Dois portugueses no Maio de 68 - TVI

Dois portugueses no Maio de 68

Maio de 68

Recordam o que viveram e contam como vêem a sociedade francesa 40 anos depois da revolta estudantil

Quarenta anos depois do Maio de 68, a revolta estudantil que agitou a sociedade francesa continua a suscitar acesos debates, principalmente desde que Nicolas Sarkozy afirmou que era preciso «liquidar» essa herança.

Três em cada quatro franceses discordam desta ideia defendida por Sarkozy no final da campanha eleitoral das presidenciais, há cerca de um ano, indicou uma sondagem recentemente publicada na revista Le Nouvel Observateur.

A maioria dos franceses considera que o movimento de 68 teve um impacte positivo na sociedade francesa.

Os portugueses no Maio de 68

Em Portugal, a tirada do actual presidente francês ganhou maior projecção numa altura em que se assinalam os 40 anos da revolta estudantil.

«O facto de Sarkozy falar contra o Maio de 68 mostra que este ainda está vivo», disse à Lusa o sociólogo e historiador Manuel Villaverde Cabral, que vivia na altura em Paris, depois de ter fugido à PIDE em 1963.

«Por exemplo, ele não podia fazer as cenas tristes que faz de andar a casar e descasar em directo se não fosse o Maio de 68...», continuou.

Villaverde Cabral falava à margem de um colóquio internacional que decorreu no Instituto Franco-Português dedicado aos acontecimentos de há 40 anos, aos quais se referiu como «uma actualização da sociedade».

«Participei no Maio de 68 como revolucionário semi-profissional», afirmou o professor universitário, que na altura tinha 28 anos e trabalhava e estudava em Paris.

«Não era profissional porque na altura ninguém me pagava e tinha de trabalhar para viver», explicou, confessando que guarda recordações «maravilhosas» desse período.

15 dias de comunismo prático

Para Villaverde Cabral e para outros portugueses que então viviam exilados em Paris, foram 15 dias de «comunismo prático», na descrição do sociólogo, que acabaria por ser detido já no rescaldo desta «revolta contra a autoridade».

Em Julho desse ano, seguia num carro com uma amiga e esta viu um amigo dela que fugia da polícia. As autoridades dispersavam uma centena ou duas de pessoas, na zona do Quartier Latin, já perto do Sena.

«Parei o carro e enquanto ela saía para ele entrar, eu já cá estava fora, com a camisa sem botões, nem desliguei o carro», recordou, sublinhando que esteve detido mais de 17 horas e apanhou «porrada».

Depois, a polícia foi libertando os jovens detidos, mas o português ficou para o fim, «com um grego e com os árabes».

«Espanha mete a França num chinelo

Para o investigador, o Maio de 68, «enquanto tendência intelectual dominante, desde os anos 80 que vem a perder terreno», mas ao fim de quatro décadas «a França pouco mudou».

«É um país muito conservador e voltou a cair um bocado na rotina. Hoje, um país como a Espanha tem uma dinâmica que mete a França num chinelo», declarou.

Hélder Costa, encenador, também viveu o Maio de 68 em Paris. Na altura estudava teatro na Sorbonne «com uma bolsa de estudo do Salazar», ironiza a propósito do exílio.

Inscreveu-se primeiro em Direito, que já estudara em Portugal, e depois em estudos teatrais.

Em declarações à Lusa, recordou as reuniões realizadas pelos estudantes na noite de 3 de Maio, quando a polícia entra na Sorbonne.

«Era uma coisa fascinante ao mesmo tempo utópica e ingénua», afirmou, referindo que nos dias seguintes foi ocupada em Paris a Casa de Portugal, transformada numa espécie de centro de debates.

Confessando que não é «um optimista do Maio de 68», Hélder Costa referiu-se à agitação desses dias como «uma erupção social interessante».
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