Foi um acontecimento “raro” mas que realça este facto: mesmo no voo mais tranquilo, o mais seguro é levar sempre o cinto. É isso que diz à CNN Portugal o comandante José Correia Guedes, depois de um passageiro ter morrido durante um voo da Singapore Airlines que foi afetado por “turbulência severa” - o terceiro grau mais grave de uma escala de quatro, de acordo com os serviços meteorológicos dos Estados Unidos, que classificam o fenómeno entre "leve", "moderado", "severo" e "extremo". No caso deste episódio com a Singapore Airlines, aconteceu o seguinte efeito: grandes e abruptas mudanças na altitude ou comportamento do avião, que pode ficar momentaneamente fora de controlo.
O antigo piloto da TAP José Correia Guedes explica que este era um caso imprevisível, pelo que a tripulação nunca podia fazer nada ou ser responsabilizada pela morte do passageiro ou pelos 30 feridos que também resultaram do episódio. É que o Boeing 777-300ER, que levava 211 passageiros e 18 tripulantes de Londres para Singapura, foi confrontado com uma situação de turbulência repentina. O mesmo é dizer, refere José Correia Guedes, que era completamente impossível prever a situação, pelo que os sinais de cintos nem deviam estar ligados.
“É a turbulência de ar limpo, que não é visível e os pilotos não podem detetar. O avião atravessa uma camada de ar menos densa e perde sustentação”, refere o comandante, apontando as correntes geradas por outros aviões como a possível causa, até porque não havia quaisquer nuvens no local, que era de céu limpo.
Ainda assim é raro que aconteçam mortes, mesmo quando as situações são mais violentas, como terá sido o caso. José Correia Guedes sublinha que o mais provável é que o passageiro tenha sido projetado com muita violência contra uma das laterais ou o tecto do avião, acabando por partir o pescoço ou algo semelhante, até porque falamos de “acelerações muito fortes”. “Para ter sido projetado, muito provavelmente não teria cinto”, acrescenta, explicando que estes episódios “acontecem de um momento para o outro” - mas ressalva que a segurança do avião nunca está em causa.
Isto por duas razões: a turbulência, mesmo que severa a este ponto, não vai colocar em causa a sustentação do avião a longo prazo; pelo menos um dos pilotos está sempre sentado com o cinto posto, muitas vezes até o cinto de cinco pontos, que também segura a zona dos ombros e do peito.
Já os passageiros, diz José Correia Guedes, é recomendável que estejam “sempre” com o cinto. De resto, o próprio comandante confessa que o faz. “Se [os passageiros] estiverem amarrados não têm razão para ter medo”, sublinha.
Já sobre uma eventual responsabilidade da companhia aérea ou da tripulação, José Correia Guedes afasta esse cenário, até pela imprevisibilidade do caso. E, mesmo que houvesse a previsão de turbulência, a responsabilidade é única e exclusivamente do passageiro a partir do momento em que o piloto acende as luzes de aviso e a tripulação recomenda que todos se sentem com os cintos apertados. “A partir do momento em que o comandante aciona o sinal liberta-se da responsabilidade. Se optar por não apertar [o cinto], a responsabilidade é do passageiro”, diz o antigo piloto.
Em todo o caso, e tentando cumprir todas as normas de segurança, a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla original) deixa as seguintes recomendações em casos de turbulência:
- ouvir os pilotos e os comissários de bordo;
- ter atenção ao briefing de segurança no início de cada voo e ler atentamente as instruções de segurança;
- utilizar assentos aprovados para crianças ou aparelhos se a criança tiver menos de dois anos;
- prevenir lesões ao cumprir as indicações de bagagem dadas pela companhia aérea.
Para se ter uma ideia de quão raro é um episódio destes, a FAA indica que entre 2009 e 2021 houve 146 pessoas feridas gravemente a bordo de aviões comerciais. Estas lesões referem-se a fraturas ou hemorragias graves, além de lesões internas ou queimaduras sérias. Destes ferimentos, 80% foram registados na tripulação.
No mesmo período não houve, segundo o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes, quaisquer mortes a registar na aviação norte-americana. Antes disso, entre 1980 e 2009 houve três mortes causadas por turbulência.