Porque não crescemos mais? “O Estado dificulta”, mas “há uma mentalidade corporativa nos bancos e nas empresas que permite prolongar situações menos produtivas” - TVI

Porque não crescemos mais? “O Estado dificulta”, mas “há uma mentalidade corporativa nos bancos e nas empresas que permite prolongar situações menos produtivas”

ENTREVISTA || O economista João Moreira Rato diz que há um mistério na economia portuguesa. Temos melhor formação, produzimos mais patentes, mas não conseguimos aumentar o potencial de crescimento do país

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João Moreira Rato diz que a classe média está asfixiada com a subida das taxas de juro do crédito à habitação e pede ao Estado que alivie estas famílias através do IRS.

Os indicadores económicos em Portugal são bons, mas não estão a chegar às pessoas, como diz o Presidente da República?

Não tenho a certeza de que sejam bons, porque a economia está em pleno emprego, quase não tem desemprego, e está a crescer entre 1,6 e 1,8%.

Não é suficiente?

Não, porque tem de recuperar capacidade de crescimento em relação à Europa.

E não chega às pessoas?

Com os problemas que temos tido com a inflação alimentar e na energia, pelo menos no ano passado, houve classes sociais que sofreram mais do que outras. Mas têm sido tomadas medidas no sentido de compensar essas perdas de poder de compra. A crítica que se pode fazer até vai no sentido contrário. As medidas tomadas foram muito gerais e pouco focadas em quem precisava. Não foram suficientemente focadas e perderam-se muitos recursos em quem não precisa.

Há muito tempo que ouvimos dizer que a economia devia estar a crescer mais. Mas o que precisamos fazer para que isso aconteça?

Há um grande mistério na economia portuguesa. Nas últimas décadas temos vindo a recuperar muito em termos do nível de formação da população. A força de trabalho está cada vez mais bem formada e com mais capacidades de produção. O que tem acontecido é que também se passou a notar um fenómeno que antes não existia: cada vez há mais gente a desempenhar papéis que estão abaixo da sua formação. Esse fenómeno não existia nos anos 90. Por outro lado, a economia tem gerado cada vez mais patentes, por exemplo. Mas há uma dificuldade muito grande em passar dessa criação de patentes para mais inovação. Temos mais formação, mas acabamos por não a utilizar plenamente, porque temos trabalhadores a trabalhar abaixo da sua formação. E temos muitas patentes que acabam por não se transformar em inovação. Estamos muito aquém do potencial.

E porque é que isso acontece?

A explicação terá de estar, de alguma forma, no mercado do produto, na forma como há concorrência, como se criam empresas, como se criam oportunidades na gestão. Há várias razões, até a flexibilidade no próprio mercado do trabalho, que podem estar a travar essa passagem do potencial para a economia real.

Mas porque não se resolve? Há um problema de ambição?

Onde se devem procurar explicações é no facto de haver uma diversidade muito grande de produtividade entre empresas, até no mesmo setor. Empresas mais exportadoras e de maior dimensão têm produtividade muito maior do que outras empresas no mesmo setor, que são mais pequenas e não são exportadoras. Pergunta-se, então, porque não vão as empresas maiores buscar os recursos às mais pequenas e coloca-os a produzir mais? Porque há barreiras à transferência de recursos, porque algumas empresas têm dificuldade em morrer, as outras têm dificuldade em crescer e isso tem muito a ver com a concorrência que existe. Há uma postura muito defensiva de proteger os setores e que é pouco agressiva a tentar fazer crescer as empresas e tornar os setores mais dinâmicos.

É um país pequeno. Há uma certa proximidade, uma certa mentalidade corporativa nos bancos e nas empresas que permite que as situações menos produtivas se prolonguem.

E isso acontece porque…

Porque há uma boa parte da população que, no fundo, vota para garantir um nível de segurança na sua vida e tem uma preocupação maior com isso do que em fazer crescer o seu bolo. Está mais preocupada em proteger-se das oscilações do ciclo económico do que em realizar o seu potencial máximo e ambicionar um nível de riqueza superior.

E muda-se como? É uma questão de mentalidade? É cultural?

Tem a ver com barreiras que o Estado facilita e com a qualidade de gestão. O Estado desincentiva a tomada de risco. Devia reduzir a proteção que dá, não acima do necessário para as pessoas viverem em condições, mas reduzir a proteção que está a dar muito acima disso. Por outro lado, a gestão prolonga-se a um nível mediano. Há grupos de gestores que acabam por se proteger uns aos outros e que acabam sempre por conseguir um financiamento bancário e conseguem ficar no mercado muito tempo apesar de não serem bons. Se se conseguisse aumentar a concorrência no mercado dos gestores e que o Estado focasse o seu nível de proteção em quem realmente precisa…

Há uma mentalidade corporativa…

É um país pequeno. Há uma certa proximidade, uma certa mentalidade corporativa nos bancos e nas empresas que permite que as situações menos produtivas se prolonguem. Por outro lado, o Estado, com um excesso de peso burocrático, dificulta as empresas ao desempenhar um papel que não devia desempenhar.

E o caso TAP, por exemplo, não mostra que também há problemas de governação nas empresas, sejam públicas, ou privadas?

Uma das áreas em que se tem muito a evoluir é a área de governança corporativa. Vimos isso nos escândalos do passado, ligados a governanças corporativas em que investidores que não tinham a maioria do capital conseguiam controlar as empresas e fazer mais ou menos o que queriam sem grandes controlos. Por isso, a governança corporativa é uma das áreas que tem muito a evoluir e pode levar ao crescimento e ao amadurecimento do nosso tecido económico. E o Estado dar um mau exemplo não é bom. É triste.

