O Carnaval é um momento único no ano uma reversão das normas, um momento em que ninguém leva a mal a sátira, a inversão de papéis, um momento de excessos e de alegria. No entanto, esta semana noticiosa, pelo contrário, mostra-nos um mundo que não deveria ser assim tão negativo. Nesta semana, onde se comemora o dia da Mulher, a lembrança da necessidade de maior igualdade entre homens e mulheres foi marcada pela celebração do luto pela violência de género e pelas notícias de mais mortes de mulheres às mãos de homens. Há uma epidemia de violência de género em Portugal? Há e isso é sinal de duas tendências que andam sempre a par uma da outra. Sempre que há mudança social em curso, neste caso mais igualdade entre homens e mulheres, há uma contrarresposta por parte de quem vê essa mudança, não como positiva mas como sendo a origem da sua perda de poder e se sente posto em causa. É a perda de poder sobre o outro que causa a violência, pois não se admite a igualdade de situação, a igualdade de poder e a liberdade mútua.
Todas as lutas de libertação têm os seus mártires mas a luta pela igualdade das mulheres dura já demasiado tempo e, também não precisa de mais mártires. Precisamente, por esse cansaço e anacronismo da situação (para além do infeliz ridículo das respostas do Juiz Neto de Moura) é que o destaque sobre a violência sobre as mulheres, o seu assassinato e as decisões judiciais foram o segundo tema mais importante da semana. Sim, o leitor leu bem, o segundo tema mais importante. A morte no feminino e a violência de género tiveram apenas cerca de metade da atenção noticiosa dada ao futebol masculino, aos seus jogadores, jogos e hackers nesta semana em Portugal. Embora, se somássemos, todas as notícias de mortes da semana à violência de género estivéssemos quase empatados com o futebol – são ironias demasiado más para que as tivéssemos de referir aqui, mas é essa a realidade que também importa mudar.
Há obviamente um problema, há uma epidemia de violência de género em curso e que tem de ser combatida, mas devemos fazer notícias, criar destaques sobre a violência de género e o assassinato de mulheres nesse contexto? Não há uma resposta única. Se, por um lado, sem noticiar sem dar destaque, sem criar um problema a sociedade nunca lhe dará prioridade nem o resolverá. Por outro lado, há também que questionar o papel das notícias na epidemia de violência de género. Tal como no caso dos incêndios e dos pirómanos e, também, dos suicídios, temos de questionar até que ponto a noticiabilidade das mortes de mulheres não incentivam o perpetrar de novos assassinatos, encorajando a mimética de outras situações. Celebrar o luto, lembrar a necessidade da igualdade entre mulheres e homens e de uma sociedade onde a liberdade, equidade e sustentabilidade sejam os pilares do progresso é fundamental. Pensar a maneira certa de dar notícias sobre a violência de género por parte de TV, rádio, jornais, assumindo que é uma situação similar aos efeitos da noticiabilidade sobre incêndios para os pirómanos, sobre o suicídio para aqueles que o pensam é, também, fundamental.
Esta semana foi, como vimos, nas notícias tudo menos Carnaval com uma exceção: a vitória da música telemóveis no festival da canção. Pois, curiosamente, o nome do intérprete, Conan Osíris, remete-nos para a ligação a Ísis, a deusa egípcia, cujos ritos, segundo alguns, configuram a origem das festas carnavalescas. Provavelmente, será uma daquelas coincidências que nos levam a perguntar se o divino tem, ou não, um brilhante sentido de humor mesmo quando nada há para sorrir na vida dos meros mortais que somos todos nós.