«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.
Hugo Luz terminou a carreira em 2017, com 35 anos, depois de um início promissor e algumas desilusões. Natural de Faro, o lateral esquerdo chamou a atenção do FC Porto ainda com 15 anos e chegou à equipa principal dos dragões, sagrando-se campeão nacional na temporada 2002/03, sob o comando técnico de José Mourinho.
O jogador algarvio chegou ao topo com tenra idade, aos 21 anos, mas não teve continuidade em patamares elevados. Seguiram-se Gil Vicente, Estrela da Amadora, Maia e Olhanense antes de uma experiência feliz na Roménia, ao serviço do Vaslui. Em 2013 regressou ao clube da sua cidade, foi capitão do Farense, mas viria a pendurar as chuteiras no Armacenenses.
O Maisfutebol encontra Hugo Luz em Faro, num ritmo intenso, dividido entre a principal atividade, como gestor de seguros, o trabalho como aeroabastecedor e o curso universário na área do Desporto. «Se calhar ganho tanto como um jogador da II Liga, mas trabalho muito. Antigamente, trabalhava duas horas por dia, agora trabalho dez ou mais», salienta o antigo lateral esquerdo.
Maisfutebol - O que tem feito desde que acabou a carreira de jogador em 2017?
Hugo Luz - Neste momento trabalho sobretudo na mediação de seguros, mas também como aeroabastecedor da BP no Aeroporto de Faro e estou a concluir o curso de Técnico de Desporto na Universidade do Algarve, realizando o estágio na Dragon Force Algarve, em Almancil. Entretanto também fui pai. Tudo somado, ando bastante ocupado [risos].
MF – Terminou a carreira no Armacenenses depois de três anos no Farense e de uma época sem jogar. O que aconteceu nessa altura?
HL – Tinha o objetivo de encerrar a carreira com a camisola do Farense, foi com esse objetivo que regressei ao clube, mas infelizmente fui surpreendido com a minha saída em 2015. Isso aconteceu depois de uma época em que fui capitão e fui considerado o melhor jogador do Farense, numa votação promovida pela claque. Tudo terminou com um telefonema de 30 segundos do então presidente do clube, a dizer-me que não contavam comigo. Quiseram fazer uma limpeza e apostar numa equipa de jovens. Não correu bem.
MF - Ficou sem jogar na temporada seguinte (2015/16) mas depois acabou por aceitar o desafio do Armacenenses, que estava no Campeonato de Portugal. Porquê?
HL – Decidi aceitar para provar a mim próprio que ainda tinha condições, que podia dar um bom contributo, e assim aconteceu. Curiosamente, nessa altura surgiu a possibilidade de regressar ao Farense, que tinha descido de divisão e tinha agora um novo presidente, mas eu já levava três semanas de treinos no Armacenenses e decidi manter o meu compromisso com o clube.
MF – Após essa época, no verão de 2017, decidiu então pendurar definitivamente as chuteiras, não foi?
HL – Exato. Quando saí do Farense, decidi apostar no meu futuro. Inscrevi-me na Universidade e tirei alguns cursos, incluindo o de mediação de seguros. Entretanto, surgiu a oportunidade da Tranquilidade e apostei nisso. Fiz o meu último jogo pelo Armacenenses a 14 de maio e no dia seguinte entrei no curso da Tranquilidade.
MF – Há pouco falou de um trabalho como aeroabastecedor. Em que consiste?
HL - Essa possibilidade surgiu através de um grande amigo meu e consiste no abastecimento de aviões, no Aeroporto de Faro. Permite-me ter outra estabilidade financeira, embora nem sempre seja fácil coordenar com as reuniões de trabalho da área dos seguros. Nesta altura já podia viver só dos seguros, mas quero manter o trabalho como aeroabastecedor.
MF – O ramo dos seguros é a sua grande aposta para o futuro?
HL - Sim, embora seja uma área difícil. Gosto bastante porque vamos em busca de objetivos, tal como no futebol. Temos objetivos mensais, trimestrais e anuais e até agora tenho conseguido superar todos. Claro que para isso temos de estar preparados para ouvir sete negas em dez telefonemas, ouvir muitos nãos. Nem toda a gente está preparada para isso.
MF – Como é o seu dia a dia, atualmente?
HL – Faço o meu trabalho como mediador, quando tenho reuniões utilizo um espaço da Tranquilidade em Faro, cumpro o horário como aeroabastecedor, incluindo aos fins de semana, e à noite estou a fazer o estágio na Dragon Force. Se calhar ganho tanto como um jogador da II Liga, mas trabalho muito. Antigamente, trabalhava duas horas por dia, agora trabalho dez ou mais.
MF – Ohando para trás, como foi o seu percurso, inicialmente de Faro até ao Porto e com o regresso à sua terra no final?
