"Apetece-me zero estar aqui apesar de gostar muito do Manel." Mas Maria Botelho Moniz sentiu que tinha de fazer isto: em nome delas, só por elas (transcrição integral - e emocionante) - TVI

"Apetece-me zero estar aqui apesar de gostar muito do Manel." Mas Maria Botelho Moniz sentiu que tinha de fazer isto: em nome delas, só por elas (transcrição integral - e emocionante)

  • 9 abr 2023, 16:23

Elas? Quem são elas? São "estas jovens, estas crianças, estas jovens adultas" que "não são iguais ao parâmetro, ao padrão de beleza que alguém impôs". E é perigoso, é mesmo perigoso, e por vezes até é fatal o que lhes estão a fazer: "Há muita gente que se suicida por causa da pressão que existe em se ser de uma certa forma". Portanto: o padrão de beleza é esta entrevista - pela coragem, pela sensibilidade, pela inteligência. Beleza é Maria Botelho Moniz: ouçam, leiam, aprendam. Respeitem. E mais: isto não é moralismo - é civismo. E é humanidade. Maria Botelho Moniz entrevistada por Manuel Luís Goucha: vídeo + transcrição integral. "A desculpa que mais me irrita é dizer que somos uma figura pública e que as figuras públicas estão sujeitas a isto. Ninguém está sujeito a um insulto. Ninguém é público o suficiente para dar legitimidade aos outros a insultarem e a humilharem"

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu não seria honesto para contigo, nem para comigo, nem para consigo que está aí em casa se não te dissesse, se não vos dissesse, que eu conheço muito bem o Alexandre Pais. Eu tive com ele uma relação de amizade, eu posso dizer que ainda tenho estima por ele, há 20 anos que não privo com ele, mas eu privei, há 30, 40 anos privei com o Alexandre quando ele era diretor de jornais. O que não me tira de sentimento de forma alguma perante um texto que eu acho lamentável e de mau gosto. Um texto que diz coisas como, por exemplo, estas: "Maria Botelho Moniz é mulher simpática mas robusta, com tendência para aumentar de peso e raramente usando roupa adequada às suas características. Maria devia concentrar nesse problema de resolução difícil o que lhe exige: disciplina e capacidade de sacrifício. Muito sacrifício". Depois há aqui outros considerandos. O artigo termina, "acorda, Maria". Mais: logo no início, ele diz que tu estiveste de férias e que estarás a não aproveitar a maior oportunidade profissional da tua vida justamente para tratar da imagem.

MARIA BOTELHO MONIZ Diz até, e foi o que mais me doeu, que eu desrespeito o meu público pela forma como me apresento. Isso foi o que me doeu. E dói-me que a Maria seja simpática, mas...

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas? Podia ter dito simpática e robusta.

MARIA BOTELHO MONIZ Fim. Mas.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas até podia dizer robusta, porque eu olho para ti e não vejo quilos a mais. Eu vejo uma mulher...

MARIA BOTELHO MONIZ Eu gostava que alguém me dissesse o que é que é a mais. Ou seja, qual é o ponto e a partir de onde é que é a mais. Que é para eu depois também saber se estou a mais ou a menos.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu vejo uma mulher grande, porque tu tens uma compleição física, tu és maior que eu, és mais alta.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu sou muito alta. Eu tenho ombros de nadadora olímpica e tenho rabo de Kardashian. Está tudo bem, eu lido bem com isso. Uns dias melhor, outros dias pior, mas eu não preciso que um homem que tem idade para ser meu pai me diga isso.

MANUEL LUÍS GOUCHA Isso também te doeu, o facto de ele ser velho a ponto de poder ser teu pai?

MARIA BOTELHO MONIZ Dói. Dói porque é... Quem és tu? Eu não o conheço. Sei do seu trabalho porque vou acompanhando a imprensa, mas eu não o conheço. Aquilo que eu não entendo é o porquê. Porque a mim parece-me gratuito e não parece ter um objetivo aquilo que é escrito. Qual é o objetivo? É humilhar-me?

MANUEL LUÍS GOUCHA Sentiste-te humilhada?

MARIA BOTELHO MONIZ Senti. Não à primeira passagem, que é uma coisa engraçada.

“Com este ritmo de trabalho que nós temos, a alimentação deixou de ser a mesma, as idas ao ginásio, aos treinos deixaram de ser as mesmas. Eu comecei a ficar mais velha também. As hormonas são uma gaita. E fui florescendo noutro sentido. Se isso me incomoda? Às vezes sim, noutros dias é-me completamente indiferente. O que me incomoda é isto ser um tema

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que soubeste deste artigo? Como é que ele chega ao teu conhecimento?

MARIA BOTELHO MONIZ Eu soube de uma maneira muito tonta e muito... Eu estava a leste, estava a passar um domingo em família no meio das motas na escola do Pedro, que fica no Carregado, já agora façam marcação e vão até lá.

MANUEL LUÍS GOUCHA Portanto o Pedro tem uma escola de motas no Carregado.

MARIA BOTELHO MONIZ E estávamos a passar um dia em família.

MANUEL LUÍS GOUCHA O Pedro é o noivo.

MARIA BOTELHO MONIZ É, é o meu noivo. Estávamos a passar um dia em família e eu recebo uma mensagem da Magda Burity. A Magda foi comentadora do Big Brother 2020, esteve envolvida no Big Brother Angola e é uma superativista. E enviou-me uma mensagem que eu não percebi. A dizer 'miúda, estou do teu lado'... Assim um texto, mas que eu não entendi de onde é que veio.

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque estavas a leste?

MARIA BOTELHO MONIZ Estava a leste. Eu disse, desculpa Magda, não estou a perceber. E ela disse 'ah, porque li um texto a comentar, um texto...'. Entrei nas redes e aí percebi o que é que estava a acontecer. Li a primeira vez, encolhi os ombros e segui o meu dia. Não me afetou minimamente, o que já é um bom sinal. É sinal de que eu estou a ganhar a força, estou a ganhar a carapaça e que já não me magoam à primeira. Reli. E reli. E reli.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas quando relias, já a relias influenciada pelos comentários que entretanto foram surgindo?

MARIA BOTELHO MONIZ Não, não porque ainda não os tinha ido ver, a Cristina ainda não tinha feito a partilha. Eu acho que é a partir da partilha da Cristina que isto ganha uma dimensão, porque a Cristina chega a muito mais gente do que eu. E a cada leitura que fazia encontrava uma nova palavra, uma vírgula, o mas, a comparação com outras duas apresentadoras, o colocar em causa a minha dedicação.

MANUEL LUÍS GOUCHA Ele compara-te com a Catarina Furtado e a Sónia Araújo.

