O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) divulgou um estudo, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no qual é defendido que Portugal deveria adotar um sistema diferenciado de propinas em que o valor pago pelos estudantes do ensino superior seria definido com base em critérios socioeconómicos.
Atualmente, o valor máximo das propinas para o 1.º ciclo do ensino superior está fixado em 697 euros e todos os estudantes pagam o mesmo. A proposta da OCDE passa por substituir este modelo por um sistema diferenciado, em que o nível de propinas é associado à condição socioeconómica de cada estudante. Esse sistema assentaria em três regimes de pagamento: os estudantes bolseiros pagariam um valor mais baixo; os estudantes com baixos níveis de rendimento - mas que não sejam elegíveis para bolsa de estudo - pagariam um nível médio de propina; fixando-se um valor mais elevado para os restantes.
As associações académicas olham para estas recomendações com cautela: o reforço dos apoios sociais é considerado positivo, mas existem questões que precisam de ser esclarecidas.
"As propinas devem descer gradualmente com o tempo, mas devemos reforçar aquilo que são os apoios sociais, de maneira a serem aplicados com base nos estratos sociais. A questão das propinas pode ser influenciadora, mas uma ação social reforçada e a cumprir com o seu papel é muito mais fundamental. Se a ação social der a resposta que tem de dar, então o ensino superior está salvaguardado", considerou João Pedro Pereira, presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP).
A prioridade deve passar, defendeu o líder da FNAEESP, por um investimento nas instituições que "estão há anos a receber o mesmo com o triplo ou o quádruplo dos alunos e professores". "Há uma falta de investimento que ficou provado com este relatório da OCDE. A prioridade tem de ser fazer com que a ação social tenha o papel para o qual foi criada: apoiar os estudantes e os seus apoios sociais estarem vocacionados para aquilo que é a realidade atual. Se não forem os fundos europeus, não há resposta para os estudantes portugueses", acrescentou.
No entanto, o Ministério tem uma opinião diferente. Numa resposta à CNN Portugal, o Ministério tutelado por Elvira Fortunato diz que as receitas das propinas "constituem uma parte relativamente pequena do financiamento das instituições de ensino superior público" e é por isso que o "financiamento público tem acompanhado, nos últimos anos, o crescimento do número de estudantes em Portugal".
"Foco devia estar na forma de financiamento das instituições e não em mais um contributo dos estudantes"
A CNN Portugal contactou as associações académicas de Lisboa, Coimbra e Porto. A Associação Académica de Coimbra (AAC), presidida por João Caseiro, disse que não iria reagir para já a este estudo, querendo primeiro levar o tema à Assembleia Magna (órgão máximo deliberativo). Ainda assim, emitiu uma breve nota.
"A AAC continuará a posicionar-se no sentido de um ensino superior universal gratuito e de qualidade para todos, independentemente da condição socioeconómica de cada um. A educação não deve ser mercantilizada e é um bem que deve ser acessível a toda a população. Ainda assim, estamos a analisar o estudo da OCDE e posicionar-nos-emos mais tarde."
Já a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Gabriela Cabilhas, olha para estas recomendações como "uma tentativa disfarçada de aumentar os tetos máximos das propinas dos escalões intermédios ou dos escalões mais elevados" e isso levanta-lhe várias questões: "Quando estamos a falar de níveis baixos de rendimento, como é que estes seriam identificados? Quais os critérios? A partir de que rendimentos familiares iria ser aplicado?".
"A proposta de um modelo diferenciado de propinas surge num tempo que me parece pouco oportuno, porque estamos num contexto de crise inflacionária com perda de rendimento por parte das famílias. O foco da discussão devia estar na forma de financiamento das instituições para se tornarem mais competitivas e não em mais um contributo dos estudantes para o financiamento do setor", afirmou.
Na perspetiva de Ana Gabriela Cabilhas parece "que está a ser feito um desconto a quem tem acesso à bolsa de ação social", relembrando que as propinas não são a única grande despesa para os estudantes do ensino superior. "Alojamento, transporte, materiais escolares, por exemplo nos cursos de medicina dentária e arquitetura", por isso, "não podemos fazer uma mera comparação com outros países". Contudo, a FAP acredita que esta sugestão de um novo modelo "vai obrigar que o sistema de ação social seja repensado".
E parece ser esse o objetivo da tutela: "Neste momento, as prioridades do governo são, por um lado, o desenho do novo modelo de financiamento do ensino superior (tendo em vista a promoção de critérios transparentes, estáveis e que promovam a qualidade e um melhor desempenho das instituições de ensino superior públicas) e, por outro lado, o reforço dos apoios de ação social aos estudantes mais carenciados."
A CNN Portugal não conseguiu obter nenhuma reação por parte da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL).
Critérios de elegibilidade para a atribuição de bolsas
Além da revisão no sistema de propinas, os especialistas da OCDE sugerem também o reforço dos apoios aos estudantes com maiores necessidades e uma reavaliação dos critérios de elegibilidade que atualmente vigoram para a atribuição de bolsas.
O objetivo seria avaliar a flexibilidade do sistema para garantir apoio a uma população de estudantes cada vez mais diversificada e aferir a necessidade de alterações ou de introdução de outros instrumentos para apoiar estudantes mais velhos.
A FNAEESP considera que existem vários critérios que deveriam ser atualizados, nomeadamente no que toca aos agregados. "Há um que continua a ser esquecido, que é o monoparental" - em que a criança ou jovem vive apenas com um dos progenitores e tem, por isso, apenas um fonte de rendimento.
"Os agregados têm tido um decréscimo naquilo que é o rendimento das famílias e tem de ser repensado. Aumentar o limite de elegibilidade é importante. É preciso reforçar o bolo da ação social." João Pedro Pereira ressalvou que também é fundamental que os rendimentos a ter em conta "passem a ser os líquidos e não os ilíquidos. Isto influencia negativamente as famílias".
Nesta matéria, o Ministério do Ensino Superior afirmou à CNN Portugal que o Governo aumentou ainda este ano o limiar de elegibilidade e prevê fazê-lo novamente em 2023. Além disso, "aumentou os valores de vários complementos e apoios pagos aos estudantes bolseiros e aumentou recentemente os valores das bolsas em cerca de 10%". O Orçamento do Estado para 2023, garante, prevê também "um aumento de 70% em receitas de impostos para apoiar a ação social no ensino superior".
Alojamento estudantil
Quanto ao alojamento estudantil, o relatório refere que os investimentos públicos futuros devem ser direcionados para territórios onde a procura supera a oferta e planeados com base na procura prospetiva de ensino superior.
Na Área Metropolitana do Porto, a presidente da FAP contou que neste ano letivo há estudantes "que estão a fazer longas viagens até à sua instituição de ensino superior", precisamente devido à falta de alojamento e do aumento do custo do arrendamento. "Era importante comparar esta recomendação da OCDE com o PRR para saber onde estão a ser construídas as novas camas para os estudantes", finalizou.
Na resposta à CNN Portugal, o MCTES assegurou que o Governo "contratualizou nos últimos meses cerca de 442M€ para a construção e reabilitação de residências, o que representa o maior investimento de sempre no alojamento de estudantes".