Perto de Fátima, longe do Papa (continuação) - TVI

Perto de Fátima, longe do Papa (continuação)

Fátima 2010 (Fotos de Cláudia Lima da Costa)

Peregrinos dizem que não caminham para ver Bento XVI e que sentem saudades do «Papa peregrino»

Leia a primeira parte da reportagem aqui.

Passa mais meia hora. A norte de Fátima o cenário não é muito diferente do que se vive a sul. Os ponteiros da bússola espiritual que guia Liliana Bastos, de 23 anos, e da mãe, Maria Delmira, de 54, apontam para o mesmo lado. Deixaram Vale de Cambra na «sexta-feira de madrugada». «Venho aqui por uma promessa que fiz, porque o meu filho teve um acidente muito grave no ano passado». A filha diz que as razões da mãe são também suas.

«Não venho cá por casa do Papa», salienta Maria. «Prometi vir cá enquanto puder». O nome de Bento XVI nem sequer lhe sai da boca. «É um Papa. É mais um». «Gostava mais do outro, de João Paulo II», lembra a mãe. «Era mais carinhoso. Até o rosto dele inspirava carinho. Este se calhar por ser recente ainda não tem muita confiança com as pessoas», explica a filha.



Já com a rotunda norte de Fátima à vista, falta ainda falar com António Bastos, um metalúrgico de 59 anos, para quem «é a fé que move tudo». «Quem não tiver fé não sabe o que anda a fazer neste mundo», garante o homem que em 1976 decidiu ir de Vale de Cambra a Fátima descalço. «Os meus pés em Coimbra... », recorda com um esgar, ainda latente. «Não sei como é que atravessei Coimbra. Os dois calcanhares eram uma bolha só. Mas não fiquei».

Porém, até este homem, que diz ter fé para atravessar montanhas a pé nu, não parece particularmente entusiasmado com a visita «especial» deste ano a Fátima. «Não é um ano especial. Cá vir o Papa ou não vir... ele é um homem, que ultimamente tem prevaricado como os outros. Ou se calhar ainda mais, pelas responsabilidades que tem».

E, sem poupanças, puxa pelo tema dos escândalos de pedofilia que envolvem elementos da hierarquia da Igreja, com a mesma convicção com que diz que as fraquezas dos homens não chegam para lhe turvar a fé.

«Quando ele foi eleito comentei com alguém: não gosto da cara daquele homem. E agora a ideia é a mesma ou ainda pior. Se é verdade aquilo que dizem, que ele escondeu há não sei quantos anos um padre ou um bispo daquilo que ele andou a fazer a crianças deficientes, é um crime. Um crime grave», solta assim, de uma tirada. «Mas não é ele que me demove de ter fé ou não».

De uma tirada, solta depois: «João Paulo II, esse era um homem de fé. Um homem da terra, que sabia o que queria e sabia mobilizar multidões. Ainda hoje não é por qualquer motivo que se vendem muitas coisas que não se vende deste».

António Bastos fica para trás. O recinto do Santuário - rodeado de barreiras metálicas, de carros de televisões, rádios e jornais, de polícias, bombeiros e de muitos outros sinais que indicam que estes dias 12 e 13 de Maio não serão bem iguais aos outros - ainda respira, antes do afogo das multidões. Junto à Cruz Alta, repousa uma estátua. As pessoas passam. Muitas detêm-se. Há alguém que lhe toca. Num cumprimento reverencial. Uma menina de mão dada uma mulher pergunta: «Quem é, mãe?». «É o Papa peregrino, filha».
Continue a ler esta notícia