Comemorações da Revolução Liberal de 1820 geram discórdia entre Moreira e Ferro - TVI

Comemorações da Revolução Liberal de 1820 geram discórdia entre Moreira e Ferro

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  • 15 jan 2020, 22:37
Rui Moreira e Ferro Rodrigues

Na origem da discórdia está o facto da Assembleia não se associar às comemorações da Revolução Liberal do Porto de 1820. Rui Moreira diz que, "passados tantos anos", não deveria haver "grande embaraço" do parlamento por o Porto comemorar esta revolução. O presidente da AR voltou a responder, dizendo que não há donos de datas ou de cidades

O presidente da Câmara do Porto lamentou a “descortesia” de Ferro Rodrigues e comunicou que não conta com "a presença ou colaboração" daquele órgão no "excelente programa" de comemorações da Revolução Liberal de 1820, já fechado e apresentado.

Não posso deixar de lhe comunicar que, quanto às presentes comemorações, não contamos com a presença ou colaboração da Assembleia da República [AR], por se encontrar fechado o nosso excelente programa, ontem [terça-feira] apresentado”, escreve Rui Moreira numa carta hoje enviada ao presidente da Assembleia da República.

Na mesma carta, o autarca do Porto diz porém estar disponível para “de futuro”, analisar os pedidos de apoio que venham a ser formalizados para realizações da AR no Porto.

A missiva, a que a Lusa teve acesso, surge em resposta a uma carta também enviada por Ferro Rodrigues a Moreira, onde o presidente da Assembleia da República lamentou "a forma e o teor" de críticas do autarca do Porto ao parlamento sobre as comemorações da Revolução Liberal de 1820, classificando o caso como um "equívoco".

Na origem desta estiveram as declarações feitas por Moreira na terça-feira, na apresentação do programa das comemorações, durante a qual afirmou ter "pena" de que a AR não se associe às comemorações da Revolução Liberal do Porto de 1820, salientando depois que, "passados tantos anos", não deveria haver "grande embaraço" do parlamento por o Porto comemorar esta revolução.

Perante a resposta de Ferro Rodrigues, segundo o qual "em momento algum a AR se recusou a associar às comemorações da Revolução Liberal a levar a efeito pela Câmara do Porto", Moreira começa por “fazer o historial do sucedido” e lembra que “há quase um ano” dirigiu ao presidente da AR uma carta sobre as comemorações.

Nessa mesma carta, escreve Moreira, a autarquia pedia o envolvimento e apoio da AR, por considerar que "fazia especial sentido, tem em conta que, cerca de um ano antes, tinha sido a AR a pedir o apoio municipal para as comemorações dos 200 anos do Sinédrio", o que foi "acolhido de forma positiva e entusiástica".

Foi com desilusão que constatei nunca o meu pedido ter merecido resposta de V. Excia.. Receberam, contudo, os serviços do meu gabinete, uma sumária carta do senhor Secretário Geral da AR, recusando apoio, invocando falta de orçamento para se associar às nossas iniciativas", lê-se na missiva.

Perante o conhecimento de "tão surpreendente resposta", "sobretudo estar-se ainda iniciar o ano de 2019 e já se invocar o orçamento da AR de 2020", Moreira conta ter encarregado o seu chefe de gabinete de transmitir o seu "desconforto e até estranheza com o teor da resposta", não tendo recebido depois disso "outra manifestação de interesse por parte a Assembleia da República e muito menos do senhor presidente da AR".

Moreira confessa na carta a Ferro Rodrigues o seu “desencanto com estas manifestas faltas de interesse” e indica que, “ultrapassando a descortesia de nunca ter merecido” uma resposta do presidente da AR, avançou com o programa agora apresentado.

Para que fique claro e sobre o assunto em concreto: tendo a Assembleia da República pedido apoio ao município, foi-lhe concedido em toda a linha. Tendo o município pedido o apoio à Assembleia da República, foi-lhe sumariamente recusado", afirma.

O autarca garante que a comparticipação financeira solicitada à AR não é a questão "fulcral", dado que a câmara vive uma situação financeira que lhe permite dedicar uma fatia orçamental suficiente a estas comemorações, "para não depender da vontade de órgãos de soberania".

