Com a adopção praticamente fora de questão - apenas um em cada 20 candidatos quer um miúdo acima dos seis anos - estas crianças «velhas» julgam-se «condenadas» a viver na Casa dos Rapazes até ao fim da institucionalização.
Resta-lhes a esperança de voltar aos pais biológicos, aos padrastos ou aos avós.
É quase em tom de confissão, mas com um misto de orgulho pelo passado, que Ruben conta que em tempos idos batia nos colegas e na professora da escola.
Hoje, quase dois anos depois de o juiz ter decretado que ia para a Casa dos Rapazes, o menino «reguila» está mais calmo.
Diz que adora os companheiros da turma e garante que já não bate em ninguém.
«Eu não gostava da escola e a professora não gostava de mim. Nem me conseguia ensinar. . .», conta Ruben, com os olhos postos no chão.
Antes de vir para a «Casa dos Rapazes - Instituto D. Francisco Gomes», Ruben vivia em Olhão com a avó e a mãe.
Apesar de a sua vida ter mudado - admite que já aprendeu a escrever e ler - «mais ou menos» - e orgulha-se de estar na terceira classe - as perspectivas alinham pelas do resto da família: crescer, aprender a ser pescador e dedicar a vida a apanhar nas redes as sardinhas e os carapaus.
Com o fim do tempo de institucionalização à vista - «Está quase a acabar o meu tempo aqui, o juiz disse dois anos» - Ruben encara uma perspectiva mais sombria.
Caso a família biológica continue sem condições financeiras para alimentar mais uma boca, o menino pode ficar mais um período na Casa dos Rapazes.
Márcio, 10 anos
O mesmo acontece com Márcio, 10 anos.
Vem de uma família constituída pela mãe, padrasto e cinco filhos, a viver junto ao largo da feira, no centro da capital algarvia.
«Um dia estava na escola e trouxeram-me para a Casa dos Rapazes», recorda simplesmente, sem apontar razões para mudança tão inesperada.
Apesar de estar contente na instituição, que o obriga a regras como lavar os dentes todos os dias - «lá em casa era só de vez em quando» - Márcio deixa bem claro que tem saudades dos quatro irmãos, da mãe, do padrasto.
Sem entenderem bem o que os levou até às malhas de uma nova casa que lhe pode dar mais do que a família, Márcio e Ruben podem ter que ficar na Casa dos Rapazes até à maioridade, explicou à Lusa o presidente da instituição, António Barão, e a directora técnica e psicóloga, Dora Barbosa.
«Há suporte afectivo mas depois falta suporte financeiro. Muitas das vezes há negligência a nível da alimentação, escolaridade ou de higiene», refere Dora Barbosa.
O ideal é regresso à família
Segundo o responsável pela instituição - que existe há 60 anos na cidade algarvia e alberga 60 crianças e jovens - o ideal é que as famílias voltem a recolher as suas crianças.
Mas António Barão também tem consciência que tal é raro e é por essa ra zão que alguns dos jovens ficam ali até aos 18 anos.
«Mesmo atingindo a maioridade, muitos dos rapazes não sabem que rumo dar à vida e sentem-se sós e, por isso, continuam ligados à instituição, nem que seja para virem comer e lavar a roupa, embora vivam fora da Casa dos Rapazes e sigam os seus próprios horários», observa.
Pode muito bem ser o futuro de Márcio e Ruben.