«O meu filho morreu. Ninguém pergunta por ele?» - TVI

«O meu filho morreu. Ninguém pergunta por ele?»

Vídeo: na associação «A Nossa Âncora» a morte não é um tabu. Instituição acompanha pais em luto e ajuda-os a ultrapassar a dor «demolidora» da perda de um filho

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Um pai não devia enterrar o filho. A frase batida reflecte bem o que se sente após uma reunião na associação «A Nossa Âncora», uma instituição que ajuda pais em luto. São cerca de 20 pais e mães. Reúnem-se em círculo e falam, riem e choram, durante mais de três horas.

O espaço, cedido pela Cruz Vermelha, é de total liberdade: ali podem recordar o filho que partiu, contarem porque deixaram a cama feita durante um ano ou como escrevem sem se cansarem - nada é recriminado; todos já passaram pelo mesmo.

A associação tem pólos espalhados pelo país - vai vivendo das quotas dos sócios e de algumas ajudas das autarquias - e além das reuniões supervisionadas por um psicólogo e por uma mãe em luto, que já fez a sua «caminhada», oferece ainda atendimento individual, ajuda telefónica e online.

Veja aqui o fórum

da associação «A Nossa Âncora»

Há mais de uma década anos, tudo começou com duas mães que se juntaram para fazer o luto da morte dos seus filhos, num encontro sugerido por um psiquiatra. A esse encontro outros se seguiram até que foi preciso criar uma linha telefónica para atender os telefonemas de quem procurava ajuda.

«A morte de um filho é anti-natura», diz Emília Agostinho, presidente de «A Nossa Âncora», pouco antes de assistirmos - com a câmara desligada [veja aqui a reportagem em vídeo] - a um encontro de pais em luto. Uns perderam os filhos há meses, outros já carregam essa dor há 20 anos: «A dor é para sempre, mas é possível viver com serenidade», sublinha Emília Agostinho, também uma mãe em luto.

Estão distribuídos em forma de círculo. Um maço de cartões vai passando contra o sentido dos ponteiros do relógio: cada papel tem uma palavra; e é sobre essa palavra que a conversa começa, com o sol a entrar pela sala cheia de janelas.

A moderadora, Emília Agostinho, fala pouco, vai gerindo o tempo e as emoções dos pais que vêem estes encontros «como um balão de oxigénio» para passar o resto do mês, até à próxima reunião. A sessão começa oficialmente com uma oração, mas é quando a palavra «Revolta» surge escrita num cartão que o encontro se inicia verdadeiramente.

Há choro, há dor, há revolta, mas há também compaixão e entendimento naquela sala que transborda de saudade. «Com o tempo não dói tanto», garante quem já por passou por um luto recente. «A meta é a serenidade», a outra palavra de um cartão que saiu ao vizinho do lado.

Para quem viu o filho partir há meses, não há «aceitação»: há apenas a sensação de injustiça, mas a consciência de que, com esta «caminhada», tudo vai mudando; e estas reuniões, a par de terapia com psiquiatras ou psicólogos, são uma ajuda valiosa para fugir ao suicídio com que muitos médicos se deparam nestes casos de pais em luto. Foi assim que a associação nasceu - da iniciativa de um psiquiatra que juntou duas mães - e é assim que continua, permitindo que os pais continuem a falar do filho.

Por que isso nunca muda. Todos contam que amigos, colegas de trabalho, e até os familiares deixam de perguntar ou de recordar os aniversários ou as façanhas atléticas de quem já não está cá. «Mas eu quero falar do meu filho. Por que é que as pessoas evitam o tema?», questiona uma mãe. «Às vezes até mudam de passeio, só para não me encarar».

«Falta uma educação para a morte», bem visível na forma como se «esconde das crianças» que um familiar morreu ou «como o pessoal de enfermagem, bombeiros ou polícias dão a notícia aos pais», explica Emília Agostinho, revelando ao PortugalDiário que a associação dá formação a estas profissões.

Leia mais: «Dizem que o filho foi viajar para o estrangeiro»
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