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Chiquinholândia

  • Sofia Oliveira
  • 6 abr 2023, 23:09
Club Brugge-Benfica (Sylvain Lefevre/Getty Images)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Decorre o ano de 2022. Estamos a 18 de março e tu acabas de te aconchegar no sofá para escutar as primeiras declarações do novo treinador do Sport Lisboa e Benfica, Roger Schmidt. O tipo tem um ar pouco afável. Toda a gente sabe que os alemães são meio frios, mesmo que a outra metade seja meio quente. Mas meio frios são sempre. Eu cá tinha escolhido um português. Os números provam que a estrangeirada sente muitas dificuldades em adaptar-se à nossa Liga. Foi desde o Camacho ao Lopetegui. Olha o Ronald Koeman. Quatro campeonatos holandeses, esteve no Barcelona, seleccionador da Holanda e em Portugal nem um título de campeão nacional cheirou. A nossa Liga tem muito rato velho. Juntas-lhes a imprensa, que dá cabo da cabeça da malta que acha que vem para cá jogar ao tiki-taka, e o resultado é muita parra e pouca uva. Basta olhar para as épocas deste Roger Schmidt no PSV. Uma Supertaça e uma Taça da Holanda. Andou no Bayer Leverkusen, não ganhou nada. Depois, foi para a China encher os bolsos. Não sei. Sinceramente, não sei. A verdade é que até o JJ arrumou com o PSV deste Schmidt no play-off da Liga dos Campeões. Isso é um facto.

Pouco mais de um ano depois. Estamos a 6 de abril, na antecâmara de um clássico entre o Sport Lisboa e Benfica e o Futebol Clube do Porto, atuais primeiro e segundo classificados da Liga Portuguesa. O Benfica lidera com mais 10 pontos do que o FC Porto e Roger Schmidt convenceu-te de que um meio-campo com Chiquinho dá garantias de qualidade. Com Chiquinho. Francisco Leonel Lima Silva Machado, emprestado na temporada transata ao Sp. Braga e, posteriormente, ao Giresunspor. O tipo meio frio que, em 2021/22, foi afastado da Liga dos Campeões talvez pelo pior Benfica de Jorge Jesus, convenceu-te de que um dos titulares do meio-campo do teu clube é um rapaz que, ontem, não tinha lugar no Sp. Braga, e andou pelo 16.º classificado da Liga Turca. Tantos factos. Pena que todos juntos não consigam defecar meia característica de Chiquinho, nem permitam explicar a adaptação a uma posição que era de Enzo Fernández. Quando, no exercício de avaliação à carreira de um futebolista, recorremos aos dedos das mãos enquanto enumeramos as equipas pelas quais passou sem render, ficamos a meia dúzia de pinotes de parecer uma foca do Jardim Zoológico a tentar falar. Se eu quiser ver alguém a ligar episódios, ignorando o contexto, eu venho aqui:

Ignorar o contexto para levar avante as nossas crenças é meio fácil, não te garanto é que mantenhas a coluna vertebral intacta pouco mais de um ano depois, quando o rapaz cujo talento andaste a pôr dentro do mesmo saco do de Diogo Gonçalves ou Gil Dias tiver a sorte de se cruzar com um treinador que lhe dê confiança.

Chiquinho não é Enzo Fernández. Por mais tabelas de Excel que possam desenhar, o talento de Chiquinho fica até muito longe do médio argentino, sobretudo, na qualidade de execução. Curiosamente, pese embora as melhores impressões deixadas por Chiquinho tenham surgido partindo do corredor central, sobressaíram nas entre-linhas, sempre que mostrava agilidade e criatividade suficientes para garantir soluções em espaços curtos. Foi o diferencial no Moreirense de Ivo Vieira, em 2018/19, num período em que aguardávamos que a bola chegasse aos seus pés para vermos o lado mais estético e imprevisível de um coletivo que lhe oferecia liberdade para inventar.

Hoje, no sistema de Roger Schmidt, Chiquinho passa a maior parte do tempo a ver o jogo de frente. O médio que estava habituado a fazer a diferença no último terço é, agora, solicitado para, muitas vezes, ir buscar a bola aos defesas-centrais. Dão-lhe mais espaço para pensar, mas não querem que deixe de pensar rápido, nem que trave a circulação. Ao contrário do que o tamanho indica, outro facto irrelevante no momento de descrever competências defensivas, Chiquinho evidencia argumentos na recuperação e energia na hora de recuperar metros, mesmo em campo aberto. Especializando-se nas tarefas, tem perfil para, na chegada à grande área contrária, juntar ações de desequilíbrio através do último passe ou do remate.

Chiquinho não é Enzo Fernández. Provavelmente, Schmidt procurará ganhar soluções no mercado/formação, com João Neves já a ganhar estatuto. Contudo, é um jogador que oferece argumentos e profundidade ao plantel do Benfica. Útil pela sua inteligência táctica, por se mostrar sóbrio na aferição dos seus pontos fracos e dos seus pontos fortes e por funcionar tal e qual o descomplicómetro que o tipo meio frio valoriza naquelas zonas do terreno.

Amanhã, o meio-campo do Sport Lisboa e Benfica será composto por Florentino e Chiquinho. Se, naquele dia em que te aconchegaste no sofá para escutar as primeiras declarações de Roger Schmidt, o novo treinador do Benfica te tentasse convencer de que ias assim para um clássico frente ao FC Porto, tinhas feito pior do que o Alexandre Pais.

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