O bispo auxiliar de Braga, Nuno Almeida, afirmou esta segunda-feira que “pedir perdão é necessário mas não é suficiente”, sublinhando que “não pode continuar a haver vítimas, agressores e encobridores” face às denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica.
Nuno Almeida vai mais longe e contraria as interpretações do cardeal-patriarca de Lisboa e do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Clemente e José Ornelas, respetivamente. Entende o sacerdote de Braga que as dioceses têm o poder de agir em casos concretos
“O bispo deve acolher, analisar, avaliar e aprofundar, com a devida atenção, todas as denúncias, independentemente da forma ou do canal utilizado. Deverá dar todo o apoio e protecção possíveis às vítimas e retirar as consequências necessárias, nomeadamente (…) tomar medidas de tipo administrativo contra a pessoa denunciada, que poderão levar a limitações no ministério”, escreve o bispo numa nota publicada no site da diocese. Nuno Almeida foi coordenador da Comissão de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis da Arquidiocese de Braga.
Em linha com o Papa Francisco, que defende que "não basta pedir perdão" em casos destes, Nuno Almeida defende-se com o manual divulgado pelo Vaticano em 2020 e que prevê, entre as medidas cautelares, a saída do suspeito de abusos da atividade na Igreja, mesmo que isso aconteça durante uma fase de "investigação prévia".
“A medida cautelar não é uma pena, pois as penas só se impõem no final de um processo penal, mas um ato administrativo”, sublinha.
Estas declarações surgem depois de Manuel Clemente ter afastado um cenário de suspensão de padres suspeitos "sem que haja factos comprovados, sujeitos a contraditório". Dizia o cardeal-patriarca de Lisboa que essa seria uma "pena muito grave", acrescentando mesmo que "não é uma coisa que um bispo possa fazer por si". Na mesma linha esteve José Ornelas, que também sublinhou que seria "grave" afastar um padre nestas condições.
“Que estes dias duros que vivemos, de via purgativa, de estrada penitencial, nos levem a caminhos novos em ordem a comunidades cristãs sãs e seguras, conscientes de que não pode continuar a haver vítimas, agressores e encobridores”, lê-se ainda na mensagem publicada no site da Diocese de Braga, intitulada “Pedir perdão é necessário mas não é suficiente…”.
Nuno Almeida recorda que, para este mês de março, no âmbito da "rede mundial de oração’, o Papa Francisco afirmou que, "diante dos abusos, especialmente aqueles cometidos por membros da Igreja, não basta pedir perdão".
“Pedir perdão é necessário, mas não é suficiente. Pedir perdão é bom para as vítimas, porque são elas que devem estar ‘no centro’ de tudo. A sua dor, os seus danos psicológicos podem começar a cicatrizar-se se encontrarem respostas; ações concretas para reparar os horrores que sofreram e evitar que se repitam …’”, lê-se na mensagem.
Para Nuno Almeida, “é preciso reforçar uma nova consciência sobre o poder de cada um para saber ouvir e ler os sinais de alerta - não é possível manter a impunidade nem o silêncio”.
“Ainda não temos programas de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, de acompanhamento espiritual e de reconciliação - nem para as vítimas nem para abusadores. Há que estudar as boas práticas de outros países e avançar também em Portugal com percursos de cura e reconciliação”, defende.
“Uma pessoa pode abrir-se à graça do perdão e deixar transformar-se. Ninguém está irremediavelmente perdido. Há sempre essa possibilidade, mas tem de passar pela capacidade de admitir a culpa e pelo difícil equilíbrio entre a justiça, verdade e a misericórdia”, escreveu o bispo auxiliar de Braga.
Nuno Almeida relembrou uma carta, datada de 2 de fevereiro de 2015, dirigida pelo Papa aos presidentes das Conferências Episcopais, na qual adverte que "é necessário continuar a fazer tudo o que for possível para desenraizar da Igreja a chaga dos abusos sexuais contra menores e abrir um caminho de reconciliação e de cura a favor de quantos foram abusados".
O bispo auxiliar de Braga entende que, além da disponibilidade das comissões diocesanas para acolher e acompanhar as vítimas, “urge disponibilizar pessoas e programas para acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, bem como acompanhamento espiritual e de reconciliação para as vítimas que o desejarem". "Há que criar uma ‘bolsa de técnicos’ e de acompanhadores espirituais.”
Nuno Almeida refere que “poderá ser conveniente que uma denúncia seja apresentada e recebida noutra diocese”, defendendo o aperfeiçoamento dos “mecanismos que já existem, e tentar a cooperação entre as comissões diocesanas e as CPCJ [Comissões de Proteção de Crianças e Jovens] de cada concelho”.
“Abrir um canal de comunicação com o Ministério Público ou Polícia Judiciária” ou encontrar, a nível nacional, “formas de colaboração com a APAV [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima]” são outras das medidas apontadas.
Na parte da mensagem "Abrir caminhos de reconciliação e de cura para agressores", lê-se nomeadamente que a Igreja “não deve abandonar o presumível agressor”. “Porque a ‘redenção é sempre possível’, embora só com a ‘admissão da culpa’ por parte do alegado criminoso”, refere Nuno Almeida.
A Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja Católica validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais nove foram arquivados.
Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.
No relatório, divulgado em fevereiro, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais “devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’” deste fenómeno.
A comissão entregou à Conferência Episcopal Portuguesa uma lista de alegados abusadores, alguns no ativo, tendo esta remetido para as dioceses a decisão de afastamento de padres suspeitos de abusos e rejeitado atribuir indemnizações às vítimas.