IndieLisboa: «Águas Verdes», Tati, Pasolini e Moretti na Argentina - TVI

IndieLisboa: «Águas Verdes», Tati, Pasolini e Moretti na Argentina

«Águas Verdes»

«Águas Verdes», Mariano de Rosa, Argentina, 2009

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Tati na análise do gesto social, Moretti na análise do comportamento e na atitude perplexa das personagens, sobretudo da personagem principal, e Pasolini, Pasolini na linha de queda que um «anjo» vem desencadear. E tanta coisa, tanta coisa mais, por certo.

Esta Argentina é um caso. Faz-me querer ir lá. Lá, fazem-se filmes interessantes, isso posso eu dizer. Este é o segundo filme argentino na competição internacional de longas-metragens (e, tal como os outros, também vai passar mais uma vez, atenção ao programa).

Sem dúvida nenhuma, o melhor destes quatro filmes em competição que vi até agora. Ainda faltam alguns, é certo. E tão diferentes são as coisas! Parece que ainda há filmes feitos por quem se agarra ao que quer mostrar, por quem quer verdadeiramente a imagem, e não, como acontece quase sempre por aqui, por quem quer os efeitos das imagens. É fundamental, a diferença. O que é que a Argentina tem para mostrar e ensinar? Vão ver os seus filmes. Fora do Festival, também há outro em exibição, de Lucrecia Martel, «A Mulher Sem Cabeça».

E, mais uma vez, uma família. Já li que é sobretudo disso que os filmes em competição tratam. Posso confirmar. Mas, mais do que de uma família, em «Águas Verdes», trata-se de um pai, dado que o filme é construído em torno do ponto de vista do pai (excelente, o actor Alejandro Fiore, tal como todos os outros, aliás).

E que ponto de vista! É nisso que Mariano de Rosa ganha o filme, nesta que, salvo o erro, é a sua primeira longa-metragem. No início, é um pai que quer sair dali, com dois filhos (uma filha já mulher e um filho pré-adolescente) à bulha por toda a casa. Quer sair dali de férias, no seu Peujeot amolgado e de pintura retocada. E há nestes filmes sinais (como este) que me deixam baralhado e que constituem também o seu encanto: que objectos são estes, que roupas são estas, que espaços humanos são estes, o que é que estas pessoas fazem?

Voltando à personagem, esta, no fim, já não é a mesma. (Atenção, as personagens não são sempre as mesmas de princípio ao fim ¿ já ouviram falar desta elementar regra de estética e de vida?) No fim, a personagem já não é um pai. É alguém que arrasta a sua família dali para fora (do local de férias, da praia), já separado dela, ou, talvez ainda, para salvar qualquer coisa. Mas, qual quê! Para salvar nada! Uf! Aquilo fica tudo podre, sem parecer, como o peixe, no final.

Esta mudança radical da personagem é manejada com grande maestria por Mariano de Rosa. Passa-se da comédia para um drama psicológico intenso, uma atmosfera de «thriller» ligada à paranóia da personagem. Esta quer controlar, quer saber o que se passa, com, em primeiro lugar, a sua filha, atraída pelo anjo do caminho (Roberto), que a segue até à praia. E depois com a sua mulher e as relações que esta constrói e lhe fogem da mão, onde se inclui a aproximação do mesmo anjo que se aproximou da filha (Roberto). E depois com o filho, o que é que anda o filho a fazer ali, para que todos os pais o venham avisar que o querem afastado dos seus filhos?

A desconfiança da personagem do pai (mais uma vez, o excelente Alejandro Fiore) ganha imagem, dado que passa completamente para o espectador: é verdade que todos o andam a enganar? É tudo inocente?

E por que é que tudo tem de ser inocente, afinal? Pergunta o espectador. Repito: e por que é que tudo tem de ser inocente? Lá está, Mariano de Rosa queria que fizéssemos a pergunta. É o seu método.

Excelente filme, a que voltaremos, no balanço final da competição.



* Crítico de cinema
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