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José Maria Ricciardi admite que «às vezes» tem pago pela «frontalidade». Mas é mesmo sem papas na língua que ataca o primo, Ricardo Salgado, que foi ouvido também esta tarde, na comissão de inquérito ao BES / GES. O ainda presidente do BESI, o banco de investimento do BES, diz-se «traído» pelo ex-presidente do banco e pelos restantes administradores e diz que foi «a única pessoa» que tentou «mudar o curso das coisas». Por isso, recusa responsabilidades coletivas que Salgado tentou trazer para a reflexão que se está a fazer há várias audições no Parlamento.
«Não aceito a responsabilidade coletiva que alguns pendem sobre a família». «A responsabilidade de cada um» deve ser escrutinada pelas instituições competentes
«Tenho plena consciência de ter denunciado quer internamente, quer perante a entidade reguladora, as situações irregulares». «Fui traído pela maioria dos membros do conselho superior»
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Aliás, não se coibiu de descrever o seu percurso curricular e dizer que se orgulha de ter chegado «ao topo» por mérito e ter transformado o BESI numa unidade financeira «sólida e lucrativa há mais de 10 anos consecutivos».
Lamentou não ter sido acompanhado por «nenhum membro do conselho superior do BES» quando os problemas começaram a ser detetados. «Todos» ficaram do lado de Ricardo Salgado, alguns explicitamente, outros não, afirmou.
Ricciardi deu ainda conta, aos deputados, que esteve para ser afastado duas vezes do grupo e assim que soube dos problemas da ESI denunciou-os. Fez, também, «inúmeras» interpelações sobre a Eurofin.
Quando teve conhecimento de que, «afinal, as contas tinham sido aprovadas em 31/12/2011 e 31/12/2012 não correspondiam à verdade», afiança que requereu «imediatamente uma auditoria às contas e o apuramento de responsabilidades». Isso «nunca foi feito».
«Várias vezes pedi que o Dr. Machado da Cruz fosse ao conselho superior e os meus pedidos nunca foram atendidos. Pedi ao Dr. Ricardo Salgado, claro».
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Ricciardi relevou, ainda que depois disso, Salgado e outros administradores foram ao Luxemburgo contratar advogados. «Vim a saber, para meu grande espanto, que tanto o escritório de advogados como o banco contratado pediram a sua demissão do trabalho que tinha sido contratado pela ESI. Normalmente os advogados gostam de ter trabalho e os bancos também. Ninguém conseguiu dar explicação».
Só dois meses depois, em maio de 2014 veio a perceber tudo. Foi nessa altura que teve acesso ao documento, «não oficialmente», de que «a narrativa de que se tinha feita aos advogados [por Salgado e pelos administradores que o acompanharam], de desorganização do grupo e que ninguém se tinha apercebido de nada» foi alterada quando «chegou lá o dito contabilista». Machado da Cruz contou outra versão. «E foi por isso que deixaram cair o trabalho». E foi também por isso que só em maio é que Ricciardi entregou essa carta ao Banco de Portugal.
«Vivi dois anos de inferno total»
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O ex-administrador do BES relatou também que viveu dois anos de «inferno total», devido aos seus esforços para tentar alterar a situação que se ia acumulando no GES.
«Houve duas tentativas para me pôr na rua. Primeiro, em novembro de 2013 e depois, em junho de 2014», contou aos deputados.
Segundo Ricciardi, além das múltiplas notícias que iam saindo na comunicação social acerca da sua «ambição pelo poder», que justificaria a luta com o primo Ricardo Salgado, o antigo presidente do BES, era olhado com desconfiança dentro da organização.
«Eu era visto como traidor, delator, a pessoa que fez ‘trade off' com o Banco de Portugal. E que se não fosse a minha ganância pelo poder, o GES ainda persistir», sublinhou.
Ricciardi apontou ainda para os processos que lhe foram movidos pelo Ministério Público e que entretanto caíram sem acusação.
«Houve processos do MP sobre coisas que não fiz e isso já se confirmou, mas andei nos jornais com essas suspeitas»
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De resto, é o único membro da família que pertencia à equipa de gestão do BES liderada por Ricardo Salgado que continua a desempenhar um cargo de relevo à frente de uma instituição financeira.
«Sou o primeiro a lamentar o descalabro»
Na sua intervenção inicial, José Maria Ricciardi disse, por duas vezes, que é o primeiro a lamentar o que se passou.
