Hungria assume presidência rotativa da UE. Há riscos? Há, mas “Orbán não pode impor a sua vontade aos outros 26 países” - TVI

Hungria assume presidência rotativa da UE. Há riscos? Há, mas “Orbán não pode impor a sua vontade aos outros 26 países”

  • Agência Lusa
  • DCT
  • 29 jun, 08:55
Viktor Órban (Associated Press)

O logótipo escolhido contém um cubo de rubik com as cores da UE (azul e amarelo, das estrelas da bandeira) e da bandeira húngara (vermelho, branco e verde)

A Hungria do controverso primeiro-ministro húngaro Viktor Órban vai assumir, a partir de segunda-feira e até final de dezembro, a presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE), com o mote “Tornar a Europa Grande de Novo”.

Numa altura em que a UE atravessa mudanças nas instituições com o novo mandato pós-eleições europeias e em que os Estados-membros se veem confrontados com desafios como a competitividade, a defesa e as migrações, a Hungria sucede à Bélgica na presidência rotativa do Conselho.

“Tornar a Europa Grande de Novo” é o mote desta presidência europeia rotativa, semelhante ao ‘slogan’ e movimento político norte-americano popularizado por Donald Trump durante a sua bem-sucedida campanha presidencial de 2016.

Esta escolha surge a poucos meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos, marcadas para novembro, e quando o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, tem conhecidas boas relações com Donald Trump, que pode voltar a ser Presidente dos Estados Unidos.

Porém, o governo húngaro já veio rejeitar qualquer semelhança, falando antes na “ideia de que a Europa é capaz de se tornar um ator global”, no âmbito desta “presidência ativa” da Hungria.

O logótipo escolhido contém um cubo de rubik com as cores da UE (azul e amarelo, das estrelas da bandeira) e da bandeira húngara (vermelho, branco e verde).

No programa da presidência húngara, lê-se que “a Hungria assume a Presidência do Conselho da União Europeia num momento de circunstâncias e desafios extraordinários”.

O primeiro-ministro húngaro Viktor Órban vai assumir, a partir de segunda-feira e até final de dezembro, a presidência rotativa do Conselho da União Europeia (Associated Press)

“O nosso continente está a enfrentar desafios comuns devido à guerra na nossa vizinhança, ao atraso cada vez maior da UE em relação aos seus concorrentes mundiais, a uma situação de segurança frágil, à migração ilegal, à vulnerabilidade das cadeias de abastecimento internacionais, às catástrofes naturais, aos efeitos das alterações climáticas e ao impacto das tendências demográficas”, elenca Budapeste no documento.

Além disso, como 2024 é um ano de transição, “a presidência húngara terá de assegurar a continuidade do trabalho no Conselho, em cooperação com um Parlamento Europeu e uma Comissão Europeia recém-criados, e terá de iniciar a implementação da Agenda Estratégica 2024-2029, que estabelece as orientações a longo prazo para o trabalho futuro da União”, acrescenta.

Por essa razão, “a presidência húngara e a Europa devem estar preparadas para o facto de que as guerras, os conflitos armados, as crises humanitárias no mundo e as suas consequências continuarão a desafiar o continente na segunda metade de 2024”, sublinha.

A Hungria promete, ainda, em informações na sua nova página da internet “atuar como um mediador honesto numa cooperação fiel com os Estados-membros para alcançar a paz, a segurança e a prosperidade na Europa num período difícil”.

Entre as prioridades estão um novo pacto europeu de competitividade, o reforço da política europeia de defesa, o combate à migração ilegal, o delineamento do futuro da política de coesão, uma política agrícola da UE centrada na economia e a demografia.

Depois da Hungria, será a Polónia a ocupar a presidência semestral da UE no primeiro semestre de 2025, seguindo-se a Dinamarca na segunda metade desse ano.

Orbán pode criar polémicas no Conselho da UE mas burocracia europeia minimiza danos

Especialistas em assuntos europeus admitem que o primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orbán, poderá criar polémicas durante a sua presidência do Conselho da União Europeia (UE), no segundo semestre, mas a máquina burocrática europeia conseguirá minimizar eventuais danos.

“Há um ditado que diz que um leopardo nunca muda as suas pintas”, resume Dharmendra Kanani, porta-voz do centro de análise de políticas europeias Friends of Europe, acrescentando: “Tendo em conta o historial de Orbán na frente interna e o uso do seu veto em decisões políticas fundamentais da UE, é difícil aceitar garantias de Budapeste”.