MARIA BOTELHO MONIZ Porquê comparar? Com que base? Só porque somos mulheres?

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque não há pessoas comparáveis.

MARIA BOTELHO MONIZ Só porque somos mulheres podem-nos pôr numa balança lado a lado? Porquê?

MANUEL LUÍS GOUCHA Nunca ninguém falou do Fernando Mendes, do José Carlos Malato, ou até do próprio Herman José, que tem flutuações de peso.

MARIA BOTELHO MONIZ Onde é que está o artigo que vos compara a vocês todos? Onde vos põem a todos numa fila e fazem um ranking? Onde é que está esse artigo? Onde é que está o artigo que põe em causa a capacidade do Manel em fazer uma entrevista porque tem mais ou menos cabelo, porque tem cabelos brancos, porque se veste de forma colorida? Onde é que está esse artigo? O meu está aqui. Simpática mas robusta. À décima vez que eu li, doeu. Mas doeu. Manel, eu coisas destas leio todos os dias há muitos anos. Eu faço televisão faz este ano 18 anos. 18! Há 18 anos que eu leio coisas destas.

MANUEL LUÍS GOUCHA Sobre a tua imagem?

MARIA BOTELHO MONIZ Sobre a minha imagem.

MANUEL LUÍS GOUCHA Nomeadamente nas tuas redes sociais também.

MARIA BOTELHO MONIZ Ah, isso é mato. Eu já tive menos 5, menos 10, menos 15, menos 20 quilos. Foi sempre posta em causa a minha imagem. Nunca foi posto em causa o meu talento e o meu profissionalismo. E é esse que devia estar em análise. E à décima vez isto doeu. Quando não dói à primeira passagem eu fico contente e penso 'já estou a ganhar força e estou a tornar-me mais forte, já sou dou importância ao que tem importância'. Mas quando dói à décima vez, eu penso, 'ok, não estou tão forte quanto achava ou já eu também estou a normalizar aquilo que é escrito sobre mim todos os dias porque, ah, é só mais um, é só mais um homem que decidiu escrever sobre o corpo de uma mulher e desta vez fui eu'. Eu já estou a ficar habituada. Isso não é certo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Pois não, isso não é bom.

MARIA BOTELHO MONIZ Não é certo que eu me conforme que dia sim dia não saia qualquer coisa sobre a minha imagem.

MANUEL LUÍS GOUCHA Então estás-me a dizer que pelas estações onde tu já passaste, tu já sentiste pressão em relação aos possíveis quilos a mai, à tua imagem.

MARIA BOTELHO MONIZ Em todo lado.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas isto é algo que te persegue desde sempre na tua vida?

MARIA BOTELHO MONIZ Eu nunca fui uma criança magra. Eu sempre fui uma miúda atlética. Sempre fiz imenso desporto. Andei na natação, montava a cavalo, corria, saltava, pulava. Eu fui sempre Maria Rapaz. Joguei vólei durante muitos anos. Eu sempre tive um corpo de atleta. Quando comecei a trabalhar em televisão foi com esse corpinho ainda de atleta. Porque vinha dos Estados Unidos, onde dançava quatro horas por dia. Portanto, vinha impecável. E entrei no mundo da televisão. Ora, com este ritmo de trabalho que nós temos, a alimentação deixou de ser a mesma, as idas ao ginásio, aos treinos deixaram de ser as mesmas. Eu comecei a ficar mais velha também. As hormonas são uma gaita. E fui florescendo noutro sentido. Se isso me incomoda? Às vezes sim, noutros dias é-me completamente indiferente. O que me incomoda é isto ser um tema.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas incomoda-te devido a estas chamadas de atenção, é isto ser um tema?

MARIA BOTELHO MONIZ É isto ser um tema, é o que me incomoda.

“As duas pessoas que são criticadas neste artigo são líderes da audiência nos seus respetivos programas. Eu, ao lado do meu querido Cláudio, lidero todas as manhãs. A Cristina é líder todos os domingos. As pessoas estão muito pouco preocupadas com a nossa imagem

MANUEL LUÍS GOUCHA Tu sempre lidaste bem com o teu corpo, com a tua imagem?

MARIA BOTELHO MONIZ Sempre lidei bem. Eu acho que não há ninguém que diga que estou 100% confiante com aquilo que sou, quem sou e o corpo que tenho. Acho que é impossível. Todos nós olhamos ao espelho e há ali uma coisinha que se tirava ou que se punha. Mas é um problema meu que eu tenho que lidar comigo na minha cabeça. Não é um problema ou não é um tema que tem de ser debatido em praça pública num artigo de opinião. É só uma opinião. Essa é a defesa. Liberdade de expressão é só uma opinião. Posso dizer o que entender. Ela é uma figura pública. Ninguém é público o suficiente para ser humilhado desta forma. Ninguém. Isto é tão injusto. E é pura maldade. E qual é o objetivo? É o quê? É fragilizar-me? Depois a resposta que vem no dia seguinte, que é... Tenho-a aqui, 'mas eu não critico pessoas, apenas exprimo a minha opinião', por aí fora, 'e a Cristina tem o direito, como todos os outros, de escolher a imagem com que se apresenta mas isso em televisão paga-se com audiências'. Ok. Então, a imagem que nós projetamos...

MANUEL LUÍS GOUCHA Isto por acaso é facilmente desmontável se formos ver as audiências.

MARIA BOTELHO MONIZ É exatamente esse o meu ponto. A imagem com que nos apresentamos paga-se em audiências? As duas pessoas que são criticadas neste artigo são líderes da audiência nos seus respetivos programas. E agora? Eu, ao lado do meu querido Cláudio, lidero todas as manhãs. Praticamente. Às vezes balançamos. A Cristina é líder todos os domingos. As pessoas estão muito pouco preocupadas com a nossa imagem. Senão não nos queriam ver na televisão.

MANUEL LUÍS GOUCHA Agora, pegando no título deste artigo de opinião, que diz que a imagem é tudo... Não, a imagem não é tudo porque aqui conta muito para mim o talento e as capacidades intelectuais de quem está à frente do programa.

MARIA BOTELHO MONIZ Existem unicórnios. Há, existem. E existem unicórnios na televisão. Mulheres lindas de morrer, a quem Deus abençoou com todos os genes e com toda a beleza do mundo. E com toda a inteligência e eloquência e tudo. Existem. Existem, são poucas. Mas há. Eu não sou um deles. Eu fui abençoada com outras coisas. Existe quem tenha a imagem perfeita e o desempenho perfeito e o discurso perfeito. Existe quem tenha uma imagem diferente, na sua própria perfeição, com exatamente o mesmo talento e exatamente a mesma capacidade e com a eloquência e o talento perfeitos.