HL – Formei-me no Farense e, quando estava a fazer 16 anos, fui para o outro lado do país, para o FC Porto, onde estive sete anos. O Luís Afonso também foi comigo para a equipa de juvenis. Tive um percurso bom no FC Porto e nas seleções, que representei até aos sub-21. No clube, fui campeão nacional de juniores numa equipa treinada por João Pinto e depois campeão nacional pela equipa principal, com José Mourinho, quando tinha apenas 21 anos.
MF – Como é que surgiu essa oportunidade na equipa principal do FC Porto?
HL – Estava na equipa B do FC Porto e nessa altura, na época 2002/03, o José Mourinho chamava vários jovens à formação principal, havia uma grande proximidade. Havia o Hélder Postiga, depois o Ricardo Costa, eu, também jogaram o Elias, o Akos… Ainda fiz dois jogos no campeonato e vim com a equipa para o estágio no Algarve, antes da final da Taça UEFA, frente ao Celtic, em Sevilha.
MF – Fez dois jogos pelo FC Porto, ambos na reta final do campeonato. Foi bom, mas esperava algo mais?
HL – Sabia que seria difícil. Nessa altura, a oportunidade surgiu porque o Nuno Valente estava lesionado. Fui titular contra o Varzim (3-2) e, na jornada seguinte, fora contra o Sporting de Braga (1-1) fui o primeiro a entrar quando o Paulinho Santos teve de sair por lesão. Fui para lateral esquerdo e o Mário Silva subiu para o meio-campo. Terminei a época como campeão nacional, foi o único título ao mais alto nível mas foi o melhor possível em Portugal.
MF – No verão de 2003 acaba por sair por empréstimo para o Gil Vicente. Foi a melhor opção?
HL – Antes do final da época, o mister Mourinho já tinha falado comigo, disse-me que o melhor seria eu rodar no Gil Vicente, mas a verdade é que não fui feliz e esse ano no Gil Vicente acabou por marcar o resto da minha carreira. Tinha 21 anos, tinha sido campeão pelo FC Porto, era internacional jovem mas cheguei lá e pouco joguei. Nessa altura não se apostava tanto nos jovens e o Gil Vicente tinha o Nuno Amaro, um grande lateral e muito experiente.
MF – Foi os últimos jogos que fez na Liga portuguesa, certo?
HL – Exato. No fim dessa época tive vários empresários a prometer-me clubes no estrangeiro, muitas promessas, mas nada. Acabei por sair para o Estrela da Amadora, já na II Liga, depois Maia e uma época e meia no Olhanense, antes de ir para a Roménia.
MF – Emigrar para a Roménia, para jogar no Vaslui, foi uma boa opção?
HL – Naquela altura fez sentido para mim e foram os melhores anos da minha carreira, a nível financeiro. Fui para um bom clube, que lutou sempre pelo terceiro lugar, pelo segundo, foi a uma final da Taça da Roménia e disputou a Liga Europa. Correu bem até à quarta época, em que tive duas lesões e decidi sair. Tinha 30 anos e optei por voltar ao meu país, se bem que podia ter ficado mais dois ou três anos na Roménia. Enquanto esperava por uma oportunidade, face ao que tinha feito no Vaslui, fui treinar para o Farense. Ao fim de um certo tempo, como não apareceu nada, o mister Bruno Ribeiro perguntou-me se não queria ficar e assim foi. Acabei por jogar no Campeonato Nacional de Seniores. Tínhamos uma grande equipa e subimos à II Liga.
MF – Voltar a vestir a camisola do Farense, o clube onde tudo começou, foi especial para si?
HL – Foi, bastante. Fiz mais de 100 jogos pelo Farense entre 2012 e 2015, era o capitão, estava na minha cidade, os adeptos gostavam de mim, estava feliz e sentia que ia ficar ali até ao fim. Infelizmente, não me foi dada essa possibilidade e o tempo veio provar que essas pessoas não tinham razão. Gostava de ter terminado a carreira no Farense mas terminei no Armacenenses, clube ao qual fico grato, e segui para esta nova fase da minha vida.
MF – Que balanço faz da sua carreira?
HL – Tenho a consciência que nem tudo o que nos rodeia é culpa dos outros. Fiz uma boa formação, fui campeão pelo FC Porto com 21 anos e sentia que podia ir mais longe, mas creio que o facto de não ter jogado mais impossibilitou-me de progredir. De qualquer forma, não fico magoado ou amargurado. Fico com a sensação de dever cumprido, de alguém que não era o melhor, não era tão bom como outros, mas que tinha garra, que se superava e que por isso foi ultrapassando barreiras. O desporto continuará sempre presente na minha vida, estou a concluir o curso de Técnico de Desporto e, se surgir algo nessa área, também irei encarar isso com bons olhos.
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