de contar a quem quer que fosse e recusava-se a pronunciar a palavra «cancro». «Porque achava que era uma palavra muito má, a minha mãe também já tinha morrido com cancro», explica.

Hoje, apesar de ainda não ter ouvido do seu médico que está curada, e das dores persistentes que a atiram para a realidade, fala de esperança, de fé e irradia força nas palavras. Na voz sente-se coragem. «Tem de ser. É para o meu marido não se ir abaixo. Ele é muito sensível, sabe? Tenho de ser mais forte para ele não ficar mal». Percebemos. «E gostava de ver os meus netos crescer. São eles que me dão força».

Manuela Heitor sentiu as primeiras dores em Outubro de 2004, quando estava em casa a fazer tapetes de arraiolos, «uma espécie de picada no peito», que não parava. Tomou ben-u-ron e a dor aliviou. «Pensei que era do esforço, do trabalho que estava a fazer, mas mais tarde, quando entrei na sala estavam a falar na televisão sobre o rastreio do cancro da mama e decidi apalpar do lado direito. Senti logo. Apalpava uma coisa dura, tipo um caroço, por baixo do braço. Passei o resto do dia a pensar naquilo, a apalpar o caroço. Mas não falei nada a ninguém».

Às 17 horas não aguentou mais e foi à urgência do SAP. «A médica disse logo que não gostava do que estava a apalpar. Tinha de fazer exames urgentemente. Escreveu uma carta que no dia seguinte entreguei à minha médica de família. Disse-me o mesmo: «Não estou a gostar nada disto». Manuela é que não estava a gostar mesmo nada. Estava em pânico, mas manteve silêncio.

Fez mamografia, ecografia e ainda outro exame cujo nome não sabe precisar. A médica que a assistiu nos exames disse logo que «nada do que estava a ver era bom». Já com os resultados na mão, a médica de família foi peremptória: «Isto que está aqui é para tirar e para raspar». Mas Manuela ainda não sabia se era benigno ou maligno. «Agarrei-me a esta esperança. A gente pensa sempre que pode ser o pior, mas não quer acreditar. Tem sempre esperança que não seja verdade».

«Chorei compulsivamente

Fez uma biópsia e ao final de duas semanas chegou o resultado. «O mundo cai em cima de nós quando nos dizem que é maligno. Não reagi. Saí a correr. Não podia ver a médica à frente. Odiava-a. Tinha mesmo de sair. Quando cheguei cá fora, comecei a chorar compulsivamente».

Entretanto já contava com o apoio da família, apesar de só ter contado depois de ter sido pressionada. «Tinha muito medo de contar. Quando fui fazer as ecografias disse ao meu marido que ia comprar uns óculos, mas ele achou que estava a demorar e quando cheguei a casa as minhas irmãs e ele caíram-me em cima com perguntas. Não aguentei».

Depois o problema foi contar aos filhos. A nora ia ter bebé em Dezembro e a filha em Março. Tinha medo de afectar os bebés. Acabou por contar ao filho e pediu-lhe para ter cuidado a contar. «Foram momentos muito difíceis. Tentei ser forte por causa dos bebés. Fiz sempre por ser mais animada».

Mas até ser operada, conta, «correu tudo mal. A médica encaminhou-me para a maternidade com o argumento de que seria mais rápido, mas não foi. Em Novembro não havia vagas, depois o médico não podia operar-me, depois reformou-se, depois ia ser outro médico, mas meteu-se o Natal, depois as cunhas passaram à minha frente. Só fui operada a 14 de Janeiro. E o pior é que sempre me disseram que depois de fazer a biópsia tinha de ser rápido. E já a tinha feito em Novembro. Pensei muito na morte, não sabia o que me iria acontecer. Todos os dias acordava a pensar nisso... Ainda hoje penso».

Leia aqui a continuação do artigo
Continue a ler esta notícia