MANUEL LUÍS GOUCHA Por isso todo o direito de ser apresentadora de televisão e de estar à frente do programa.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu tenho zero contra as magras e as imagens perfeitas. Acho tudo lindíssimo. Qualquer formato que me apresentam, eu acho lindíssimo. Não tenho nada contra. Mas, eu, Maria, não só enquanto apresentadora mas também enquanto espectadora, eu preocupo-me muito mais com o que é dito do que com a imagem que me é apresentada. A televisão é imagem, eu não vou fugir disso. Não posso dizer o contrário. A televisão é imagem. Mas é também conteúdo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Com certeza. No produto que nós somos, temos a imagem e o conteúdo.

MARIA BOTELHO MONIZ Exato. Nós não podemos perder o conteúdo em prol da imagem. E não podemos também descurar totalmente a imagem só porque o conteúdo é brilhante. Há aqui um equilíbrio e eu acho que estou dentro desse equilíbrio.

MANUEL LUÍS GOUCHA Neste artigo, ele refere o facto das - e agora, já que estás a falar também da imagem, não é? - refere o facto das... da tua roupa não ser a mais indicada para o teu corpo.

MARIA BOTELHO MONIZ Ele quer vir ser meu stylist? Está ótimo, o Gonçalo Mello vai de férias uma semana e ele vem tratar do meu styling durante uma semana. Manuel, é o seguinte...

MANUEL LUÍS GOUCHA Que aliás também é o tipo de comentário que tu tens em barda nas tuas redes sociais.

MARIA BOTELHO MONIZ Em barda. Eu nunca estou bem vestida. Hoje há quem vá adorar este fato azul, há quem vá detestar este fato azul.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas isso é inevitável.

MARIA BOTELHO MONIZ Isso é limpinho como a água.

MANUEL LUÍS GOUCHA Isso incomoda-te ou não? Porque nunca se consegue a unanimidade.

MARIA BOTELHO MONIZ O que me incomoda é a necessidade de expressar o não gostar de alguma coisa. Isso incomoda-me um bocadinho. Porque eu se não gosto, sigo. Passo em frente... a minha mãe sempre me ensinou 'se não tens nada simpático a dizer, não digas nada, mantém-te calada'. Passo. Vejo o fato do Manel que hoje não gosto, não vou dizer que não gosto. Sigo, vejo a publicação seguinte. Eu não entendo a necessidade de expressar de uma forma negativa a opinião. Mas até aí está tudo certo. Agora... Eu não visto um 34. Não visto sequer um 36. Neste momento um 38 não me serve. E eu visto. Eu preciso de seis looks por semana, seis roupas por semana porque faço seis programas por semana. Fora o vir aqui, que é mais uma roupinha. Nós utilizamos muita roupa todas as semanas. Não há loja e não há marca que tenha saída para tanta roupa e tanta rodagem de roupa. E não há, e esse também é outro problema do qual podemos falar, não há nos showrooms, no pronto a vestir ali do cabide, muitas vezes o meu tamanho. Porque são tamanhos que são feitos em menos quantidade. Apesar da maior parte das mulheres não vestir o 36. Mas tem menos tiragem. Portanto é muito mais difícil encontrar roupa que me fique impecável do que alguém que vista um 36. Isso é de caras. 

MANUEL LUÍS GOUCHA Não fazes disso um quebra-cabeças na tua cabeça.

MARIA BOTELHO MONIZ Não, não me serve, não me serve. Eu preciso de umas calças maiores, está tudo bem. Ou, yes!, estas estão-me enormes então tem de vir um número mais baixo. É igual a qualquer outra pessoa. E, ó Manel, isto fez-me pensar de tal forma, isto é muito perigoso. Não é o que dizes sobre mim, é o espelho do que se diz sobre as mulheres. Aí é que está o perigo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque tu lês aqui uma menorização da mulher.

MARIA BOTELHO MONIZ Mas completamente. Nós somos reduzidas à nossa imagem. Só. Aquilo que nos sai da boca é pouco interessante.

MANUEL LUÍS GOUCHA Portanto é um discurso arcaico que eu julgava que estava esbatido na sociedade mas não está.

MARIA BOTELHO MONIZ Não está, não. Nem vai estar e não é depois isto que vai mudar. Não me venham agora com... Ah, de repente, abre-se os céus, arco-íris e a partir de agora é tudo diferente porque todos olhámos para este tema. Obrigada por todos olharem para este tema. Mas em 2023 é que abriram os olhos? Também já vamos um bocadinho tarde. Mas o que está aqui espelhado é que o que me sai da boca é pouco importante. Aquilo que eu visto é superior a isso. E isso incomoda-me.

MANUEL LUÍS GOUCHA A ditadura da imagem, a escravatura da imagem...

MARIA BOTELHO MONIZ Não por mim, Manel, porque eu em 18 anos de televisão já vou aprendendo a lidar. Apesar de ainda me emocionar, apesar de haver dias em que ainda me dói, apesar de isto moer, mói. Isto não... Quem não se sente não é filho de boa gente. Eu não posso ler uma coisa destas e não questionar. Agora, o que me dói é que eu depois de ler isto 10, 20 vezes, ao telefone com uma amiga minha perguntei-lhe assim 'olha lá, agora que só estamos aqui as duas, eu estou assim tão disforme?'. E ela 'hã?, estás parva?". Eu começo a achar, com as coisas que leio...

MANUEL LUÍS GOUCHA Instalou-se a dúvida.

MARIA BOTELHO MONIZ Vê lá a espiral em que uma pessoa entra. Começo a achar, pelas coisas que leio, que eu se calhar tenho aquele distúrbio, que olho para o espelho e não vejo realmente a realidade. Porque aquilo que escrevo não bate com aquilo que eu vejo. Sou eu que estou a enlouquecer? 'Não sejas parva, não é nada disso.' Eu já começo a questionar a minha própria sanidade. Pior, eu ainda vou tendo carapaça para lidar com isto. Agora eu pergunto: as miúdas que me seguem, que se identificam comigo por A ou por B, seja pelo que for, que leem uma coisa destas e pensam, 'caramba, eu tenho o sonho de trabalhar em televisão ou eu gostava de ser repórter ou eu gostava de ser atriz ou o que for... o meu corpo não é igual ao da Catarina Furtado nem ao da Sónia Araújo, que este senhor diz que são os corpos perfeitos e que demonstram respeito pelo público, eu sou mais parecida com a Maria e até acho que tenho uns braços parecidos com os da Cristina, fogo, e agora?, não vou poder seguir esta profissão'. Em que espiral podem estas pessoas, estas jovens, estas crianças, estas jovens adultas entrar?

MANUEL LUÍS GOUCHA Olha, podem chegar a um estado de anorexia.

