Moedas queria dar projeto de 5 milhões a um amigo, mas retirou a proposta - TVI

Moedas queria dar projeto de 5 milhões a um amigo, mas retirou a proposta

  • Margarida Davim
  • 27 mar, 07:00
Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, na Web Summit, em 13 de novembro de 2023 (LUSA)

Carlos Moedas apresentou a ideia a Pedro Santa Clara: montar uma academia de formação digital em Lisboa com o apoio da Câmara. O projeto custaria cinco milhões de euros à autarquia e seria entregue a Santa Clara sem concurso público. Mas à última hora Moedas retirou a proposta e o projeto ruiu

Carlos Moedas tem um projeto: o estado social local. Onde o Estado falha, Moedas apresenta parcerias com privados e soluções criativas para mostrar que a Câmara de Lisboa consegue fazer o que o Governo não faz. Foi assim que inaugurou a “clínica de proximidade” no Bairro do Armador, em Marvila, que criou o plano de saúde +65 e era nessa lógica que pretendia criar uma academia de formação digital para os jovens entre os 12 e os 18 anos, através de um franchising de um projeto arménio que conheceu enquanto comissário europeu e que queria entregar ao amigo Pedro Santa Clara, mas cuja proposta retirou depois de perceber as resistências da oposição.

A ideia era criar no Hub Criativo do Beato um centro de atividades extracurriculares gratuito para todos os jovens de Lisboa entre os 12 e os 18 anos, onde podiam adquirir competências na área do digital. O problema? O projeto TUMO – criado por um casal arménio em 2011 e já com vários centros espalhados pela Europa – custaria à Câmara de Lisboa um milhão de euros por ano e a proposta que a coligação Novos Tempos chegou a levar a reunião da vereação previa que esse financiamento fosse entregue à associação Topsail, através de um protocolo, contornando assim a obrigatoriedade de concurso público, e sem que o projeto passasse sequer pela Direção Municipal de Educação, uma vez que foi todo desenvolvido pela Direção Municipal de Economia.

PS queria concurso de ideias, Moedas fala em boicote

A ideia de entregar o projeto a uma associação sem concurso público levantou dúvidas entre os vereadores da oposição. E levou o PS a apresentar uma proposta alternativa, que previa lançar “um concurso de ideias” na área da educação digital “de modo a identificar os melhores projetos, por via da respetiva submissão à concorrência, identificando critérios de seleção e devidamente ponderado o custo”.

A proposta alternativa do PS devia ser votada na reunião de Câmara desta terça-feira, mas Carlos Moedas decidiu retirar a sua própria proposta antes que isso acontecesse.

“O TUMO é um dos melhores projetos de educação do mundo, que dá aos jovens a oportunidade única de aprender e experimentar artes e tecnologia, da música à robótica. Lamento profundamente que este projeto inovador para os nossos jovens não possa avançar por falta de apoio dos vereadores do partido socialista”, reagiu Carlos Moedas à CNN, criticando o que considera ser “a estratégia habitual de criar dúvidas, levar ao adiamento de propostas e depois apresentar alternativas sem fundamento (como foi o caso) só para boicotar as propostas iniciais”.

Como Moedas apresentou a ideia ao amigo

Parte das dúvidas tinha que ver com a forma como o projeto TUMO chegou a Lisboa e foi parar às mãos de Pedro Santa Clara, professor de Economia da Nova SBE, mandatário da IL nas últimas eleições e membro do Instituto +Liberdade.

O economista Pedro Santa Clara. Foto: Universidade Nova de Lisboa

Em outubro de 2023, Pedro Santa Clara explicava ao Observador como tinha tido conhecimento do projeto TUMO. “Há uns quatro anos, a primeira pessoa a falar-me do TUMO foi o Carlos Moedas, antes mesmo de ser Presidente da Câmara de Lisboa, como o projeto de educação mais extraordinário que tinha conhecido enquanto comissário europeu”. Nessas declarações, Santa Clara acrescentava ter o apoio da Câmara na procura de um espaço “há pelo menos dois anos”.

À CNN, Pedro Santa Clara explica agora que a conversa aconteceu quando Carlos Moedas o foi visitar numa altura em que a sua empresa, a Shaken Not Stirred, estava a preparar o lançamento de uma escola de engenharia de software, a Escola 42, em Lisboa (entretanto, já abriu também no Porto). “Somos amigos”, diz, relatando o encontro como algo “muito informal”.

Depois disso, assegura, “fomos fazer o trabalho de casa”. Ou seja, as pessoas que integram a sua empresa – e que são as mesmas que constituem a associação Topsail com quem a Câmara queria firmar o protocolo – foram perceber como funcionava o TUMO.

“A ideia de lançar este centro na cidade foi de Carlos Moedas, ainda antes de ser eleito Presidente da CML”, confirma à CNN fonte oficial da Câmara de Lisboa.

