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Estudo de reincidência de pedófilos feito apenas com 56 reclusos

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Apesar de todas as declarações da ministra da Justiça, oficialmente não há ideia de quantos pedófilos voltam a abusar de crianças. O único estudo feito em Portugal não representa uma taxa de reincidência com âmbito nacional

À TVI24, o ministério especifica que "quanto ao critério da reincidência, este foi avaliado em termos genéricos, isto é, refere-se a situações em que o indivíduo tenha estado em cumprimento de pena por mais do que uma vez, por qualquer tipologia de crime". Ou seja, o condenado pode já ter sido preso anteriormente, mas por um crime não-sexual.

Em Portugal é impossível saber quantas vezes um pedófilo condenado voltou a cometer o mesmo crime. O único estudo efetuado por uma entidade oficial, a que a TVI24 teve acesso, contou com pouco mais de 50 reclusos voluntários. As conclusões estão longe de ser uma luz sobre a realidade do país, que em breve irá ter uma lista de pedófilos  acessível a todos os pais.   Um estudo da Direção-Geral dos Serviços Prisionais analisou, em 2010, um grupo de 56 reclusos a frequentar um programa de reabilitação e concluiu uma taxa de reincidência para abusadores de 18%. Porém, esta taxa não representa condenados que tenham reincidido em crimes sexuais contra menores, mas sim todos os sujeitos que já tenham sido presos e voltado a cometer crimes, sexuais ou não. Ou seja, um dos sujeitos pode ter sido preso por um crime de abuso sexual, mas voltar à prisão por um crime de roubo, por exemplo.   Assim, a taxa de 18% não representa a frequência provável de um pedófilo voltar a abusar de uma criança. Aliás, esta amostra, incluía outros criminosos sexuais, incluindo de abusadores de adultos, acusados de violação e outras formas de agressão sexual, pelo que não se pode inferir que 18% dos abusadores de crianças voltam a cometer o mesmo crime.

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Segundo o estudo da DGRSP, a que a TVI24 teve acesso, o grupo de 56 reclusos foi dividido em três categorias: agressores sexuais (geral), violadores e abusadores. Somente o grupo dos primeiros tem uma taxa de reincidência pelo mesmo crime associada: 5,4%.    Sem indicar quantos dos 56 reclusos pertenciam a cada categoria, o estudo diz que dos agressores sexuais 73% eram primários (primeira vez que foram detidos) e 27% reincidentes (por qualquer crime). Quanto aos violadores, 69% eram primários e 31% reincidentes (também por qualquer crime). Por último, os abusadores tinham uma taxa de 82% de primários e 18% (17,6, mais exatamente) eram reincidentes.   Depois, o caráter voluntário dos programas de reabilitação (ninguém pode ser obrigado a frequentá-los) enfraquece a representatividade do estudo. Pois se apenas 56 reclusos, autores de vários tipos de crimes sexuais, foram estudados, o número não representa sequer,   metade dos abusadores detidos em Portugal. Grande parte dos criminosos sexuais não adere a estes programas voluntários. E na realidade, estes também não estão acessíveis em todos os estabelecimentos prisionais.     O agressor sexual mais novo tinha 16 anos e o mais velho 78, ficando a média de idades nos 33. A média desce para os 27 anos quando passamos para os violadores, pois apesar de o mais novo ter também 16 anos, o mais velho tinha 51. Já os abusadores têm a média de idades mais alta: 51 anos, tendo o mais novo 23 e o mais velho 78.   Independentemente do grupo, cada um terá feito, em média, uma a duas vítimas com uma média de idades situada nos 15 anos, para os agressores sexuais, 20 anos, para as vítimas de violação e 10 anos, para as vítimas de abuso.   Se olharmos para o sexo das vítimas, o sexo feminino é, por larga margem, o mais afetado.     A própria DGRSP admite que os dados não são suficientes para concluir uma taxa de reincidência relacionada com a pedofilia, nem com outros crimes sexuais, justamente pela diversidade da amostra.  