MARIA BOTELHO MONIZ Podem. Manel, há muita gente que se suicida por causa da pressão que existe em se ser de uma certa forma. E eu não digo só numa questão de imagem, digo numa questão de sexualidade, numa questão de identidade. Há pessoas que são atormentadas porque lhes dizem constantemente que não são iguais ao parâmetro, ao padrão que alguém impôs. Isto é muito perigoso.

MANUEL LUÍS GOUCHA É também por elas que estás aqui hoje?

MARIA BOTELHO MONIZ É só por elas.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu sei que sim. Porque senão o silêncio seria a melhor resposta.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu gosto muito do Manel mas apetece-me zero estar aqui.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu também não queria ter esta conversa. Mas é importante, acaba por ser muito importante porque há muitas jovens que podem passar injustamente por isto.

MARIA BOTELHO MONIZ Está tudo bem. Estás ótima. És ótima. És maravilhosa. Caga nisto. Isto não vale nada. Não é por isto que nós temos de nos medir. O meu valor não tem que ver com o número da etiqueta das minhas calças. Parem. Parem. E é muito interessante ver de repente toda a gente a movimentar-se. Fico extremamente sensibilizada. Fico muito contente.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas tens noção de que...

MARIA BOTELHO MONIZ Mas onde é que estavam há um ano?

MANUEL LUÍS GOUCHA Exatamente. E tens noção de algumas das figuras públicas que agora protestaram, não é?, são as mesmas que à boca pequena dizem que tens quilos a mais.

MARIA BOTELHO MONIZ São as mesmas que à boca pequena? São as mesmas que me dizem na cara. Ou que já me disseram em tempos na cara.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu estava lá e ouvi.

MARIA BOTELHO MONIZ Mas está tudo bem. Está tudo bem porque estas pessoas podem sempre retratar-se, podem sempre mudar o seu comportamento e podem sempre corrigir aquilo que fizeram de errado.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas como é que te sentiste nesse dia em que estas pessoas - que até são deste mundo da televisão, agora não estou a particularizar qual o canal - te disseram isso?

MARIA BOTELHO MONIZ Aqui vamos nós outra vez.

MANUEL LUÍS GOUCHA É uma história repetida na tua vida.

MARIA BOTELHO MONIZ Então, sempre. Ainda antes de entrar na televisão, ainda só na tentativa de entrar na televisão, das primeiras coisas que perguntam é 'quanto é que vestes?'. O que é que isso interessa? E eu lanço o desafio...

MANUEL LUÍS GOUCHA Estás a brincar? Eu essa não sabia.

MARIA BOTELHO MONIZ Então, para fazer testes de imagem, para experimentar roupas de personagens, 'quanto é que vestes? epá, eu para ti não tenho'. Então arranja. Não é esse o teu trabalho? Não trabalhas em guarda-roupa? Se não há para mim aqui neste cabide, há de haver noutro. Porque as pessoas não vestem tudo o mesmo. "epá, mas isto vai dar-me mais trabalho, esta vai-nos dar mais trabalho." Esta... Vou dar mais trabalho porquê? Porque não visto um S? Desculpem. Peço imensa, desculpa dar trabalho. Mas eu lanço o desafio a quem se manifestou - a quem eu mais uma vez agradeço...

“Apesar de me acusarem de desrespeito pelo meu público por causa da minha imagem, em momento algum questionam o meu trabalho. E isso para mim será sempre o mais importante e será sempre o que vai falar mais alto

MANUEL LUÍS GOUCHA Estavas à espera desta onda de apoio?

MARIA BOTELHO MONIZ Não. Não. E ao início eu achei um perfeito exagero. Mas depois isto é mais profundo do que um artigo. É muito mais profundo que um artigo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Por isso é que foi importante esta conversa.

MARIA BOTELHO MONIZ Isto é um problema de sistema. Isto é um problema, é uma coisa que está enraizada na cabeça das pessoas. E isto tem de mudar. Portanto, eu lanço o desafio a quem de facto tem o poder para mudar isso que o faça.

MANUEL LUÍS GOUCHA É na escola que deve começar?

MARIA BOTELHO MONIZ É em todo lado. Começa de pequenino. Começa na escola. Mas passa por, quando escolhemos alguém para uma campanha, escolher pelo talento. Apenas e só. Experimentem isso. O talento pode estar na mais magra e maravilhosa mas o talento pode estar na mais 'robusta', vou usar essa palavra. Porque não? Tentem, experimentem e vejam qual é a reação das pessoas.

MANUEL LUÍS GOUCHA Alguém questiona uma ópera?

MARIA BOTELHO MONIZ Nunca. Nunca. E têm a imagem dita perfeita? Não. Longe disso.

MANUEL LUÍS GOUCHA Longe disso. Eu nem sei o que é a imagem perfeita.

MARIA BOTELHO MONIZ  Eu lanço o desafio aos diretores de casting, das novelas, da publicidade, do cinema, às pessoas que colocam os atores em palco, às pessoas que colocam caras nas campanhas publicitárias, às pessoas que fazem os castings para reportagens, para apresentadores de televisão: por uma vez na vossa vida, na primeira fase de casting, avaliem só o talento. Depois logo se vê quem é que passa. E a partir daí coloquem os outros requisitos em cima.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas esse é o elemento mais importante. Esse é que deve ser o elemento mais importante. O talento, as capacidades da pessoa para esse trabalho. Não é?

MARIA BOTELHO MONIZ Mas há uma coisa que me deixa feliz, que é: apesar de me acusarem de desrespeito pelo meu público por causa da minha imagem, em momento algum questionam o meu trabalho. E isso para mim será sempre o mais importante e será sempre o que vai falar mais alto. Porque ninguém pode apontar que eu chego atrasada, que eu não chego preparada, que eu não faço trabalho de casa, que eu não recebo bem os meus convidados, que eu não sou amável, que eu não tenho boas conversas, que eu não faço boas entrevistas, que eu não conduzo bem um programa de televisão.

MANUEL LUÍS GOUCHA E ele é difícil de fazer.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu acho que faço bem o meu trabalho. Deixem-me em paz. Deixem-me só fazê-lo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Tu há um ano estiveste aqui numa outra situação, uma conversa, uma história de vida, não é?, que é bem mais agradável, independentemente das perdas que também pontuaram a tua vida, mas tu assumiste-te como uma mulher insegura. É também à conta destes tipos de coisas que a tua insegurança subsiste?

