«Há corrupção em investigações criminais» - TVI

«Há corrupção em investigações criminais»

José Miguel Júdice

«Pessoas altamente responsáveis têm-me dito isso». Júdice em ENTREVISTA ao PortugalDiário

É muito fácil acabar com as violações ao segredo de justiça. Júdice diz como

Diz que é fácil acabar com a violação do segredo de justiça. Por que ninguém o faz?

Porque não querem. 1) Os portugueses não têm sentido de confidencialidade. Segundo parece, houve um juiz que falou com outro juiz no caso «Casa Pia». Não podia. 2) Serve como moeda de troca para informações. 3) Estratégia de investigação. Para fazer saltar algumas coisas e ver como é que as pessoas reagem. 4) Hoje, acredito que haja métodos sofisticados em mãos de particulares - é crime - e que eles próprios possam estar a fazer escutas e outras formas de captação de informação. 5) Roubar peças processuais. Não há cuidado em desfazer os papéis. Se calhar, quem for ao lixo da PJ...

Há corrupção na investigação?

Imagine que, além de informarem os jornais, informam os criminosos que estão a ser investigados. Admito que aconteça. Pessoas altamente responsáveis têm-me dito isso: que há corrupção na investigação. Onde, não sei.

O que se pode fazer para acabar com as violações ao segredo de justiça?

Se alguém fizer uma leitura com recortes de jornais, sabe que alguns jornalistas têm sempre peças vindas de um dado tribunal, em processos que são diferentes ao longo dos anos. Ora, se formos ver quem são as pessoas que estão envolvidas nesse processo, provavelmente descobre-se que há uma pessoa que aparece em todos. Segundo: se for feita alteração legislativa que permita escutas telefónicas para a investigação do crime de segredo de justiça. Põe-se sob escuta telefónica quem esteja relacionado com o processo e depois descobre-se. Terceiro: nada impede que a investigação criminal siga alguém. Se há suspeita de violação do segredo de justiça é muito fácil: é ver se essa pessoa está ou não a falar com o jornalista. Se chegarmos à conclusão que essa pessoa se encontra sistematicamente com o jornalista e, dias depois, aquele revela um facto que ele sabia, temos aqui um fortíssimo indício. Quarto: se os processos mais polémicos forem guardados em cofres. Quinto: se forem escolhidas para tratar dos processos pessoas que, internamente, se entenda que são mais rigorosas na manutenção do segredo.

Outra medida é diminuir o segredo de justiça. Porque grande parte da sua violação resulta de uma compreensível vontade de informar perante o muro de silêncio. Um colega meu, a quem morreu um sobrinho atropelado, anda, há três anos, a tentar ver o estado do processo e não lhe mostram porque está em segredo de justiça. Isto é absurdo. Se o segredo fosse mais sensato seria menos violado.

Quer comentar esta frase de Paulo Pedroso na carta que escreveu ao PS: «Um dia [direi] o muito que aprendi sobre o funcionamento do sistema judicial e do sistema prisional. De como aqui encontrei faces graves da exclusão social»?

Só quem passa pelas prisões (eu estive preso, sei o que isso é) é que sabe que o sistema protege pouco os arguidos. Fernando Negrão - grande juiz - e que foi objecto de processo de que veio a ser absolvido, teve a dignidade de dizer: «Eu antes de ser constituído arguido nunca pensei que houvesse falta de garantias. Pelo contrário, achava que o sistema dava excesso de garantias. Hoje reconheço que o sistema não dá garantias suficientes».

Os partidos, que estiveram no poder e na oposição, são responsáveis. As leis foram feitas por eles, e algumas estão mal feitas. Agora estão a sentir, e ainda bem que perceberam: os cidadãos que têm o azar de ser constituídos arguidos estão desprotegidos. Se alguém me acusar, com razão, ou sem ela, de ter cometido um crime grave, e o juiz determinar a minha prisão preventiva, eu arrisco-me a estar um ano preso e, no fim, não ser sequer acusado, sem indemnização. As pessoas podem ir presas só com base em dois ou três testemunhos. Não sei se é o que se passa no caso «Casa Pia», mas é o que consta cá para fora. A consciência de um sistema que está mal pensado é importante para o melhorar.
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