Os relatos de racismo dos imigrantes brasileiros em Portugal, em particular as mulheres, serão objeto de um levantamento das autoridades brasileiras a entregar junto dos parceiros portugueses, anunciou esta segunda-feira a ministra da Igualdade Racial do Brasil.
Em entrevista à agência Lusa, após um encontro no Observatório do Racismo e Xenofobia português e com um coletivo de mulheres migrantes, Anielle Franco disse que há uma busca de “soluções em ambos os países para acolher” devidamente os imigrantes, particularmente as mulheres que, em Portugal, têm sido objeto de xenofobia, segundo vários ativistas.
“A gente sabe que a maioria das pessoas brasileiras que moram aqui são mulheres e é importante que a gente possa cuidar do povo tanto aqui quanto lá”, explicou a ministra, que integra uma visita a Portugal da comitiva governamental brasileira liderada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A nossa primeira atitude foi nos oferecemos para colaborarmos com o Observatório”, com “um protocolo de cooperação entre Brasil, Portugal, para que possamos com alguma universidade de lá, o nosso ministério, o Ministério de Relações Exteriores e o Ministério das Mulheres, pautarmos esses dados” de queixas e relatos de xenofobia por parte da comunidade, afirmou.
Este levantamento visa apoiar Portugal nas medidas de integração dos imigrantes. “É o nosso povo que aqui está e a gente pode também colaborar” com as autoridades portuguesas, explicou a governante, que não deu pormenores sobre as queixas mas assegurou que os relatos serão coligidos e entregues à diplomacia brasileira.
“Estive com o ministro Mauro Vieira [Relações Exteriores] subindo no elevador agora e comentei com ele a importância de a gente poder passar para ele esse relatório de tudo o que foi recebido sobre fobia, racismo” dos imigrantes, mas também sobre a “falta de acesso à súde, falta de acesso a alguns serviços que dependem de um número”, como na saúde ou justiça”, explicou.
“Ter ouvido os relatos hoje me fez entender da importância de estarmos cada vez mais próximos desse povo aqui também, eu entendi todas as demandas, nós acolhemos as demandas e eu acho que a realidade que é passada, por exemplo, muitas vezes lá fora, se a gente não tivesse vindo e colhido, não saberíamos” de facto, acrescentou.
Brasil disponível para ajudar Portugal a incluir a raça nos censos
A ministra da Igualdade Racial brasileira afirmou que o Brasil se disponibilizou para ajudar Portugal na inclusão da contabilidade da raça e etnia nos censos, cumprindo as boas práticas internacionais e fomentando políticas de integração.
Em Portugal no quadro da visita de Estado do Presidente brasileiro, Anielle Franco elogiou, em entrevista à Lusa, o recém-criado Observatório do Racismo e Xenofobia de Portugal, com o qual hoje teve uma reunião e afirmou que o Brasil está disponível para dar apoio técnico a medidas que permitam recolher dados estatísticos sobre a integração racial e étnica na sociedade portuguesa.
Em Portugal, os censos não registam a etnia ou a raça, algo que tem sido criticado por ativistas e investigadores, já que contraria as recomendações da ONU, que defende a recolha estatística da exclusão social com base racial.
“O censo produz dados e dados, produzem pesquisas e pesquisas produzem resultados concretos muitas vezes”, afirmou a governante brasileira, que esteve reunida com a ministra portuguesa Ana Catarina Mendes.
“Um dos pontos primordiais principais que nós ouvimos tanto dela [ministra portuguesa] quanto dos movimentos e pessoas que aqui moram, é a falta de dados no censo sobre raça aqui em Portugal. A gente sabe que tem uma proibição [contemplada na Constituição portuguesa), mas para a gente poder acolher e ter atos concretos, a gente precisa dessa divulgação desses dados, que é o que nós fazemos muito no Brasil”, afirmou Anielle Franco, dando o exemplo brasileiro nesta matéria.
Só com o levantamento racial estatístico é que é possível, por exemplo, avançar com uma lei de quotas, como acontece no Brasil.
Neste caso, essa lei “só se mantém firme até hoje, porque a gente consegue comprovar, a partir dela e através dela, que em 2002 eram 2,2% de pessoas negras que se formavam” e hoje há um aumento de 50% desse valor em apenas dez anos.
Em relação a Portugal, “sem querer dar lições”, a ideia é dizer que no Brasil funciona, explicou a ministra, mostrando-se disponível para apoiar Portugal nesta matéria.
No Brasil, as questões raciais voltaram a ser uma prioridade política do Governo de Lula da Silva, que tomou posse em Janeiro, após o executivo de direita de Jair Bolsonaro.
“Acho que primeiro é muito importante pautar (salientar] que essa retomada do Governo Lula ao poder após 6 anos desde o golpe da presidenta Dilma”, permitiu a “recriação do Ministério da Igualdade Racial, uma virada chave no Brasil que é muito importante” e traz “ao centro do problema a raça, mulher e direitos humanos, que foi algo que ele falou muito no discurso de posse”, acrescentou a ministra.