MARIA BOTELHO MONIZ Não sou eu que sou insegura, são os outros que me fazem sentir insegura. Porque se isto tudo desaparecer... Se isto tudo desaparecer, eu estou... Manel, eu estou ótima. O primeiro telefonema que eu recebi por causa disto foi do Rui Maria Pêgo, meu grande amigo, um beijinho muito grande. Disse-me 'estás bem?', eu ainda só tinha lido uma vez, 'estou ótima','Maria, estás bem?', 'estou maravilhosa'. Estou numa fase ótima da minha vida. Isto não é nada. Eu sei que isto não é verdade. Eu estou superfeliz. Eu estou a viver uma fase incrível - não só na minha vida pessoal mas na minha vida profissional. Eu estou supercontente com o programa que estou a fazer. Estamos a ter uns resultados maravilhosos. Eu e o Cláudio estamos com uma cumplicidade incrível. Eu estou ótima. Parem de tentar fazer sentir-me menos que os outros. Porque eu estou bem com a minha vida - a não ser estas vozes. E estas vozes que objetivo têm? É que ainda ninguém me conseguiu explicar. Qual é o objetivo? É fragilizar-me? Porquê? Que mal é que eu fiz? Eu sou assim uma afronta tão grande? Eu sou assim um perigo? O que é que eu fiz? O que é que eu fiz? Alguém me diga.

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que tu conseguiste fazer o programa, ainda por cima sozinha sem o colo do Cláudio?

MARIA BOTELHO MONIZ Fez-me falta, o Cláudio. Mas fiz bem o programa.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu sei, eu estive a ver.

MARIA BOTELHO MONIZ As primeiras duas partes fiz bem. Da segunda para a terceira parte tínhamos um intervalo muito curto e a Cristina pediu-me para eu lhe ligar. E falámos um bocadinho ao telefone, também para falar sobre uma possível vinda aqui ao programa, que achavam importante, que a TVI já estava a tomar as devidas medidas. Enfim, para falarmos um bocadinho sobre o que estava a acontecer. E eu aí senti assim um apertozinho. E durante todo o programa eu tentei não ir ao telefone mas o meu telefone está ligado ao meu relógio. E eu sempre que recebo uma mensagem o meu relógio vibra e o reológio passou o programa inteiro a vibrar. E depois daquele telefonema eu pensei 'está a ganhar aqui uma proporção que eu agora já perdi o barco porque não estou atenta', e fiz a terceira parte presa por pinças. Mas a aguentar-me firme, eu não vou falar sobre isso, eu não vou dar importância, eu sou mais forte do que isto tudo. E entra um ramo de flores do Cláudio. E a escolha das palavras, pois ele também escreve muito bem. Aí balancei. E confesso que saí...

MANUEL LUÍS GOUCHA Adorei aquela frase em que tu te encaixas perfeitamente nas medidas dele.

MARIA BOTELHO MONIZ É lindo, é maravilhoso.

MANUEL LUÍS GOUCHA É maravilhoso.

MARIA BOTELHO MONIZ Saí daqui e entrei no carro, decidi ir à TVI, conversar um bocadinho mais com a Cristina e fui o caminho daqui a Queluz a chorar. Porque foi a descarga...

MANUEL LUÍS GOUCHA Emocional.

MARIA BOTELHO MONIZ Sim. E de uma pressão que eu acho que não é justa. Porque é que eu tenho de estar a fazer um programa de televisão a pensar o que é que estão a escrever sobre mim?

“Dizer que resolver o meu problema, que resolver o meu problema exige disciplina, capacidade de sacrifício, muito sacrifício, isso é dizer que eu não tenho estas coisas. Mas eu não estava neste lugar se não as tivesse

MANUEL LUÍS GOUCHA O mais dramático para mim é pensar que esta pressão se estende na tua vida desde que começaste a fazer televisão.

MARIA BOTELHO MONIZ Desde sempre, Manel. E eu era muito mais magrinha. Mas já era um tema, não sei porquê. Porque eu sempre tive uma figura normal. Supernormal. E sempre foi... 'Como é que lida com a pressão da imagem?': há sempre esta pergunta. E eu nessa altura 'qual a pressão da imagem?, ainda não senti grande coisa, mas se me está a perguntar é porque ela existe, se ela existe eu tenho de lidar com ela, como é que se lida com ela?, eu não sei, acabei de aterrar aqui'. Eu era uma miúda e já estava a entrar em espiral. Porque de repente isso é um tema. Tem de ser um tema. Eu sou uma mulher na televisão, temos de falar sobre a pressão da imagem. Porque ela de facto existe mas ela é imposta por pessoas que muitas vezes não fazem nem ideia o que é estar no nosso lugar. Nem nunca saberão. E mesmo que estejam no nosso lugar, muitas delas não são mulheres. E há uma diferença muito grande. Mesmo. Eu acredito que o Manel já tenha lido coisas feias sobre si.

MANUEL LUÍS GOUCHA Muito feias.

MARIA BOTELHO MONIZ Acredito. Não acredito que tenham sido ataques deste género. Não acredito.

MANUEL LUÍS GOUCHA Não.

MARIA BOTELHO MONIZ Porque isso não se faz aos homens.

MANUEL LUÍS GOUCHA Exatamente, porque os homens não são atacados sob esse prisma.

MARIA BOTELHO MONIZ E porquê?

MANUEL LUÍS GOUCHA Não sei.

MARIA BOTELHO MONIZ Mas eu gostava de saber. Eu gostava de saber porque é que esta pressão está só em cima de nós. E nós já temos de lidar com tudo o resto. Porque é que também temos de lidar com isto e vocês não? Não acho que seja justo.

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque ainda hoje, pelos vistos, é exigido à mulher o papel da esbelteza, não é? Da figura perfeita.

MARIA BOTELHO MONIZ Mas porquê?

MANUEL LUÍS GOUCHA E isto menoriza.

MARIA BOTELHO MONIZ Reduz-nos à imagem.

MANUEL LUÍS GOUCHA Só vos reduz à imagem. Portanto, o que vocês têm na vossa cabeça, as causas que vocês defendem, as capacidades intelectuais, o talento, valem zero. Zero.

MARIA BOTELHO MONIZ E isso é tão triste.

MANUEL LUÍS GOUCHA E, portanto, eu acho que evoluímos muito pouco ou nada na nossa sociedade.

MARIA BOTELHO MONIZ Porque nós trabalhamos uma vida inteira para nos destacarmos, para podermos ter a carreira com que sonhámos. Estudamos mais que os outros, investigamos mais, chegamos mais cedo, damos mais o que queremos fazer.

MANUEL LUÍS GOUCHA Pelos mesmos direitos que têm os homens.

MARIA BOTELHO MONIZ Trabalhamos mais, mais, mais, mais, sempre para ter mais estaleca, mais conhecimento, melhor vocabulário para chegar àquele lugar. Chegamos ao lugar.

MANUEL LUÍS GOUCHA Para já têm de trabalhar mais, não é?