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"Os dados existentes reportam a um estudo efetuado com uma amostra de reclusos autores de diferentes tipologias de crimes sexuais que, em dado momento do tempo, [2010], frequentaram os programas dirigidos a esta problemática específica. (…) Os resultados são insuscetíveis de permitir tipificar a categoria nosológica da «pedofilia», bem como também não devem ser generalizados para o conjunto das pessoas que se encontram no sistema prisional por crimes sexuais. (…) O estudo [foi] efetuado com uma amostra de agressores sexuais que (reafirma-se, não só de crianças e menores dependentes) (…) frequentaram os programas dirigidos a esta problemática específica".

Como se refere a todos os agressores sexuais, o estudo da DGRSP contradiz ainda uma tendência assumida por todos os especialistas ouvidos pela TVI24: nos crimes sexuais contra menores, a maioria ocorre na família. Este estudo mostra que os abusadores "estranhos" às vítimas são a maioria, seguidos pelos familiares, conhecidos/vizinhos e, numa percentagem residual, os colegas do meio laboral. O facto de a maioria dos abusadores neste estudo serem "estranhos" às vítimas pode indiciar que grande parte dos reclusos não estava condenado por crimes contra menores.

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Uma das justificações de Paula Teixeira da Cruz para a criação do sistema de registo de  identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de menores, conhecida como "a lista de pedófilos", é a taxa de reincidência dos autores destes crimes, que segundo  Paula Teixeira da Cruz rondam os 80%.

A ministra cita um estudo conduzido pelo psicólogo forense Mauro Paulino, colaborador do Instituto de Medicina Legal, que, em 2009, publicou o livro "Abusadores Sexuais de Crianças: A verdade escondida". Porém o autor, em entrevista à TVI24  em outubro do ano passado, já tinha negado que fizesse referência a esse valor, após também ter sido citado no programa da TVI24, "Política Mesmo", por Manuela Ramalho Eanes, num debate relacionado com o tema.

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Na verdade é, aliás, o próprio ministério a assumir a inexistência do valor, quando reafirma que não há informação estatística sobre a percentagem da repetição destes crimes em resposta a questões colocadas pela TVI24 após a divulgação do estudo:

"Em resposta às questões colocadas pela TVI, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais reitera a informação transmitida a esse canal televisivo, em outubro de 2014, de que não tem informação estatística que permita dizer qual é a taxa de reincidência dos autores de crimes sexuais contra menores"

O que dizem os estudos internacionais?

Apesar de muito se falar sobre a elevada taxa de reincidência dos abusadores sexuais de crianças, a verdade é que os estudos sobre esta matéria são muitas vezes opostos nas conclusões.

A nível internacional, há estudos que concluem que a repetição destes crimes, após uma condenação, tem uma percentagem pequena, mesmo inferior à reincidência de um criminoso não sexual, como traficantes de droga ou homicidas, enquanto outros estudos concluem que a reincidência é muito elevada.   Uma das investigações internacionais mais credível foi desenvolvida no Canadá, por RK Hanson, KE Morton, e AJ Harris.  Este trabalho, divulgado em 2003, é  citado por organismos oficiais de diferentes países, e conclui que a taxa de reincidência para criminosos sexuais, não apenas pedófilos ou abusadores de crianças, aumenta com o decorrer dos anos: 10 % a 15%, ao fim de cinco anos; 20% ao fim de dez anos; e 30% a 40%, ao fim de 20 anos.

Todavia, o estudo ressalva que os números pecam por serem conservadores, já que a grande maioria dos crimes sexuais não são reportados às autoridades.   Outra investigação norte-americana, de 1998, desenvolvida por Dennis M. Doren, e considerada credível, refere especificamente que 52% dos abusadores sexuais de crianças reincidiam num período de 25 anos.

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