Crianças pobres sofrem nas cidades - TVI

Crianças pobres sofrem nas cidades

Quando a fome aperta

Relatório da Unicef diz que a pobreza urbana é hoje tão grave ou pior do que a rural

As cidades estão a transformar-se em locais muito desiguais, onde as crianças com menos recursos ficam à margem, e a pobreza urbana é hoje tão grave ou pior do que a rural, conclui um relatório da Unicef.

A experiência da infância é crescentemente urbana. Metade da população ¿ incluindo «mil milhões de crianças» ¿ já vive em cidades e estima-se que em 2050 sete em dez pessoas aí residam, escreve a Lusa.

Mas, alerta a agência das Nações Unidas para a infância (Unicef) no seu mais recente relatório, divulgado hoje, as crianças que vivem atualmente em cidades grandes e pequenas estão a ser «excluídas do acesso a serviços essenciais», de saúde ou educação, por exemplo.

«As vantagens da urbanização ¿ e a urbanização tem tido muitas vantagens ¿ não estão acessíveis a todos, bem pelo contrário», realça, em declarações à Lusa, Madalena Marçal Grilo, diretora executiva da Unicef Portugal, que lançará o relatório «Situação mundial da infância 2012: crianças no mundo urbano» em Portugal, esta terça-feira, às 14:00, na Câmara Municipal de Lisboa.

«Quando pensamos em pobreza infantil, a tradicional imagem que nos vem à cabeça é de uma criança numa aldeia rural perdida algures». Porém, sublinha, nos bairros de lata e outros aglomerados clandestinos, «a situação é tão má ou pior». E isto é válido mesmo para indicadores como mortalidade infantil, nutrição, acesso a água e saneamento, especifica Madalena Marçal Grilo.

Mas o relatório da Unicef centra-se sobretudo nas disparidades que existem dentro das próprias cidades, entre crianças que têm tudo e crianças que nada têm.

Dentro de poucos anos, a maioria das crianças vai crescer em zonas urbanas e não rurais. Ora, infraestruturas e serviços «não estão a acompanhar o crescimento urbano em muitas regiões e as necessidades básicas das crianças não estão a ser satisfeitas», alerta a Unicef, exemplificando que «a cobertura global da vacinação está a progredir, mas permanece reduzida em bairros de lata».

Frisando que nem todos os habitantes de bairros de lata são pobres e nem todos os pobres que vivem em zonas urbanas habitam em bairros de lata, a Unicef sublinha, porém, que este tipo de alojamento é «uma expressão de privação e exclusão».

«Muitas crianças beneficiam das vantagens que a vida urbana lhes oferece, incluindo o acesso a equipamentos como escolas, serviços de saúde e espaços recreativos. Mas a demasiadas crianças é negado o acesso a serviços básicos, como água potável, eletricidade e cuidados de saúde», sustenta o relatório anual.

«É frequente as famílias que vivem na pobreza pagarem mais por serviços de baixa qualidade», critica a Unicef. A água «pode custar 50 vezes mais em bairros pobres».

O primeiro passo é conhecer melhor a realidade. «O facto de não haver dados desagregados e das políticas urbanas muitas vezes serem baseadas em médias, abrangentes, que incluem ricos e pobres, escamoteia a verdadeira situação das famílias que vivem em condições de pobreza nos meios urbanos», realça Marçal Grilo.

Para fazer das cidades locais mais amigos das crianças, a Unicef deixa cinco recomendações e dá alguns bons exemplos (como a evolução na política de infraestruturas públicas das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil). Mas «não há um modelo único, que possa ser adaptado a qualquer cidade» e «é necessário entender, identificar e tentar ultrapassar os obstáculos que são característicos e inerentes a cada um dos ambientes urbanos», diz Marçal Grilo.

Com este relatório, a Unicef lança um apelo aos governos «para que coloquem as crianças no centro do planeamento urbano», criticando as estratégias de desenvolvimento em que «a pobreza de uns é ocultada pela riqueza de outros».
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