A participação da AR que lhe solicitei na minha carta tinha pois um caráter simbólico e institucional, mais do que o valor monetário", sustenta na missiva, destacando compreender e respeitar “integralmente” a “opção” tomada pela instituição que “tem todo o direito a escolher não colaborar com um município”.

Ainda sobre o conteúdo da carta de Ferro Rodrigues, Moreira diz não compreender “como pode estranhar a forma e o teor” das suas declarações de terça-feira, uma vez que “quase um ano antes” o deixou “por duas vezes sem resposta”.

Na terça-feira, na cerimónia de apresentação do programa das Comemorações dos 200 anos da Revolução Liberal do Porto de 1820, o presidente da Câmara do Porto afirmava que apesar da AR não se associar às comemorações, esperava ainda assim poder vir a contar com a presença do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, em algumas das iniciativas programadas até ao final do ano.

Se assim não for, afirmou à data, "não vem mal ao mundo".

Ferro responde novamente a Rui Moreira

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, respondeu esta quarta-feira, pela segunda vez, ao autarca do Porto, Rui Moreira, sobre a polémica das comemorações da Revolução Liberal, dizendo que em democracia não há proprietários de datas nem de cidades.

Numa nota difundida pelo gabinete do presidente do parlamento, à qual a agência Lusa teve acesso, refere-se que Ferro Rodrigues não pretende "alimentar polémicas no seguimento da troca de cartas sobre as comemorações do bicentenário da Revolução Liberal".

Gostaria de deixar claro que continuo a ter pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, a mesma consideração e estima que sempre tive. No entanto, gostaria também de afirmar que não há proprietários de instituições democráticas nem de datas ou de cidades. Neste contexto, a Assembleia da República prosseguirá com o seu programa comemorativo do bicentenário do constitucionalismo português com realizações próprias e disponibilidade para participar noutras, como sempre esteve", salienta-se na mesma nota.

Perante as novas críticas de Rui Moreira, o presidente da Assembleia da República, na sua primeira carta de resposta, lamentou "a forma e o teor" das críticas do autarca do Porto ao parlamento sobre as comemorações da Revolução Liberal de 1820, classificando o caso como um "equívoco".

Desde logo, pela forma, porquanto a excelência das relações entre a Assembleia da República e o Município do Porto - quer através da Câmara Municipal, quer através da Assembleia Municipal -, que se têm pautado sempre por enorme respeito e consideração, justificariam ter sido outro o canal por que V. Exa. poderia ter expressado o seu desagrado. Mas, sobretudo, pelo teor", justificou o presidente da Assembleia da República.

Em relação ao teor das críticas proferidas por Rui Moreira, Ferro Rodrigues contrapôs nessa sua primeira missiva que "em momento algum a Assembleia da República se recusou a associar às comemorações da Revolução Liberal a levar a efeito pela Câmara Municipal do Porto".

Como V. Exa. está perfeitamente ciente, a resposta que, a meu pedido - nos termos habituais, visto tratar-se de matéria essencialmente administrativa e financeira - lhe fez chegar o secretário-geral da Assembleia da República, alude apenas à impossibilidade de contribuição financeira à autarquia (tendo presente a inexistência de antecedentes), tendo sido manifestada total abertura para toda a colaboração que a Câmara Municipal do Porto entendesse necessária, à luz da importância que o parlamento português, e eu próprio, atribuímos a estas comemorações - nomeadamente por via da cedência de documentos que integram o acervo do Arquivo Histórico Parlamentar", alegou o antigo secretário-geral do PS entre 2002 e 2004.

Ou seja, segundo Ferro Rodrigues, esta polémica em torno das comemorações da Revolução Liberal de 1820 poderá limitar-se a "um equívoco".

Um equívoco que espero ter ajudado a esclarecer através desta minha missiva, que tornarei pública. Não deixando de lamentar, uma vez mais, os termos com que V. Exa. se dirigiu à Assembleia da República, e o canal utilizado para tal, reitero a total disponibilidade do parlamento, e a minha própria, para uma colaboração profícua com a Câmara Municipal do Porto, tendo em vista celebrar as raízes do nosso regime constitucional e representativo democrático", frisou.

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