Projeto em Coimbra custa apenas 250 mil euros

A Topsail foi criada a 8 de novembro de 2021 e é com essa associação que a TUMO assinou um contrato de franchising, que lhe permite aplicar o projeto em Portugal. De resto, Lisboa não seria a primeira cidade a acolher esta iniciativa. O projeto arrancou em outubro em Coimbra, onde o protocolo a que a CNN teve acesso foi firmado por um valor muito inferior ao que estava previsto em Lisboa, apenas 250 mil euros por ano.

“A escala de Lisboa é um pouco maior”, justifica Pedro Santa Clara, explicando que em Coimbra foi já possível encontrar um conjunto de mecenas que apoiam o projeto. Em Lisboa também estaria previsto encontrar parceiros privados, tendo havido conversas com alguns. Em que percentagem estariam os privados? Santa Clara não quis responder. “Se conseguirmos mais ou menos financiamento terá uma escala maior ou menor”, afirmou, acrescentando que o milhão por ano que a Câmara de Lisboa se preparava para pagar “permite arrancar com o projeto”.

“No caso de Coimbra, existiu a cedência de um espaço por uma empresa privada, o que reduziu significativamente os custos”, justificou por escrito fonte oficial da Câmara de Lisboa, quando confrontada com a disparidade de valores.

Em março, Carlos Moedas – que enquanto comissário europeu inaugurou um centro TUMO em Paris – escrevia um artigo de opinião para o Eco a apresentar e defender o projeto. “Superar as debilidades do sistema educacional português e criar condições para que as próximas gerações possam olhar o futuro com esperança passa por ter Lisboa, a capital, a liderar essa transformação”, argumentava.

“Atualmente, a educação em Portugal enfrenta grandes desafios e carências. Este é um fator que pesa no nível de vida das famílias, e influencia o futuro de toda uma geração. Assim, considera-se que este é um projeto urgente para a capital, e que os jovens de Lisboa têm o direito de aprender música, cinema, programação, robótica e outras áreas de futuro com igualdade de oportunidade, sem terem de depender da capacidade financeira dos pais”, respondeu por escrito à CNN fonte oficial da Câmara de Lisboa.

Protoloco com associação permitia evitar concurso

No site da empresa de Pedro Santa Clara, a Shaken Not Stirred, o TUMO Coimbra aparece na página dedicada a apresentar os projetos em que está envolvida. No entanto, o contrato de franchising com a TUMO é assinado pela associação TopSail e é essa associação que figura na proposta de protocolo que Moedas decidiu não levar nem a discussão nem a votos na Câmara.

Ora, é precisamente por se tratar de uma associação e de uma empresa que seria possível atribuir um apoio de cinco milhões de euros sem qualquer concurso. “Tratando-se de um protocolo de apoio a uma associação, legalmente não se enquadra no regime de contratação pública (que se destina a aquisição de bens e serviços)”, diz fonte oficial da Câmara.

Carlos Moedas defende Lisboa como cidade de "Unicórnios". Foto de 27 de outubro de 2022. António Pedro Santos/Lusa 

As dúvidas da oposição

“O projeto TUMO parece ter bastante mérito educativo”, diz à CNN a vereadora do PS Inês Drummond, que afirma, porém, ter “sérias dúvidas” sobre o valor do apoio que Moedas queria atribuir e a forma como foi escolhida a associação Topsail.

“O PS propôs um processo mais transparente, com regras definidas e onde todas as entidades, mesmo as que não tenham acesso ao Eng. Carlos Moedas, estejam em pé de igualdade”, afirma Inês Drummond, lamentando que o presidente da Câmara tenha retirado a proposta sem que tenha sequer sido discutida e assacando culpas por isso ao PS.

“Temos algumas dúvidas a começar pelo custo e pelo proveito que daí pode resultar”, comenta o vereador do PCP João Ferreira, que questiona como se pode equacionar um projeto na área da educação “sem nenhuma articulação com as escolas”.

“Em velocidade de cruzeiro o projeto destina-se a 1500 alunos”, nota João Ferreira, explicando que a verba que a Câmara dá a um universo de 55 mil alunos que frequenta todos os agrupamentos e escolas não agrupadas para adquirir todo o tipo de equipamento desportivo, musical, tecnológico e didático “é menos de metade” do milhão que Moedas previa atribuir anualmente ao TUMO.

Ricardo Moreira, do Bloco de Esquerda, também não entende como se apresenta uma proposta na área da educação sem ouvir o Conselho Municipal de Educação, as escolas e associações que já trabalham no terreno. E critica uma proposta que previa que 25% das vagas fossem para alunos de escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) – as restantes seriam atribuídas por ordem de chegada – sem qualquer ideia de como seria feito o transporte até ao Beato.

“Não há nenhum miúdo vulnerável que atravesse a cidade. Como é que se levam os miúdos para lá?”, questiona à CNN, notando que o apoio previsto “é o valor das refeições escolares num ano, é o valor da reabilitação de uma escola”.

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