Ex-cabo: «Não consigo entender» - TVI

Ex-cabo: «Não consigo entender»

O ex-cabo ouve a sentença - Foto Paulo Cunha/Lusa

Juiz não percebe como é que António Costa «descambou» e começou de repente a matar de «seis em seis meses». Magistrado falou de casos anteriores, explicou a decisão em pormenor e até deu um conselho ao arguido. Que não o aceitou

Veja o acórdão

Em 20 anos de profissão Jorge Loureiro, o juiz que presidiu ao colectivo que julgou o ex-cabo da GNR de Santa Comba Dão, já condenara um homem que violou e matou a própria mãe; teve processos de pedofilia e até um caso rocambolesco em que o arguido se mutilava, fritava o sangue e obrigava a mulher e o filho a comê-lo.

«Pensava que tudo de muito mau já me tinha passado pelas mãos», confidenciou o magistrado durante a leitura do acórdão. Estava enganado. Logo que pôs os olhos na acusação de António Costa, o juiz não conseguiu evitar a pergunta que se impõe:

«O que leva um homem de 58 anos com um passado normal, ou até acima da média, a reformar-se e a partir daí, de seis em seis meses, começar a fazer disparates?» Mais adiante insistiu: «Não consigo entender como é que alguém com o percurso do senhor consegue descambar desta maneira».

Quanto vale uma vida?

Parece estranho quantificar o direito à vida, mas os tribunais são obrigados a fazê-lo e têm fixado um montante até 60 mil euros. Jorge Loureiro quantificou-o em 70 mil euros, o valor que os familiares das vítimas irão receber pelo direito à vida.

Também «os danos não patrimoniais dos pais das garotas» são quantificados para efeitos indemnizatórios. O juiz decidiu atribuir 30 mil euros a cada progenitor sendo certo, acrescentou, «que eu também não queria este dinheiro por perder qualquer um dos meus filhos». O pai de Isabel Cristina, a primeira vítima, receberá apenas 15 mil euros por ter sido o que na opinião do tribunal revelou um sofrimento menos acentuado.

Os familiares de Joana foram os únicos a pedir também uma indemnização «pelos danos próprios da vítima», fixada em 25 mil euros. No total, os familiares de Isabel Cristina irão receber 115 mil euros; os pais de Joana 155 mil euros e os familiares de Mariana 100 mil euros.

Julgamos em nome do povo

«Nós julgamos em nome do povo, mas não devemos obediência ao povo». A frase do juiz servia para estabelecer a fronteira com o termo justiceiro. Preocupado em explicar a sentença em moldes que o cidadão comum pudesse entender, sublinhou ainda que o poder judicial só deve obediência à Constituição e à lei.

E se nem sempre as leis são justas, cabe aos magistrados aplicá-las da melhor maneira. Isso mesmo tentou fazer o magistrado quando explicou a forma como chegou às penas aplicadas.

«A favor do senhor Costa: a ausência de antecedentes criminais, o facto de ter sido sempre um bom pai e marido». «Contra si: a idade das vítimas, a imputabilidade, a ausência de um sentimento de culpa».

«Aproveite para reflectir»

O homicídio simples de Isabel Cristina deu lugar a 14 anos de prisão. 20 anos de prisão pelo homicídio qualificado de Mariana e 22 anos de prisão pelo homicídio qualificado de Joana. A coacção sexual na forma tentada de Mariana deu 10 meses de prisão, 12 meses no caso de Joana. A ocultação do cadáver de Mariana deu lugar a 18 meses de prisão e o de Joana 20 meses. Já a profanação do cadáver desta última jovem deu 18 meses de prisão.

Finalmente, a denúncia caluniosa contra Rogério, o tio de Mariana, a quem o arguido acusou pela morte das jovens, deu lugar a 18 meses de prisão. O cúmulo jurídico do total de 64 anos e 10 meses de prisão deu a pena máxima que a lei portuguesa admite: 25 anos.

O magistrado lembrou o arguido de que sairá em liberdade condicional antes do fim. E lançou-lhe um repto: «Aproveite esse tempo para reflectir e nos tribunais superiores (em caso de recurso) diga o que fez». António Costa, de pé, olhava o juiz e abanava a cabeça em sinal de discordância.

O julgamento do antigo cabo da GNR foi também «um exemplo de que é possível o poder judicial trabalhar a par da comunicação social», referiu o magistrado, sublinhando «o papel fundamental» desta «no escrutínio democrático do poder judicial».
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