MARIA BOTELHO MONIZ O dobro. Chegamos finalmente ao lugar: esquece tudo o que estudaste, tu agora és um cabide e só interessa o que tu vestes, a forma como tu te penteias, a cor da sombra que escolhes, os sapatos de onde são e quanto é que tu pesas. E já agora, qual é o número das tuas calças? Ah, tá. Não, assim não dá. Assim não dá, Manel. Eu estou cansada. Estou mesmo cansada.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas amanhã vais ter de estar aqui, com o teu público.

MARIA BOTELHO MONIZ Com o meu melhor sorriso, com o público que eu respeito muito, ao contrário do que se diz neste artigo. E dizer que resolver o meu problema, que resolver o meu problema exige disciplina, capacidade de sacrifício, muito sacrifício, isso é dizer que eu não tenho estas coisas. Mas eu não estava neste lugar se não as tivesse.

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que a família reagiu? A mãe?

MARIA BOTELHO MONIZ Como é que a minha mãe reagiu? A minha mãe não percebeu inicialmente a dimensão. A minha mãe anda muito pouco nas redes sociais. Que bom para ela. Que bom para ela. Partilha fotografias de paisagens do Alentejo, que é o que ela gosta de partilhar.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu também acho muito bom.

MARIA BOTELHO MONIZ Vai vagamente pôr uns likes nas minhas fotografias. E começou a perceber que havia uns zums zums. E hoje de manhã enviou-me uma mensagem a dizer que finalmente percebeu o que é que estava a acontecer. Porque começou a receber mensagens de amigas que lhe foram explicando. Espero que esteja tudo bem. Eu acho que deve ser difícil para uma mãe que educa as suas filhas para serem mulheres fortes...

MANUEL LUÍS GOUCHA Para lutarem pelos seus direitos.

MARIA BOTELHO MONIZ Para lutarem pelos direitos. Os mesmos que os homens. Exatamente. Para lutarem pelos sonhos. Para chegarem o mais longe que conseguirem nas suas áreas. Ver uma filha que tanto trabalhou e tanto trabalha, tanto trabalhou para chegar aqui e tanto trabalha para se manter aqui ser reduzida a um 'mas robusta'. 'Problemas de peso. É preciso disciplina para perder esse peso. Deveria olhar para as outras e fazer igual. Está a desrespeitar o seu público. Não está a agarrar a oportunidade que lhe deram.' Deve doer ao coração de uma mãe. Não sou mãe mas calculo que sim.

MANUEL LUÍS GOUCHA Que impacto teve essa frase? Particularmente essa frase 'não estás a aproveitar a maior oportunidade profissional da tua vida'.

MARIA BOTELHO MONIZ Estou a desaproveitar a maior oportunidade da minha carreira? Numa coisa acertou. É, de facto, a maior oportunidade da minha carreira. Eu não acho que esteja a desaproveitar. Eu acho que todos os dias tento mostrar e provar a quem me escolheu para aqui estar que fez a escolha certa. No dia em que essas pessoas acharem que eu não sou a escolha certa, tenho a certeza absoluta de que sou retirada do ar e é colocado alguém no meu lugar. Porque os canais também não se fazem de favor ou de ‘ah, coitadinha, deixa lá estar mais um bocado’. Não. Isto é uma empresa. No dia em que as coisas não resultam, muda-se as coisas na empresa para passarem a resultar. Portanto, se eu me mantenho um risco...

MANUEL LUÍS GOUCHA E resultar aqui são resultados práticos, as chamadas audiências.

MARIA BOTELHO MONIZ Resultados práticos. Números. Como é que as pessoas reagem? Gostam ou não gostam? É ela o problema? É o conteúdo? É o embrulho? É o tamanho do intervalo? É o horário? É o quê? Isto é tudo avaliado. Se chegarem à conclusão que o problema sou eu, não vão ter pudores nenhuns em tirar-me do meu lar. Isto é uma empresa. Uma empresa tem de faturar. Mas eu acho que até agora tenho mostrado que fui uma escolha acertada.

MANUEL LUÍS GOUCHA Independentemente de, de vez em quando, saírem notícias de que tens o lugar em risco na TVI, que também é uma parvoíce.

MARIA BOTELHO MONIZ É engraçado. Eu não sei que tenho.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas as pessoas sabem sempre mais do que nós. Mas também já leste várias vezes essa notícia, não é? No ano passado saiu várias vezes essa notícia.

MARIA BOTELHO MONIZ Sim, continua a sair. Aliás, eu pedi...

MANUEL LUÍS GOUCHA Que a Cristina volta para a manhã - com o Cláudio ou comigo.

MARIA BOTELHO MONIZ Mas pode voltar. Ninguém faz como ela. E se ela quiser voltar, é dela. É o que ela quiser. Ela faz o formato que quiser, no horário que quiser. É maravilhosa.

“O único momento em que eu me esqueço de tudo isto é quando aquela luzinha da câmara está ligada. Aí é o meu espaço seguro. Quando saio do ar, é outra história. Volta a carga toda.

MANUEL LUÍS GOUCHA Este tipo de notícias, que ainda por cima são boatos infundados, mexe? Desestabilizam-te emocionalmente? Põe-te em dúvida?

MARIA BOTELHO MONIZ Sim, no sentido em que alguém está a questionar que eu o mereça. Porque se de repente está em risco, não estou em risco do pé para a mão.

MANUEL LUÍS GOUCHA Tu não és tranquila em relação ao teu talento e ao valor que tens, pois não? Por causa destas pessoas.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu não sou tranquila porque me fazem sentir assim.

MANUEL LUÍS GOUCHA Há 18 anos.

MARIA BOTELHO MONIZ Ah, sim. Eu estreei-me nesta mesma casa em 2005. Faço 18 anos de carreira, faço 18 anos de televisão este ano. Nunca me senti confortável porque nunca me fizeram sentir confortável.

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que se vive com isso?

MARIA BOTELHO MONIZ Responde-se.

MANUEL LUÍS GOUCHA Era a tal coisa que me dizias há pouco. Qualquer dia já achas isto normal?

MARIA BOTELHO MONIZ Sim. Já eu própria me questiono e já eu própria acho ‘ah, é só mais um, já se normaliza’. Não se pode normalizar.

MANUEL LUÍS GOUCHA O que não podes fazer, claro.

MARIA BOTELHO MONIZ Não, isto não pode passar em branco. Mas é pesado. É muito pesado, Manel. É pensar que... sei lá, que olham para as coisas que não interessam. Porque eu pedi um dia... É um exemplo muito prático.

MANUEL LUÍS GOUCHA Olham para a embalagem, não olham para o conteúdo.

MARIA BOTELHO MONIZ Eu pedi um dia de folga, de férias, que ainda tenho dias do ano passado. E ainda tenho dias de há dois anos porque eu raramente tiro férias.