Viktor Orbán tem protagonizado vários momentos de tensão no seio da UE, ao vetar, por exemplo, apoio financeiro à Ucrânia, e vendo fundos europeus retidos por violações ao Estado de Direito.

“Sabemos que a Hungria já está sujeita às medidas do artigo 7.º e é inédito que um Estado-membro sujeito a essas medidas assuma o leme da presidência”, nota a Friends of Europe, em declarações à Lusa.

“A preocupação”, continuou o representante do grupo de reflexão, é que o líder húngaro aproveite a liderança do Conselho da UE para comunicar “uma retórica que não está de acordo com os valores europeus”.

No mesmo sentido, Ricardo Borges da Fonseca, diretor-adjunto do Centro de Política Europeia, admite que “pode haver aqui ou ali um episódio em que Orbán vai dizer alguma coisa que é completamente ao arrepio daquilo que é a maioria do consenso europeu”.

O líder húngaro, admitiu, “pode adotar uma retórica no discurso em Budapeste para satisfazer a sua base política de apoio que não tem necessariamente que ser o mesmo em Bruxelas”.

Mas, concordam os analistas, os eventuais ‘danos’ serão limitados.

“Orbán não pode impor a sua vontade aos outros 26 [países]”, refere Ricardo Borges da Fonseca.

Henrique Burnay, da consultora especializada em assuntos europeus Eupportunity, salienta que a presidência rotativa tem a obrigação de “ser um mediador sério [‘honest broker’], um facilitador de acordos entre os 27”.

“Qualquer gesto no âmbito da política interna poderia ter significado político, mas não tem relação com o exercício da presidência”, considera.

No programa da presidência húngara, lê-se que “a Hungria assume a Presidência do Conselho da União Europeia num momento de circunstâncias e desafios extraordinários” (Associated Press)

Burnay salienta que o primeiro-ministro húngaro nunca presidirá a qualquer reunião, porque ao nível dos chefes de Estado e de Governo as reuniões são sempre presididas pelo presidente do Conselho Europeu, o recém-eleito António Costa.

Além disso, apontam os analistas, há uma ‘máquina’ por trás que garante a uniformidade das presidências – compostas por trios: neste caso, Espanha, Bélgica e Hungria.

“Felizmente, a estrutura administrativa da UE entrará em ação para garantir a moderação dos pontos de vista e das decisões”, diz Kanani, que ressalva que “apesar das preocupações de muitos Estados-membros relativamente ao efeito Orbán, historicamente a União Europeia sempre privilegiou o consenso”.

Por outro lado, o segundo semestre do ano será essencialmente dedicado à instalação do novo Parlamento Europeu e à escolha dos novos comissários europeus, após as eleições de junho.

“A disponibilidade do Parlamento para negociações com o Conselho é, por isso, reduzida. Não se espera que seja um semestre muito legislativo, o que reduz o impacto desta presidência. No máximo, a Hungria pode não avançar dossiês”, admite Burnay.

A presidência húngara poderá também ter impacto na política externa dos 27, tendo em conta as conhecidas afinidades de Orbán com o Presidente russo, Vladimir Putin, com o líder israelita Benjamin Netanyahu, e com o candidato republicano norte-americano Donald Trump, e uma vez que cabe à presidência rotativa o agendamento dos temas.

“As objeções da Hungria são um potencial obstáculo à tomada de decisões”, refere Burnay, recordando que a presidência belga quis iniciar as negociações de adesão com a Ucrânia a poucos dias do fim do seu mandato.

Uma decisão que Ricardo Borges da Fonseca aplaude, notando que “a Hungria esteve aberta para que isso acontecesse”.

O Friends of Europe acredita que o dirigente húngaro “terá dificuldade em reduzir o pacote financeiro para a Ucrânia, mas pode aproveitar a oportunidade de haver Estados-membros descontentes, incluindo a Eslováquia, para bloquear ou diluir o apoio financeiro plurianual à Ucrânia”.

Sobre o conflito no Médio Oriente, o responsável do EPC aponta a grande divisão entre os 27, enquanto Burnay admite que se trata de uma matéria que “tem tudo para criar conflitualidade entre os Estados-membros e nenhuma possibilidade de chegar a bom porto se for um tema puxado por uma parte pouco disponível para o compromisso”.

Num cenário de eventual reeleição de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em novembro, Henrique Burnay afirma que o primeiro-ministro húngaro “pode usar a sua condição de país com a presidência rotativa para dar um sinal de apoio a Trump”.

“O que, não comprometendo a UE, seria motivo de tensão e desacordo interno”, comenta.

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