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IndieLisboa: «Singularidades de uma rapariga loura»

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Contraste entre a beleza da ideia e o tom rezingão

Inevitável, é um filme com muitas coisas interessantes. E começa tão bem, com um humor tão fino e tão tocante, seja na palavra e na mímica, seja na montagem, retomando motivos e «gags» oliveirianos comuns.

Desde logo, no comboio, com os passageiros Ricardo Trepa (Macário, a personagem) e Leonor Silveira (representando a personagem a quem Macário conta o seu caso), falando um com o outro a olhar para o lado, ou quase na direcção da câmara (Leonor), dado que, claro está, como personagens, elas não existem, elas são Manoel Oliveira. Isso é interessante. É claro que essa encenação vem de Bresson, mas Oliveira não repete só, Oliveira põe a comédia nisso.

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Desde logo, também, na paródia ao início da paixão em «Amor de Perdição»: a janela, a rapariga e o fosso para lá do qual está o rapaz.

Mas rapidamente (e o filme é curto) o humor descamba em ironia, uma ironia de velho, se é que se pode chamar velho a um artista que já está para além da morte. Este aspecto, acho eu, é triste. Não é de agora. A partir de determinada altura, instala-se a rezinguisse na sua obra, como se Oliveira não acreditasse em nada. É o tom. Sente-se ali algo de justiceiro, não sei. É preciso que haja bom humor, mesmo no desespero, dizia Godard em «Scénario du film Passion». Como diria Bénard da Costa, em Oliveira nada é o que parece.

E chateia muito, ainda que intermitentemente surjam planos (ou talvez, melhor, quadros) que são um verdadeiro deslumbre, que Oliveira não se preocupe em mostrar nada, chapa três para a frente.

Chapa três, mas única, certo. Vamos ao melhor: Oliveira faz um filme que, da primeira à última imagem, mantém a mesma sensação de sobreposição de tempos, como se se pudesse compactar todo o tempo português, desde Eça ao início do século XXI. Isto é realmente algo que, como se costuma dizer, merecia desenvolvimento. E o final de Luísa e do filme! É admirável. (Catarina Wallenstein, a rapariga loura; a imagem do cartaz do filme é de um instante desse final.) Esse final dá conta de um afecto que vai muito além da personagem (em certo sentido, esta não chega a existir) e toca a ideia.

Só por isto, talvez se entenda por que é que chateia que Oliveira nem sequer olhe para Catarina Wallenstein senão a partir do seu pré-conceito, como se nela não existisse nada. Não há outra maneira de filmar as mulheres, senão como damas de companhia? Oliveira não é Resnais, não pode ser. «Singularidades de uma rapariga loura» não é «Coeurs», não pode ser. Silêncio. Não devemos pedir tantos impossíveis.

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