Falta de armas, trincheiras e "um desaire". General Syrskyi foi o escolhido para mudar o rumo da guerra, mas será capaz de salvar a Ucrânia? - TVI

Falta de armas, trincheiras e "um desaire". General Syrskyi foi o escolhido para mudar o rumo da guerra, mas será capaz de salvar a Ucrânia?

Oleksandr Syrskyi (AP)

É considerado "um duro" e pragmático líder, que recebeu a difícil missão de travar um exército russo que se preparava para passar à ofensiva. Mas recebeu também um exército devastado por uma contraofensiva falhada e viu durante meses os Estados Unidos divididos no envio de apoio militar

Relacionados

Os últimos meses não têm sido fáceis para a Ucrânia. Altamente debilitada pela falta de apoio dos Estados Unidos da América e bastante desgastada de uma contraofensiva que surtiu poucos efeitos, o governo ucraniano decidiu mudar o leme das suas Forças Armadas, escolhendo Oleksandr Syrskyi para suceder ao popular general Valeri Zaluzhnyi. Mas a tarefa não tem sido fácil. Desde que assumiu o cargo, perdeu controlo de várias localidades e tem-se desdobrado em tentativas de conter a anunciada ofensiva russa.

“Syrskyi recebeu uma pesadíssima herança. Para além de receber umas Forças Armadas desgastadas, com um programa de mobilização por aprovar, herdou uma situação muito má, fruto de más decisões que têm vindo a ser tomadas. Neste curto espaço de tempo, tem sido muito realista”, considera o major-general Isidro de Morais Pereira.

Quando Oleksandr Syrskyi chegou ao cargo mais alto das Forças Armadas ucranianas, já pouco havia a fazer em Avdiivka. A pequena cidade industrial a norte de Donetsk, que resistia desde o dia 10 de outubro de 2023 a uma das mais intensas ofensivas russas desde a queda de Bakhmut, tinha visto os soldados de Moscovo romperem a sua principal linha de defesa dois dias antes.

Os russos estavam a utilizar com impunidade as suas novas bombas KAB1500, um engenho capaz de planar 60 quilómetros até atingir com precisão o seu alvo com mais de 1500 quilos de explosivos. Poucas fortificações são capazes de resistir a estas explosões e a cada hora a situação agravava-se. Por isso, uma das primeiras medidas tomadas pelo coronel-general ucraniano foi deslocar para a linha da frente uma bateria antiaérea Patriot, que tem um alcance de 160 quilómetros.

O resultado sentiu-se quase de imediato. Em 13 dias, a Ucrânia destruiu 13 aviões de combate russos, incluindo vários Sukhoi Su-34 e um importante avião de reconhecimento, o Beriev A-50. Mas a estratégia do general comportava riscos e, pouco depois, dois lançadores de mísseis Patriot foram atingidos pela Rússia.

“Quando foi nomeado, as circunstâncias não permitiam outra solução: Syrskyi teve de se remeter à defesa. Não lhe restava outra possibilidade. Teve de ser realista e mandar retirar os seus soldados, preservando potencial de combate”, analisa Isidro de Morais Pereira.

Oleksandr Syrskyi fotografado a dar instruções às tropas de Soledar, onde ocorreram violentos combates em janeiro de 2023 (AP)

A deterioração no terreno levou a que o antigo comandante da infantaria ucraniana ordenasse a retirada de Avdiivka, ainda que não existissem posições defensivas preparadas para o fazer. Mas a herança deixada pelo popular general Valerii Zaluzhnyi não deixou muito espaço de manobra ao militar formado na Rússia. Uma após outra, várias localidades foram caindo aos avanços russos. “A situação deteriorou-se significativamente”, admitiu o comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, que não tem dúvidas de que uma ofensiva russa se aproxima.

A estratégia delineada por Syrskyi, nascido e educado na Rússia, foi bastante semelhante à adotada por Moscovo em vésperas da contraofensiva ucraniana de 2023: cavar, cavar e cavar. Trincheiras, bunkers, obstáculos para tanques, dentes de dragão e extensos campos de minas têm sido colocados um pouco por toda a frente de batalha.