«Os acionistas acreditaram na capacidade da antiga liderança». «Sou o primeiro a lamentar o descalabro». «Sou o primeiro lamentar por não ter sido acompanhado em dezembro de 2013 para afastar a direção»
«Nunca fiz troca de favores. Isso é uma infâmia»
Interpelado sobre o deputado do PS, que o questionou sobre a alegada contrapartida que teria recebido do Banco de Portugal por ter denunciado o que se passava no BES (e tendo em conta que ele não foi afastado do BESI nem lhe foi retirada a idoneidade), contrapartida essa invocada por Salgado, na sua audição, Ricciardi enervou-se.
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«Eu considero essa afirmação uma verdadeira infâmia. O Banco de Portugal e qualquer entidade reguladora não faz negociações com administradores de instituições bancárias».
«A única coisa que fiz foi exercer o meu dever, não o meu direito, de diligência. Nunca fiz troca de favores, acho isso uma verdadeira infâmia»
«Sou testemunha que o Banco de Portugal fez tudo o que era possível. A liderança do grupo adiava, dissimulava e empurrava os problemas como uma bola de neve».
«Absolutamente patético».«Nunca detetei nenhuma disponibilidade de Salgado para alterar a governance e se demitir».
«Acho absolutamente patético dizer-se que o Banco de Portugal queria destruir o BES. É a última coisa que um supervisor quer, sobretudo quando se fala de um banco como o Banco Espírito Santo». «Nunca quis, muito pelo contrário, e se tivesse podido evitar a resolução, seguramente faria»
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«Eu não estabeleci ‘trade off' nenhum. A minha idoneidade vem do meu trabalho ao longo de 40 anos», salientou José Maria Ricciardi.
Ricciardi afirmou ainda que o aumento de capital do BES em junho só se deu porque o nome da instituição «era extraordinário».
Enquanto presidente do BESI afirmou presenciou «centenas de aumentos de capital» e nunca tinha visto um prospeto como o da operação do género que o BES fez em junho passado.
«Presidi a centenas de aumentos de capital e nunca vi um prospeto como aquele que fizemos neste aumento de capital, com riscos da administração e fatores de risco», realçou José Maria Ricciardi.
O prospeto em causa - documento essencial para os eventuais investidores saberem os riscos da operação - foi revisto cerca de 30 vezes, lembrou ainda o banqueiro.
«Receber um presente de um cliente é inaceitável»
Ricciardi considerou «inaceitável» que o seu primo tenha aceitado uma prenda de vários milhões de euros do construtor José Guilherme.
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«Um presidente de um banco receber um presente de um cliente é inaceitável. Se não fosse de um cliente já era grave». «E se fosse um gerente de uma agência a receber 250 euros e a ser apanhado. Era despedido? Com que cara», questionou.
«Parece-me inaceitável que isso possa acontecer. Ele nunca informou o Conselho [Superior] de que tinha recebido essa liberalidade. Só quando foi tornada pública a notícia é que foi comunicado ao Conselho», revelou.
«Sou amigo de longa data do senhor José Guilherme. E estou-me a referir ao início da minha caminhada no BES, no início dos anos 1970. O senhor José Guilherme é um excelente empresário da área da construção. Ele quando começou a crise estava orientado no sentido de se mudar com armas e bagagens para países do leste. Depois pediu-me a minha opinião. Eu disse-lhe o que pensava sobre o assunto», declarou Salgado, inquirido na comissão parlamentar sobre a gestão do BES e do GES.
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«Em Angola teve um grande sucesso e isso não teve que ver com o GES. O senhor José Guilherme nunca precisou do GES para nada. Era mais credor do BES do que devedor», frisou ainda.
O presidente da comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES terminou 17 horas de trabalho, repartidas entre terça-feira e quarta-feira, e brincando com a «noitada única» de trabalho no parlamento.
Agradecendo ao ex-administrador do Banco Espírito Santo (BES) José Maria Ricciardi pela disponibilidade para prestar esclarecimentos até à 01:47 de quarta-feira, Fernando Negrão, parlamentar do PSD que preside à comissão de inquérito, soltou, em tom descontraído, que esta foi uma «experiência única», uma real «noitada no parlamento».
A próxima audição está marcada para as 16:00 desta quarta-feira e será ouvido no parlamento o presidente da Semapa, Pedro Queiroz Pereira.
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