MANUEL LUÍS GOUCHA Deram-te logo como afastada.

MARIA BOTELHO MONIZ Sim, eu pedi um dia porque precisava de ir ao médico fazer um exame.

MANUEL LUÍS GOUCHA Foi uma segunda-feira, sim.

MARIA BOTELHO MONIZ Fazer um exame. Nesse dia, nessa segunda-feira, ficou decidido que a Cristina iria fazer o programa porque o Triângulo estreava-se no domingo e era bom ali a dinâmica da conversa, da tertúlia e de avaliar os concorrentes e ter lá mais alguém com o Cláudio.

MANUEL LUÍS GOUCHA Fazia sentido.

MARIA BOTELHO MONIZ Fazia sentido. Se eu não estou, fazia sentido. A Cristina conhece o programa de trás para a frente. De repente, eu li que estavam a testar a Cristina Ferreira para o meu lugar. A minha pergunta é: a Cristina Ferreira precisa de ser testada? Como assim? Que disparate é este? Afastaram-me durante um dia só para ver se isto funcionava? Pediram-me para marcar os dias de férias, 'tens de ir de férias, tens dias para tirar'. 'Ok, então eu tiro esta semana de março.' Fui de férias. Há um especial de primavera. 'Maria, fazes a tarde?' 'Malta, eu estou de férias.' 'Ah, pois é.'

MANUEL LUÍS GOUCHA Vinhas fazer a tarde comigo.

MARIA BOTELHO MONIZ Sim. A Cristina ia fazer amanhã com o Cláudio, eu fazia a tarde com o Manel. 'Mas eu estou de férias.' 'Não há problema.' Arranjámos solução, o Manel fez sozinho. E depois apareceu logo 'Cristina está outra vez nas manhãs, onde é que está a Maria?, Maria desapareceu, Cláudio sozinho'.

MANUEL LUÍS GOUCHA O drama.

MARIA BOTELHO MONIZ O drama, o horror. E eu penso 'será que está mesmo em risco o meu lugar e eu não sei ou isto é para vender?, é para ferir?, é para espicaçar?, é para atingir alguém que não sou eu mas que é ferido através...', Eu não sei. Qual é a estratégia?

MANUEL LUÍS GOUCHA É fazer sururu apenas.

MARIA BOTELHO MONIZ  Mas para quê?

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque têm de vender, não é?

MARIA BOTELHO MONIZ No dia em que for para eu sair das manhãs, alguém vem dizer 'a Maria vai sair das manhãs'. Até lá, para quê inventar?

MANUEL LUÍS GOUCHA E tu és feliz a fazer a televisão?

MARIA BOTELHO MONIZ Ah, eu adoro.

MANUEL LUÍS GOUCHA E esqueces tudo isto?

MARIA BOTELHO MONIZ É o único momento em que eu me esqueço de tudo isto - é quando aquela luzinha está ligada. Aí é o meu espaço seguro. Quando saio do ar, é outra história. Volta a carga toda. É as críticas, é a pressão, é os artigos, é os comentários, é as mensagens. É essa pressão toda. As redes sociais. Aí sim. Mas enquanto estou no ar, nada me faz mais feliz.

MANUEL LUÍS GOUCHA É aquilo que dizem das tuas redes sociais que continua a incomodar-te?

MARIA BOTELHO MONIZ Claro que sim.

MANUEL LUÍS GOUCHA Ainda não ganhaste essa estrutura.

MARIA BOTELHO MONIZ  Manel, porque é... isto é... O artigo é aquilo que me dizem todos os dias numa escala mais pequena e menos pública. Mas eu não deixo de ouvir as mesmas coisas. E dói. Claro que dói. Há dias em que me apetece responder e respondo. E acho que respondo muito bem. Sou às vezes muito agressiva.

MANUEL LUÍS GOUCHA Mas como categoria.

MARIA BOTELHO MONIZ Sempre com classe. E há outros dias em que penso 'ignora, bloqueia, apaga e está bom'.

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque respondes?

MARIA BOTELHO MONIZ Porque é mais forte do que eu.

MANUEL LUÍS GOUCHA Eu às vezes também respondo.

MARIA BOTELHO MONIZ Às vezes é mais forte do que nós. Às vezes estamos virados do avesso.

MANUEL LUÍS GOUCHA Também temos dias virados do avesso.

MARIA BOTELHO MONIZ E aquela pessoa acertou no dia e olha, vai levar por tabela porque também não tinha de dizer aquilo que está a dizer. E a desculpa que mais me irrita é... Uma figura pública está sujeita a... Ninguém está sujeito a um insulto.

MANUEL LUÍS GOUCHA Claro que não.

MARIA BOTELHO MONIZ Ninguém é público o suficiente para dar legitimidade aos outros a insultarem. Ninguém.

MANUEL LUÍS GOUCHA E que a humilhem.

MARIA BOTELHO MONIZ Publicamente. Porque também aquele é um espaço público. Está aberto para toda a gente ver.

MANUEL LUÍS GOUCHA Nós temos estado a falar aqui é de uma humilhação. Tens sido sistematicamente humilhada. O Pedro. Como é que reagiu a isto?

MARIA BOTELHO MONIZ Com alguma raiva. O Pedro ficou muito zangado. O Pedro ficou muito zangado. Não achou à primeira vista que fosse uma boa ideia eu falar sobre o assunto. Porque ele sabe que isto mexe e dói. E depois eu emociono-me e depois isto ainda vai fazer mais notícias. Porque desta conversa que nós estamos a ter vão retirar frases nossas. E vão escrever-se artigos e coisas.

MANUEL LUÍS GOUCHA E muitas vezes a retirar frases do sentido.

MARIA BOTELHO MONIZ Exato. A única coisa que ele me disse foi 'protege-te, protege-te, faz aquilo que tiveres de fazer'. Como é que tu te proteges? Numa situação destas? Tentando proteger os outros. Eu acho que é isso. Porque eu por mim - disse isto no início da conversa e vou dizer-lhe outra vez - nada contra mas eu por mim não estava aqui. Mas eu estou aqui.

MANUEL LUÍS GOUCHA Porque achas que o silêncio é a melhor resposta muitas vezes?

MARIA BOTELHO MONIZ Sim.

MANUEL LUÍS GOUCHA Aliás, tu escreveste isso. Sim.

MARIA BOTELHO MONIZ E acho que não devemos dar palco a... e não devemos difundir a maldade. E a maldade gratuita. Mas, ao mesmo tempo, eu venho por respeito a todas as pessoas que se colocaram do meu lado. Que foram muitas. Venho por respeito a quem me vê todos os dias. Que se calhar gostava de ouvir o que eu tenho a dizer sobre isto. Mas venho sobretudo para dizer a quem me vê e a quem me segue que isto não é nada. Que está tudo bem. Porque as outras Marias, as outras Cristinas, as outras Sónias, as outras Catarinas, as outras Joanas, por aí fora ouvem estas mesmas coisas no supermercado onde trabalham, na empresa onde trabalham, na casa onde vivem.