No entanto, os especialistas admitem que a Ucrânia está demasiado atrasada na construção destas estruturas e que, se a Rússia atacar, estas defesas arriscam não ser tão sólidas quanto as russas. Além disso, segundo os especialistas, a Ucrânia não tem linhas defensivas secundárias capazes o suficiente para fazer frente ao ataque russo.

“A Ucrânia está muito atrasada no esforço para entrincheirar. A Ucrânia não tem boas linhas defensivas secundárias”, refere Michael Kofman, um especialista em Defesa do Carnegie Endowment for International Peace, think tank norte-americano.

Este esforço faz para do plano ucraniano para tentar reconstruir o seu exército para uma guerra de longa duração. Segundo o think tank norte-americano Center for Strategic and International Studies (CSIS), os fundos recentemente aprovados pelo Congresso norte-americano podem vir em auxílio de Syrskyi para atingir este objetivo. 

Ao contrário do seu antecessor, Syrskyi não goza da popularidade política de Valerii Zaluzhnyi. O coronel-general tem fama de “carniceiro” entre alguns oficiais do exército ucraniano, pela forma como defendeu a cidade de Bakhmut a grande custo, no início de 2023. Ao mesmo tempo, há quem defenda o seu pragmatismo e o realismo com que enfrenta os desafios.

Oleksandr Syrksyi foi responsável pela defesa de Kiev nos primeiros dias da guerra, quando o futuro da capital parecia incerto. Meses mais tarde, protagonizou uma das manobras mais competentes do exército ucraniano, levando à retirada do exército russo de grande parte da região de Kharkiv, em setembro de 2022.

Oleksandr Syrskyi recebe Volodymyr Zelensky durante uma visita presidencial a Izium, em Kharkiv (AP)

“Zaluzhnyi era carismático, querido pela população e pelo exército. Syrskyi é um general de carreira. É formado na escola da antiga União Soviética, é um duro, mas é um homem que apresenta resultados. Syrski é alguém que não colhe muitas simpatias na linha da frente. Muito dos oficiais ucranianos não gostam do estilo de comando de Syrskyi. Acusam-no de atribuir a missão e de não reunir os meios necessários para atingir esses objetivos”, explica o major-general Agostinho Costa.

Mas uma das principais promessas do coronel-general ao ocupar o cargo passava por uma rotação de soldados mais justa. Oleksandr Syrskyi considera que várias unidades passam demasiado tempo na linha da frente, ao passo que outras ficam demasiado tempo sem combater, levando à desmoralização dos militares no terreno. O objetivo era “manter o equilíbrio entre o cumprimento das tarefas de combate e a restauração das unidades com a intensificação do treino”, argumentou Syrksyi.

Passados dois meses, a situação continua muito atrasada. A nova lei da mobilização ucraniana foi aprovada, mas não garante os 500 mil soldados pedidos inicialmente pelas Forças Armadas. O próprio general admitiu que o número final deve ser bem inferior.

“O problema agora são os efetivos. A Ucrânia vai recrutar, mas uma unidade militar não se prepara em três meses. Em três meses prepara-se um soldado, uma unidade é outra coisa. Esta guerra está a ter um desgaste muito grande para a Ucrânia. A Rússia roda as suas forças com muita frequência”, frisa Agostinho Costa.

A falta de soldados levou mesmo ao agravar da situação na frente de batalha, perto de Ocheretyne, onde o erro na rendição de uma unidade militar permitiu à Rússia penetrar perto de cinco quilómetros na linha defensiva ucraniana. A manobra é complexa, particularmente quando é feita na linha da frente, mas os especialistas consideram que esta acontece numa altura em que a falta de soldados se está a tornar cada vez mais intensa.

“A queda de Ocheretyne é o seu principal desaire, mas não podemos ceder à tentação de dizer que este homem fracassou. A vida de Syrskyi não é fácil, herdou umas Forças Armadas em situação periclitante. Demonstrou ser justo e pragmático, capaz de fazer o que tinha de ser feito. Mas vamos ter de aguardar, acredito que não desistiu de atacar. A Rússia pode vir a fazer novas conquistas, mas ao custo de muitas vidas”, insiste o major-general.

Continue a ler esta notícia

Relacionados