E como pode o Estado ajudar a ultrapassar os constrangimentos de que fala?

Na questão das patentes, por exemplo. Há um aumento brutal de patentes e de produção de patentes nas universidades portuguesas. Ao mesmo tempo, essas universidades estão a produzir muitos mestrandos e licenciados que acabam por ir para fora, por emigrar. O Estado poderia desempenhar um papel ajudando a fundar infraestruturas, que permitissem que essas patentes se transformassem em inovação. Estruturas não interventivas, mas que facilitassem a organização de núcleos de empresas que vão aproveitando os laboratórios e os estudantes, para tentar que essas patentes se transformem em inovação. Isso acontece muito no Reino Unido. Passarmos 15 anos a formar capital humano, desde o primário ao secundário, até à universidade, que depois é apropriado por outros países é uma tragédia. Temos de conseguir criar condições para que essas pessoas fiquem cá.

Ainda há algum caminho para fazer [em relação à subida das taxas de juro]. Não estamos longe do pico, mas há algum caminho para fazer.

Continua convencido que não havia outro caminho para o Banco Central Europeu (BCE) controlar a inflação do que subir as taxas de juros da forma agressiva que o fez?

Continuo.

E está a ter resultados?

Ainda não são muito visíveis, porque o que vimos até agora tem a ver com a correção esperada da inflação de bens alimentares e de energia. No resto dos bens não se nota ainda o impacto do BCE, mas sempre acreditei que esta inflação foi provocada por um choque da procura, aliás, como se viu no aumento das margens das empresas. As empresas aumentam as margens porque conseguem aumentar preços, e conseguem aumentar preços porque há muita procura. Estamos em níveis de pleno emprego e a única forma de travar esta inflação, que vem do lado da procura, é travando a procura. E a forma de travar a procura é subir as taxas de juros.

Ainda não chegou o momento de abrandar a subida das taxas ou de suspender essa subida?

Ainda há algum caminho para fazer. Não estamos longe do pico, mas há algum caminho para fazer.

Não houve alguma imprudência dos bancos centrais na forma repentina como foram subindo as taxas de juros? Não criaram problemas aos próprios bancos como se viu nos Estados Unidos?

A pergunta também pode ser outra. Será que quando mantiveram as taxas de juros baixas durante tanto tempo não estavam a criar implicitamente estes problemas? Depois da reação ao Covid-19 e do tempo em que se mantiveram as taxas tão baixas apareceram no sistema imensas fontes de instabilidade. Será que não foi durante um período de taxas baixas durante muito tempo que se criaram as fontes de instabilidade que agora vêm ao de cima quando as taxas sobem? Se calhar o preço do dinheiro não era o certo e, agora, que o preço se aproxima do preço certo, todos os disparates que se fizeram vêm ao de cima.

E como é que as famílias podem lidar com a subida das taxas de juro?

A dívida das famílias, que é principalmente hipotecária, concentra-se muito na classe média. É um problema de classe média, enquanto o aumento do preço dos bens alimentares e do preço dos combustíveis, que é bastante regressivo, afeta muito as classes mais pobres. Mas a classe média tem uma carga fiscal muito complicada. Aliás, um dos grandes problemas que Portugal tem é a muito pouca capacidade de a classe média acumular riqueza. O que é muito importante para um país gerar riqueza, porque, sem essa capacidade, está sempre dependente do investimento externo. A classe média está muito asfixiada e se o Estado quiser de alguma forma compensar pelo que está a passar em termos de taxas de juros, a melhor maneira de o fazer seria rever os escalões do IRS em vez de entregar subsídios, de subsidiar a taxa de juro ou tentar forçar os bancos a negociações. O Estado devia aliviar as famílias que estão a sofrer mais com isso através do IRS.

Com as medidas tomadas após a crise financeira de 2007-2009, uma das ideias prevalecente era de que perante dificuldades futuras dos bancos os contribuintes não voltariam a ser chamados para os salvar. Mas o que temos assistido, nomeadamente nos Estados Unidos, não é bem isso…

A supervisão acaba sempre a correr atrás do prejuízo. Aparecem sempre novas formas de organização muito rápidas e, por exemplo, o Silicon Valley Bank era muito diferente dos bancos que tínhamos visto até aí. A inovação financeira acaba sempre por ir mais rápido do que a supervisão. A grande questão, o grande debate, é o debate entre o pânico do risco sistémico e dano moral.

Que foi central aquando da falência da Lehman Brothers em 2008.

Timothy Geithner, que na altura era o secretário de Estado do Tesouro, era um grande crente no facto de que quando houvesse risco sistémico não se devia arriscar de maneira nenhuma e devia-se utilizar todo o poder de fogo. O caso da Lehman parece ter demonstrado que tinha razão. Por outro lado, os bancos, sabendo que se houver algum problema, todos os depósitos estão protegidos, podem ter uma tendência para tomar muito mais risco, porque, no fundo, podem ter uma estrutura de capital relativamente pequena.

É uma questão de fronteira?

A grande questão está na fronteira. O Silicon Valley Bank e o Signature Bank eram realmente risco sistémico? A certa altura classifica-se tudo como risco sistémico e cada vez que acontece o mínimo problema usam-se as armas todas. E isso aumenta o problema de dano moral.

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