MANUEL LUÍS GOUCHA Sim, sim. Muitas vezes é marido a dizer 'és gorda'.

MARIA BOTELHO MONIZ  Dos namorados, na escola, dos próprios professores muitas vezes, dos colegas. E eu venho dizer que isto não está certo. E que não devemos deixar passar em branco. Porque ignorar é também fazer parte do problema. Ignorar é deixar passar em branco. Ignorar é dizer que há impunidade para este tipo de coisas. E não pode haver.

MANUEL LUÍS GOUCHA Ignorar é dizer que sim, que a imagem é tudo.

MARIA BOTELHO MONIZ É consentir. Sim. Às vezes calar é consentir. Mas eu não dou o meu consentimento a isto.

“A verdade, às vezes, é muito mais simples do que aquela que vive na nossa cabeça. Às vezes a verdade é só 'caga nisso, miúda, está tudo bem'. Às vezes é só isso. Isto é muito perigoso. É muito perigoso escrever-se em 2023 sobre a imagem e só sobre a imagem de duas mulheres que dão a cara por milhares e milhares de outras

MANUEL LUÍS GOUCHA Quem é a Maria Botelho Moniz?

MARIA BOTELHO MONIZ É uma miúda feliz.

MANUEL LUÍS GOUCHA E é feliz porquê?

MARIA BOTELHO MONIZ Faço aquilo que gosto, tenho ao meu lado um homem que eu amo e uma vida maravilhosa pela frente.

MANUEL LUÍS GOUCHA E queres ser mãe.

MARIA BOTELHO MONIZ Quero ser muito. Já há muitos anos. Hei de ser. Um dia destes.

MANUEL LUÍS GOUCHA Com que espírito é que amanhã voltas ao teu programa da manhã sem o Cláudio?

MARIA BOTELHO MONIZ Com o espírito de sempre. Com alegria, com vontade e sempre presente a ideia de que é um privilégio eu estar ali.

MANUEL LUÍS GOUCHA Tu dizes sempre isso.

MARIA BOTELHO MONIZ Para mim, estar ali...

MANUEL LUÍS GOUCHA Tu sentes que é um privilégio?

MARIA BOTELHO MONIZ Sinto. Porque eu sinto que há muitas Marias com exatamente com as mesmas capacidades que eu, exatamente o mesmo talento, a mesma capacidade de trabalho, a mesma imagem - robusta mas carinhosa -, que poderiam estar ali e que mereciam estar ali também. Mas fui eu a eleita. Sabes Deus porquê. Foi a mim que me escolheram para estar ali. É um privilégio.

MANUEL LUÍS GOUCHA Maria, e tu que estás a falar para milhares e milhares de jovens, há pouco aqui falámos das tais jovens - isto também pode acontecer com homens que se fragilizam à conta da humilhação. A humilhação é o mesmo para destruir, não é? Mas, sobretudo, raparigas que neste momento estejam a ver e que se estejam a rever naquilo que estás a dizer, quais são os perigos que elas têm de evitar com este tipo de opiniões?

MARIA BOTELHO MONIZ Deixarem-se levar pela opinião alheia - esse é o perigo. Rodeiem-se bem, rodeiem-se de quem gosta de vocês, porque essas pessoas irão sempre dizer-vos a verdade. E a verdade, às vezes, é muito mais simples do que aquela que vive na nossa cabeça. Às vezes a verdade é só 'caga nisso, miúda, está tudo bem'. Às vezes é só isso. Isto é muito perigoso. É muito perigoso escrever-se em 2023 sobre a imagem e só sobre a imagem de duas mulheres que dão a cara por milhares e milhares de outras.

MANUEL LUÍS GOUCHA Então, assim sendo, onde é que deve acabar a liberdade de expressão? Há limites?

MARIA BOTELHO MONIZ Não há limites na liberdade de expressão - há limites na forma, há limites no bom senso e há limites... e há limites na boa educação. É na forma, como se diz. Eu não preciso que ninguém me diga que o meu corpo não é o padrão. Eu sei. Eu sei. Mas eu preciso menos ainda que um homem que tem a idade para ser meu pai me diga que eu desrespeito o meu público porque eu não tenho o corpo de duas ex-bailarinas que também são apresentadoras. Ah, vão dar uma volta ao bilhar grande.

MANUEL LUÍS GOUCHA Curioso como tu já duas vezes nesta conversa - que está quase a terminar - falaste na idade para ser teu pai.

MARIA BOTELHO MONIZ Sim.

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que o teu pai se sentiria?

MARIA BOTELHO MONIZ O meu pai fundou este jornal.

MANUEL LUÍS GOUCHA O Correio da Manhã?

MARIA BOTELHO MONIZ Sim. Não foi com estes ideais que o fundou, com toda a certeza. Não foi para isto. O mundo evolui, a imprensa muda, há uma que se torna mais sensacionalista, outra que é mais factual, uma mais fria, uma mais quente, uma mais para a esquerda, uma mais para a direita. Mas há ideais, há pilares, há estruturas que têm de existir. Tenho a certeza absoluta de que não foi esta a estrutura que ele quis criar lá atrás quando se sentou com um grupo de colegas e decidiram fundar um jornal.

MANUEL LUÍS GOUCHA Como é que ele se sentiria ao ler este artigo?

MARIA BOTELHO MONIZ Indignado.

MANUEL LUÍS GOUCHA Quais são os teus ideais? Tu que és uma mulher de causas.

MARIA BOTELHO MONIZ Vivam e deixam viver.

MANUEL LUÍS GOUCHA Maria, já te disse muitas vezes que eu gosto muito de ti.

MARIA BOTELHO MONIZ E eu de ti.

MANUEL LUÍS GOUCHA E já disse aqui muitas vezes que quando um dia eu sugiro o teu nome para estar ao meu lado é porque te reconheço imenso talento de comunicadora. Isso vê-se. Prova-lo todos os dias. E capacidades intelectuais invejáveis. És uma mulher de causas e, portanto, eu estou-me - olha, vou dizer um termo que já usaste duas vezes e não é nada do meu género - estou-me cagando para os quilos que possas ter a mais, que eu até nem acho que os tenhas. Porque tu és muito grande. Tu, ao meu lado, és muito maior que eu. Mas para mim o que conta é o talento. E acho que quem deve estar num programa de televisão é quem tenha talento. Ok? Tenha as medidas que tiver. E tu também me enches as medidas. .

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