CNN Internacional escolhe Açores como um dos melhores locais do mundo para observar baleias. Eis porquê - TVI

CNN Internacional escolhe Açores como um dos melhores locais do mundo para observar baleias. Eis porquê

  • CNN
  • Anne Pinto-Rodrigues
  • 22 out 2023, 16:00
Baleias nos Açores (ver créditos na foto)

As ilhas que passaram da caça à baleia à observação de baleias

Desde os dramáticas saltos das baleias até às acrobacias dos golfinhos, uma visita aos Açores na primavera é sinónimo de avistamentos incríveis.

O remoto arquipélago português, constituído por nove ilhas vulcânicas a cerca de 1.450 quilómetros a oeste de Lisboa, situa-se no Oceano Atlântico Norte, o que o coloca na rota de migração de várias espécies de baleias. E de março a junho - época de migração das baleias - os turistas sortudos podem mesmo vislumbrar gigantes como a baleia azul e a baleia-comum, os dois maiores animais do planeta.

Além das baleias migratórias, os Açores também têm cetáceos residentes, incluindo cachalotes e algumas espécies de golfinhos, que podem ser vistos durante todo o ano. Com quase um terço das 94 espécies de cetáceos conhecidas no mundo a serem observadas aqui, o arquipélago é consistentemente classificado como um dos melhores locais do planeta para a observação de baleias.

Mas a relação secular entre os açorianos e as baleias nem sempre foi tão harmoniosa, como explica Rui de Souza Martins, professor emérito de Antropologia da Universidade dos Açores.

"O arquipélago foi povoado por colonos vindos de Portugal continental a partir do século XV", diz. "Estes primeiros habitantes, na sua maioria agricultores, limitavam-se a apanhar as baleias mortas que encontravam no mar ou na costa. A gordura da baleia era cozida para fazer óleo para os candeeiros".

No século XVIII, a população residente de cachalotes dos Açores estava a atrair a atenção dos Estados Unidos. Os navios baleeiros de Nantucket e New Bedford, Massachusetts, faziam a viagem de cerca de 2.300 milhas (quase 3.700 quilómetros) para leste para caçar. Na era anterior à descoberta do petróleo bruto, a utilização do espermacete (a substância cerosa obtida da cabeça do cachalote) e do óleo de baleia (da gordura) para iluminação e outros fins, tornava a caça à baleia uma indústria lucrativa.

Estes navios-fábrica lançavam ao mar pequenos barcos de madeira para a caça e depois transportavam o animal morto para bordo do navio maior para ser processado.

Não eram apenas as carcaças de baleia que vinham a bordo. Os americanos recrutavam homens açorianos a baixos salários, aliciando-os com a oferta de residência nos EUA após um determinado número de anos de trabalho nos navios. Muitos emigraram para Massachusetts com os baleeiros.

Nos anos 50, a caça à baleia continuava a ser praticada nos Açores. V. Giannella/De Agostini/Getty Images

Em meados do século XIX, alguns desses emigrantes regressaram ao arquipélago, trazendo consigo os conhecimentos da caça à baleia e da construção de embarcações especializadas. Deram início à indústria baleeira local, construindo canoas e equipamentos de caça para sete homens. Em breve, surgiram nas ilhas fábricas de processamento de óleo, carne e ossos de baleia.

A caça à baleia parece indescritivelmente cruel de uma perspetiva moderna, mas na altura era uma questão de sobrevivência. Não havia outros empregos remunerados nas ilhas. Muitos baleeiros - que eram principalmente trabalhadores agrícolas que trabalhavam para ricos proprietários de terras - nem sequer sabiam nadar, mas arriscavam a vida e a integridade física para sustentar as suas famílias.

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"A caça à baleia e a transformação comercial dos seus derivados era uma fonte de rendimento muito necessária aos habitantes locais", afirma José Carlos Garcia, sociólogo e investigador em antropologia. O dinheiro ganho com a caça à baleia era usado para pagar a mercearia, a educação dos filhos e outras necessidades. Filmes como "Os Últimos Baleeiros", de 1969, e a produção da Netflix "Os Últimos Baleeiros de São Miguel", de 2019, dão uma ideia da vida difícil dos baleeiros açorianos.

O lento declínio

A indústria da caça à baleia entrou em declínio ao longo de cerca de um século. Pedro Madruga/Visit Azores

No entanto, não ia durar para sempre. Após a descoberta do petróleo bruto em 1859, a procura de óleo de baleia diminuiu drasticamente nas décadas seguintes.

Até ao fim da indústria, em 1987, as práticas dos baleeiros açorianos eram diferentes dos navios-fábrica dos americanos. Continuaram a caçar nos seus pequenos barcos de madeira com armas artesanais, matando apenas um pequeno número de cachalotes. Os seus homólogos de outros países utilizavam embarcações modernas e arpões sofisticados, o que levou à dizimação de muitas espécies de baleias.

