Opinião: «Sempre coerentes e cada vez mais determinados» - TVI

Opinião: «Sempre coerentes e cada vez mais determinados»

Joana Reis

Jornalista da TVI e a missão cumprida depois de publicar «A transição impossível: a ruptura de Francisco Sá Carneiro com Marcello Caetano»

Quando há três anos, arranquei com o projecto da minha tese de mestrado não supus que ele ia culminar na publicação de um livro, muito menos em plena comemoração dos trinta anos da morte de Francisco Sá Carneiro. Sabia sim que tinha uma «missão» pela frente, na medida em que a atribulada vida de um jornalista, no que toca a horários e imprevistos, contraria quase sempre o método de trabalho, a persistência e sobretudo a concentração que a tarefa exige.

Defendida a tese e publicado o livro, apetece partilhar o que de melhor fica na memória: as revelações que se vão atravessando na vida do investigador, cada documento inédito e cada detalhe descoberto. Por si só estes elementos já são motor suficiente para levar por diante a «missão», mas há ainda o poder dar voz a quem foi protagonista da história. E com isso contribuir, de alguma forma, para contar a História!

Este livro, «A transição impossível: a ruptura de Francisco Sá Carneiro com Marcello Caetano», explica a impossibilidade de transição de um regime autoritário para a democracia em Portugal, nos anos em que Marcello esteve à frente dos destinos do país, explorando o argumento de que Marcello Caetano foi sempre um homem avesso à democracia - como demonstravam as suas aulas e os seus manuais -, que se manteve inconvertível até ao fim. Por outro lado, mostra a falta de entendimento com a «ala liberal» e a possibilidade de ter havido equívocos iniciais nos propósitos quer daqueles que aceitaram integrar, na qualidade de independentes, as listas da União Nacional nas eleições de 1969, quer nas promessas que lhes foram feitas pelo então Presidente da Comissão Executiva da União Nacional.

A «ala liberal», defensora de uma transição de regime pacífica e faseada, vinda de dentro, lutou por uma revisão constitucional que propunha o regresso da eleição directa do Presidente da República e preconizava a instauração da liberdade de associação e reunião, a reorganização judiciária e o aumento de poderes do Parlamento. Mas a revisão constitucional de 1971 e as eleições presidenciais do ano seguinte acabaram por constituir não só as grandes oportunidades perdidas por Marcello Caetano, mas também a maior prova de que o Presidente do Conselho queria apenas descomprimir e modernizar... Não mais do que isso.

De um lado, a guerra no Ultramar, do outro Américo Thomaz e a ala mais conservadora do regime, foram, de igual forma, o entrave para uma liberalização do regime. O primeiro aspecto constituiu um problema para o qual Marcello Caetano não soube encontrar solução, enquanto o segundo se manifestou como uma evidência que o Presidente do Conselho preferiu não enfrentar.

Francisco Sá Carneiro acabou por bater com a porta, renunciando ao seu mandato de deputado em 1973, convicto de que mais valia romper do que pactuar com um caminho com o qual discordava. «Sempre coerentes e cada vez mais determinados» - uma máxima por ele defendida e que muitos dos que lhe foram próximos têm feito questão de recordar no momento em que passam trinta anos sobre o seu desaparecimento.
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