Para fazer face a este drástico declínio das populações, a Comissão Baleeira Internacional decretou uma moratória sobre a atividade baleeira comercial em 1982. Portugal apoiou a proibição, o que significava que os Açores também tinham de a cumprir. A pressão das organizações de conservação locais e mundiais levou ao fim da atividade baleeira nos Açores. A última baleia terá sido morta em 1987 por alguns baleeiros descontentes da ilha do Pico.

Novos começos

Cachalotes podem ser vistos nos Açores. Francois Gohier/VW Pics/Universal Images Group/Getty Images

A transição para a caça à baleia deu origem a novas indústrias e práticas - com o impulso vindo de fora. Em 1990, o francês Serge Viallele criou a primeira empresa de observação de baleias no arquipélago, na ilha do Pico.

"Viallele mostrou que era possível viver das baleias sem as matar", diz Miguel Cravinho, coproprietário da Terra Azul, uma empresa de observação de baleias sediada na ilha de São Miguel. "O foco rapidamente mudou da caça à baleia para o eco-turismo, conservação e educação."

Atualmente, as viagens de observação de baleias não são apenas dias de diversão para os turistas; apoiam a investigação, com os dados recolhidos em cada uma das viagens a serem utilizados por cientistas locais para estudar comportamentos e padrões de migração. Trata-se, diz Cravinho, de uma "abordagem educativa à observação de baleias".

Atualmente, cerca de 20 empresas de observação de baleias operam nos Açores, seguindo as melhores práticas globais e as directrizes emitidas pela Comissão Baleeira Internacional (CBI), bem como os regulamentos locais.

Os barcos devem seguir as baleias a uma velocidade máxima de 10 nós, só podem aproximar-se a 90 graus de distância e devem manter-se a 50 metros de distância delas - ou três vezes essa distância se houver uma mãe e uma cria.

Existem regras rigorosas para a observação de baleias e golfinhos. Francisco Garcia/Cortesia Terra Azul

Apenas três barcos podem pairar perto das baleias em qualquer altura, durante um máximo de 15 minutos - e não é permitido navegar através de um grupo.

Para reduzir ao mínimo a perturbação, a maioria das empresas de observação de baleias nos Açores utiliza RIBs (barcos insufláveis rígidos) para minimizar o ruído e as emissões. O número de embarcações de observação de cetáceos é estritamente limitado por um sistema de licenças, que emite um número máximo por ilha - ou por zona, no caso das ilhas mais pequenas. Os pontos de vigia no topo das colinas, conhecidos como "vigias", outrora utilizados pelos baleeiros para avistar as presas, são agora utilizados pelos observadores de baleias para direcionar os barcos para áreas diferentes, de modo a não se juntarem perto dos mesmos animais.

"Desenvolvemos uma cultura nova e dinâmica em que a baleia passou a ser o centro das atenções como criatura de valor ecológico, científico, patrimonial e turístico", explica Souza Martins. Entretanto, os museus de todas as ilhas abordam a história da caça à baleia nos Açores e ainda se podem ver as tradicionais canoas baleeiras de 40 pés adaptadas à vela e ao remo, utilizadas anualmente nas regatas de verão.

Os botes baleeiros são agora utilizados para fins menos sangrentos. Martin Zwick/REDA&CO/Universal Images Group/Getty Images

Em fevereiro de 2023, o arquipélago foi reconhecido como Património da Baleia pela Aliança Mundial dos Cetáceos, um reconhecimento descrito como o "padrão de ouro para a observação responsável de baleias" pelo seu presidente honorário, Jean-Michel Cousteau. É o segundo sítio na Europa e apenas o sexto no mundo a obter esta classificação.

Os sítios do Património da Baleia são locais que foram considerados como tendo alcançado um "equilíbrio ambiental, social e economicamente sustentável" entre a natureza, a comunidade local e o que os visitantes esperam do local.

Os destinos já devem ter efectuado investigação sobre a observação de baleias na sua área e devem comprometer-se a prosseguir a investigação, a educação e a sensibilização, bem como a organizar eventos culturais que celebrem os cetáceos.

Um novo risco

Se não for feita corretamente, a observação de baleias pode ser prejudicial tanto para as baleias como para a comunidade local. Francisco Garcia/Cortesia Terra Azul

Com o aumento do número de turistas e a crescente popularidade das excursões de observação de baleias, existem preocupações sobre as pressões exercidas sobre as baleias e o seu comportamento. No seu artigo sobre a observação de baleias como eco-turismo, Luís Silva, investigador sénior do Centro de Investigação em Antropologia, em Lisboa, analisou os potenciais desafios colocados pela indústria da observação de baleias, tanto para os animais como para a comunidade local - desde o stress para as baleias até aos lucros que vão para os proprietários das empresas de turismo e não para a comunidade em geral.

Para já, a observação de baleias continua a ser um dos principais atractivos para os visitantes das ilhas.

"A baleia tem tido um percurso notável nos Açores", diz Garcia.

"Outrora considerada um monstro marinho, tornou-se mais tarde um recurso útil. Agora, é um símbolo da nossa identidade colectiva e valor universal."

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